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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A controvertida sucessão do cônjuge sobrevivente no STJ

Regime de bens e divisão da herança: dúvidas jurídicas no fim do casamento

Antes da celebração do casamento, os noivos têm a possibilidade de escolher o regime de bens a ser adotado, que determinará se haverá ou não a comunicação (compartilhamento) do patrimônio de ambos durante a vigência do matrimônio. Além disso, o regime escolhido servirá para administrar a partilha de bens quando da dissolução do vínculo conjugal, tanto pela morte de um dos cônjuges, como pela separação.

O instituto, previsto nos artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil de 2002 (CC/02), integra o direito de família, que regula a celebração do casamento e os efeitos que dele resultam, inclusive o direito de meação (metade dos bens comuns) – reconhecido ao cônjuge ou companheiro, mas condicionado ao regime de bens estipulado.

A legislação brasileira prevê quatro possibilidades de regime matrimonial: comunhão universal de bens (artigo 1.667 do CC), comunhão parcial (artigo 1.658), separação de bens – voluntária (artigo 1.687) ou obrigatória (artigo 1.641, inciso II) – e participação final nos bens (artigo 1.672).

A escolha feita pelo casal também exerce influência no momento da sucessão (transmissão da herança), prevista nos artigos 1.784 a 1.856 do CC/02, que somente ocorre com a morte de um dos cônjuges.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “existe, no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem relacionamento, no tocante às causas e aos efeitos, esses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e das sucessões”.

Regime legal Antes da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), caso não houvesse manifestação de vontade contrária, o regime legal de bens era o da comunhão universal – o cônjuge não concorre à herança, pois já detém a meação de todo o patrimônio do casal. A partir da vigência dessa lei, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial, inclusive para os casos em que for reconhecida união estável (artigos 1.640 e 1.725 do CC).

De acordo com o ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma do STJ, “enquanto na herança há substituição da propriedade da coisa, na meação não, pois ela permanece com seu dono”.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 954.567, o ministro mencionou que o CC/02, ao contrário do CC/1916, trouxe importante inovação ao elevar o cônjuge ao patamar de concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima (herança). “Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem grau de parentesco, são o eixo central da família”, afirmou.

Isso porque o artigo 1.829, inciso I, dispõe que a sucessão legítima é concedida aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (exceto se casado em regime de comunhão universal, em separação obrigatória de bens – quando um dos cônjuges tiver mais de 70 anos ao se casar – ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares).

O inciso II do mesmo artigo determina que, na falta de descendentes, a herança seja concedida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento.

União estável Em relação à união estável, o artigo 1.790 do CC/02 estabelece que, além da meação, o companheiro participa da herança do outro, em relação aos bens adquiridos na vigência do relacionamento.

Nessa hipótese, o companheiro pode concorrer com filhos comuns, na mesma proporção; com descendentes somente do autor da herança, tendo direito à metade do que couber ao filho; e com outros parentes, tendo direito a um terço da herança.

No julgamento do REsp 975.964, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, analisou um caso em que a suposta ex-companheira de um falecido pretendia concorrer à sua herança. A ação de reconhecimento da união estável, quando da interposição do recurso especial, estava pendente de julgamento.

Consta no processo que o falecido havia deixado um considerável patrimônio, constituído de imóveis urbanos, várias fazendas e milhares de cabeças de gado. Como não possuía descendentes nem ascendentes, quatro irmãs e dois sobrinhos – filhos de duas irmãs já falecidas – seriam os sucessores.

Entretanto, a suposta ex-companheira do falecido moveu ação buscando sua admissão no inventário, ao argumento de ter convivido com ele, em união estável, por mais de 30 anos. Além disso, alegou que, na data da abertura da sucessão, estava na posse e administração dos bens deixados por ele.

Meação

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, com a morte de um dos companheiros, entrega-se ao companheiro sobrevivo a meação, que não se transmite aos herdeiros do falecido. “Só então, defere-se a herança aos herdeiros do falecido, conforme as normas que regem o direito das sucessões”, afirmou.

Ela explicou que a meação não integra a herança e, por consequência, independe dela. “Consiste a meação na separação da parte que cabe ao companheiro sobrevivente na comunhão de bens do casal, que começa a vigorar desde o início da união estável e se extingue com a morte de um dos companheiros. A herança, diversamente, é a parte do patrimônio que pertencia ao companheiro falecido, devendo ser transmitida aos seus sucessores legítimos ou testamentários”, esclareceu.

Para resolver o conflito, a Terceira Turma determinou que a posse e administração dos bens que integravam a provável meação deveriam ser mantidos sob a responsabilidade da ex-companheira, principalmente por ser fonte de seu sustento, devendo ela requerer autorização para fazer qualquer alienação, além de prestar contas dos bens sob sua administração.

Regras de sucessão

A regra do artigo 1.829, inciso I, do CC, que regula a sucessão quando há casamento em comunhão parcial, tem sido alvo de interpretações diversas. Para alguns, pode parecer que a regra do artigo 1.790, que trata da sucessão quando há união estável, seja mais favorável.

No julgamento do REsp 1.117.563, a ministra Nancy Andrighi afirmou que não é possível dizer, com base apenas nas duas regras de sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, “porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil”.

Para a ministra, há uma linha de interpretação, a qual ela defende, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias.

Companheira e filha No caso específico, o autor da herança deixou uma companheira, com quem viveu por mais de 30 anos, e uma filha, fruto de casamento anterior. Após sua morte, a filha buscou em juízo a titularidade da herança.

O juiz de primeiro grau determinou que o patrimônio do falecido, adquirido na vigência da união estável, fosse dividido da seguinte forma: 50% para a companheira (correspondente à meação) e o remanescente dividido entre ela e a filha, na proporção de dois terços para a filha e um terço para a companheira.

Para a filha, o juiz interpretou de forma absurda o artigo 1.790 do CC, “à medida que concederia à mera companheira mais direitos sucessórios do que ela teria se tivesse contraído matrimônio, pelo regime da comunhão parcial”.

Ao analisar o caso, Nancy Andrighi concluiu que, se a companheira tivesse se casado com o falecido, as regras quanto ao cálculo do montante da herança seriam exatamente as mesmas.

Ou seja, a divisão de 66% dos bens para a companheira e de 33% para a filha diz respeito apenas ao patrimônio adquirido durante a união estável. “O patrimônio particular do falecido não se comunica com a companheira, nem a título de meação, nem a título de herança. Tais bens serão integralmente transferidos à filha”, afirmou.

De acordo com a ministra, a melhor interpretação do artigo 1.829, inciso I, é a que valoriza a vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, tanto na vida quanto na morte dos cônjuges.

“Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis estes unicamente entre os descendentes”, mencionou.

Vontade do casal Para o desembargador convocado Honildo Amaral de Mello Castro (já aposentado), “não há como dissociar o direito sucessório dos regimes de bens do casamento, de modo que se tenha após a morte o que, em vida, não se pretendeu”.

Ao proferir seu voto no julgamento de um recurso especial em 2011 (o número não é divulgado em razão de segredo judicial), ele divergiu do entendimento da Terceira Turma, afirmando que, se a opção feita pelo casal for pela comunhão parcial de bens, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, ao sobrevivente é garantida somente a meação dos bens comuns – adquiridos na vigência do casamento.

No caso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou sentença de primeiro grau para permitir a concorrência, na sucessão legítima, entre cônjuge sobrevivente, casado em regime de comunhão parcial, e filha exclusiva do de cujus (autor da herança), sobre a totalidade da herança.

A menor, representada por sua mãe, recorreu ao STJ contra essa decisão, sustentando que, além da meação, o cônjuge sobrevivente somente concorre em relação aos bens particulares do falecido, conforme a decisão proferida em primeiro grau.

Interpretação
Para o desembargador Honildo Amaral, em razão da incongruência da redação do artigo 1.829, inciso I, do CC/02, a doutrina brasileira possui correntes distintas acerca da interpretação da sucessão do cônjuge casado sob o regime de comunhão parcial de bens.

Em seu entendimento, a decisão que concedeu ao cônjuge sobrevivente, além da sua meação, direitos sobre todo o acervo da herança do falecido, além de ferir legislação federal, desrespeitou a autonomia de vontade do casal quando da escolha do regime de comunhão parcial de bens.

O desembargador explicou que, na sucessão legítima sob o regime de comunhão parcial, não há concorrência em relação à herança, nem mesmo em relação aos bens particulares (adquiridos antes do casamento), visto que o cônjuge sobrevivente já está amparado pela meação. “Os bens particulares dos cônjuges são, em regra, incomunicáveis em razão do regime convencionado em vida pelo casal”, afirmou.

Apesar disso, ele mencionou que existe exceção a essa regra. Se inexistentes bens comuns ou herança a partilhar, e o falecido deixar apenas bens particulares, a concorrência é permitida, “tendo em vista o caráter protecionista da norma que visa não desamparar o sobrevivente nessas situações excepcionais”.

Com esse entendimento, a Quarta Turma conheceu parcialmente o recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento. O desembargador foi acompanhado pelos ministros Luis Felipe Salomão e João Otávio de Noronha.

Contra essa decisão, há embargo de divergência pendente de julgamento na Segunda Seção do STJ, composta pelos ministros da Terceira e da Quarta Turma.

Proporção do direito
É possível que a companheira receba verbas do trabalho pessoal do falecido por herança? Em caso positivo, concorrendo com o único filho do de cujus, qual a proporção do seu direito?

A Quarta Turma do STJ entendeu que sim. “Concorrendo a companheira com o descendente exclusivo do autor da herança – calculada esta sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência –, cabe-lhe a metade da quota-parte destinada ao herdeiro, vale dizer, um terço do patrimônio do de cujus”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em julgamento de 2011 (recurso especial que também tramitou em segredo).

No caso analisado, a herança do falecido era composta de proventos e diferenças salariais, resultado do seu trabalho no Ministério Público, não recebido em vida. Após ser habilitado como único herdeiro necessário, o filho pediu em juízo o levantamento dos valores deixados pelo pai.

O magistrado indeferiu o pedido, fundamentando que a condição de único herdeiro necessário não estava comprovada, visto que havia ação declaratória de união estável pendente. O tribunal estadual entendeu que, se fosse provada e reconhecida a união estável, a companheira teria direito a 50% do valor da herança.

Distinção O ministro Salomão explicou que o artigo 1.659, inciso VI, do CC, segundo o qual, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge ficam excluídos da comunhão, refere-se ao regime de comunhão parcial de bens.

Ele disse que o dispositivo não pode ser interpretado de forma conjunta com o disposto no artigo 1.790, inciso II, do CC/02, que dispõe a respeito da disciplina dos direitos sucessórios na união estável.

Após estabelecer a distinção dos dispositivos, ele afirmou que o caso específico correspondia ao direito sucessório. Por essa razão, a regra do artigo 1.659, inciso VI, estaria afastada, cabendo à companheira um terço do valor da herança.

Separação de bens
Um casal firmou pacto antenupcial em 1950, no qual declararam que seu casamento seria regido pela completa separação de bens. Dessa forma, todos os bens, presentes e futuros, seriam incomunicáveis, bem como os seus rendimentos, podendo cada cônjuge livremente dispor deles, sem intervenção do outro.

Em 2001, passados mais de 50 anos de relacionamento, o esposo decidiu elaborar testamento, para deixar todos os seus bens para um sobrinho, firmando, entretanto, cláusula de usufruto vitalício em favor da esposa.

O autor da herança faleceu em maio de 2004, quando foi aberta sua sucessão, com apresentação do testamento. Quase quatro meses depois, sua esposa faleceu, abrindo-se também a sucessão, na qual estavam habilitados 11 sobrinhos, filhos de seus irmãos já falecidos.

Nova legislação
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença de primeiro grau para habilitar o espólio da mulher no inventário dos bens do esposo, sob o fundamento de que, como as mortes ocorreram na vigência do novo Código Civil, prevaleceria o novo entendimento, segundo o qual o cônjuge sobrevivente é equiparado a herdeiro necessário, fazendo jus à meação, independentemente do regime de bens.

No REsp 1.111.095, o espólio do falecido sustentou que, no regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente jamais poderá ser considerado herdeiro necessário. Alegou que a manifestação de vontade do testador, feita de acordo com a legislação vigente à época, não poderia ser alterada pela nova legislação.

O ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado) explicou que, baseado em interpretação literal da norma do artigo 1.829 do CC/02, a esposa seria herdeira necessária, em respeito ao regime de separação convencional de bens.

Entretanto, segundo o ministro, essa interpretação da regra transforma a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária, visto que concede liberdade de autodeterminação em vida, mas retira essa liberdade com o advento da morte.

Para ele, o termo “separação obrigatória” abrange também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus patrimônios, interpretação que não conflita com a intenção do legislador de corrigir eventuais injustiças e, ao mesmo tempo, respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges quanto ao seu patrimônio.

Diante disso, a Quarta Turma deu provimento ao recurso, para indeferir o pedido de habilitação do espólio da mulher no inventário de bens deixado pelo seu esposo.
fonte- site do STJ 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Justiça manda padrasto pagar pensão a enteada

Pai é quem cria?



Engenheiro terá de desembolsar 20% do salário para filha de ex-companheira com quem ficou casado dez anos. Para especialistas, decisão endossa visão moderna do Direito de que pai é quem cria


Em decisão inédita, a Justiça de Santa Catarina determinou que um engenheiro de 54 anos pague pensão à filha de sua ex-companheira. A jovem, de 16 anos, é filha do primeiro casamento da mãe e conviveu com o padrasto por dez anos. A decisão, em caráter liminar, endossa uma nova visão do Direito de Família: pai é quem cria, independentemente do nome que consta na certidão de nascimento.
A mãe, Madalena (nome fictício), de 41 anos, conta que o engenheiro arcou com as despesas da família, incluindo colégio particular, alimentação, viagens e presentes, desde que a filha tinha 6 anos. As duas constam como dependentes no Imposto de Renda do engenheiro.
O valor estipulado pela Justiça é de 20% dos rendimentos do padrasto, cerca de R$ 1,5 mil. A jovem recebe pensão do pai biológico, de um salário mínimo. A mãe se separou do primeiro marido quando a jovem tinha 2 anos.

Na decisão, a juíza Adriana Mendes Bertoncini, da 1.ª Vara de Família de São José, argumenta que “mesmo que a menor receba tal auxílio, nada impede que, pelo elo afetivo existente entre ela e o requerido, este continue a contribuir financeiramente para suas necessidades básicas”. Adriana presumiu o que chama de “paternidade socioafetiva” pelo fato de o engenheiro ser o responsável pelo contrato escolar da adolescente. Cabe recurso à liminar, concedida sem que o padrasto fosse ouvido.

A família, afirma Ma­dalena, morou a maior parte do tempo em casas separadas. Apenas por um ano os três viveram juntos. “Era um relacionamento como marido e mulher, mas cada um tinha o seu espaço.”

Presentes

A mãe reforça a presença do ex-companheiro como figura paterna. “Ele participava de datas comemorativas, como o Dia dos Pais. Era ele quem recebia os presentes que ela fazia e as homenagens, não o pai biológico.” Segundo Madalena, o ex-companheiro lhe deu um carro para que buscasse a filha no colégio e pagou prestações do financiamento do imóvel onde morava.

No fim de 2011, o engenheiro arcou com todas as despesas de uma viagem que mãe e filha fizeram à Disney, nos Estados Unidos. As duas viajaram em março, um mês após o fim do relacionamento. “Desde fevereiro, quando nos separamos, ele nunca mais fez contato com ela, nem mesmo pelo telefone. Foi uma separação brusca, que deixou-a desorientada”, diz.

A mãe procurou, então, uma advogada para pleitear a pensão. Agora, ela também vai requisitar à Justiça, a pedido da filha, que determine que o engenheiro faça visitas regulares à jovem, que conta à mãe ter saudades do padrasto.

Procurado, o engenheiro não quis comentar o assunto, argumentando que não tinha sido citado na decisão. “Eu nem sabia disso, para mim é novidade.”
Análise
Especialistas dividem-se sobre dupla paternidade
As decisões que reconhecem a paternidade pela relação de afeto ainda são recentes. Por isso, uma criança ou adolescente com direito a receber pensão de dois pais – o biológico e o de criação – é incomum e provoca discussão entre especialistas.
“O vínculo de socioafetividade vai muito além do simples sustento, de morar sob o mesmo teto ou de dar assistência. Se a criança tem um pai biológico que a assiste também, não cabe ter uma dupla paternidade”, questiona a advogada Regina Beatriz Tavares, professora de Direito de Família da Universidade de São Paulo. Decisões como a de Santa Catarina, para Regina, podem banalizar a paternidade socioafetiva.
Convivência
Nos tribunais, a convivência tem prevalecido sobre a genética na chamada “adoção à brasileira”. Nela, uma pessoa assume a paternidade de uma criança simplesmente indo até um cartório e registrando-a em seu nome, sem seguir os procedimentos formais de adoção.
O problema começa quando esse pai morre e herdeiros entram na Justiça rejeitando o parentesco. “Seria uma injustiça com um filho criado como tal que, depois da morte do pai de registro, alguém queira tirar proveito patrimonial desfazendo a relação”, argumenta Regina.
A ex-desembargadora Maria Berenice Dias afirma que, nos últimos dez anos, após a aprovação do Código Civil em 2002, houve um avanço no reconhecimento de filhos por relação de afeto. Para ela, a Justiça de Santa Catarina acertou ao determinar que o ex-companheiro de Madalena pague pensão alimentícia à ex-enteada. “Essa decisão nada mais fez que impor a continuidade de uma obrigação que ele já vinha assumindo. O que tem de prevalecer? Atender ao melhor interesse da criança”, afirma Maria Berenice.
“Hoje, a filiação é eminentemente socioafetiva. A biologia é um elemento a mais”, concorda o advogado Rolf Madaleno, do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

do site Gazeta do Povo

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Abandono Afetivo de Idosos

Projeto que prevê abandono afetivo de idoso está pronto para votação na CCJ
02/10/2012

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
Se os filhos podem recorrer à justiça para obter indenização por abandono afetivo, os pais idosos também podem. O projeto de lei 4.294/2008, do deputado Carlos Bezerra, altera os artigos 1.632 do Código Civil e 3º do Estatuto do Idoso e prevê a indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo de pais e prevê também a indenização no caso do abandono de idosos por sua família.
O parecer favorável ao projeto de lei, elaborado pelo relator, o deputado Antônio Bulhões, está pronto para ir à votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Em seu relatório, Bulhões defendeu o PL, argumentando que as obrigações existentes entre pais e filhos não se limitam à prestação de auxílio material, mas também ao suporte afetivo. "Embora seja verdade que não se possa obrigar alguém a amar ou manter relacionamento afetivo, há casos em que o abandono ultrapassa os limites do desinteresse e, efetivamente, causa lesões ao direito da personalidade do filho ou do pai, sujeitando-os a humilhações e discriminações", justificou o relator, acrescentando que seria nesses casos que estaria configurado o abandono afetivo gerador do direito à indenização moral.
A proposta tramita em caráter conclusivo nas comissões da Câmara. Como já foi aprovada na Comissão de Seguridade e Família, basta a aprovação do relatório do deputado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que seja encaminhada ao Senado. O relator reconhece que a matéria divide opiniões no meio jurídico, mas acredita que o projeto obterá votação favorável. "Pela sua importância e atualidade, no contexto de discussões e modificações nas relações familiares do país, não tenho dúvidas que a CCJ vai apreciar e aprovar o projeto com celeridade", analisa.
O abandono
A advogada e especialista em direitos da personalidade, Andryelle Vanessa Camilo, explica que a ocorrência de abandono afetivo na vida de idosos gera uma violação da integridade psíquica do sujeito refletindo em angústia e em afastamento social. “Quando se fala em abandono afetivo, não se trata apenas da monetarização do afeto. É uma ação afirmativa para mudar a consciência das pessoas para a importância do afeto na vida dos sujeitos”, completa.
De acordo com Andryelle, o grande problema para a efetivação do Estatuto do Idoso e mais ainda, da alteração que prevê o abandono afetivo, é a dificuldade que o idoso tem em denunciar os abusos. “Eles se envergonham em denunciar e toleram essas violações. A gente só toma conhecimento quando a situação é extremamente grave”, enfatiza.
Com relação à jurisprudência sobre o assunto, a advogada diz não conhecer nenhum caso de condenação por abandono afetivo de idosos. “Fui procurada várias vezes, mas geralmente as pessoas não querem levar a denúncia adiante. Quando explico sobre o prazo e as conseqüências do processo, elas desistem”, comenta. Andryelle detalha que os processos de dano moral necessitam de testemunhas e narração precisa do fato para justificar a ação. “Tem que tocar nas feridas”, reforça.
O idoso na sociedade atual
A advogada considera que o abandono do idoso difundiu-se após o advento da Revolução Industrial, em que o valor humano tornou-se secundário em relação ao valor produtivo fragilizando aquele que tem sua produção reduzida em decorrência das limitações de idade. Mas nem sempre foi assim. Ela explica que na Roma antiga, época dos “pater familias”, o idoso assumia papel essencial na transmissão de conhecimentos. Eram os mais velhos que detinham o poder de guardar e passar adiante a memória dos ritos, danças e cantos para a celebração dos cultos. Em artigo sobre o tema, ela escreve que era a participação dos anciãos que assegurava a continuidade, a unidade das sociedades primitivas no campo religioso, político, econômico e social.
Mesmo que a sociedade brasileira esteja envelhecendo e que os meios de comunicação difundam a imagem do idoso ativo e cheio de saúde, o contexto de valorização do idoso ainda está longe de se difundir na sociedade como um todo. Essa situação ideal de vivência da terceira idade ainda se restringe mais às classes economicamente favorecidas. “Essas oportunidades ainda estão ligadas à classe social. Muitas famílias dependem da aposentadoria do idoso que não consegue desfrutar dos benefícios”, enfatiza.
É por isso que a advogada ressalta a importância da intervenção do Estado não só na promulgação de leis mas também na execução de políticas públicas para os idosos. “O Estatuto do Idoso, que entrou em vigência em 2003, foi um passo importante. Agora é preciso a implementação de políticas públicas, atividades educacionais, culturais, para que o idoso não precise viver em ostracismo”, reflete.