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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Somos (todos) vítimas – por Vitor Hugo do Amaral Ferreira

 

 

Quando oramos aos céus, ou mesmo no cantinho, aos gritos ou baixinho, sussurramos em pranto a Deus. Por que se foram? Onde estão? Quem são?
A partir de hoje seremos sempre vítimas. Não as centenas de falecidos ou ainda outros tantos feridos; seremos milhares, vítimas da ausência, vítimas da saudade, vítimas do silêncio ensurdecedor.
Somos todos reduzidos e pequenos diante da morte; mas muitos são os grandes, anônimos e gigantes que derrubaram paredes, retiram amigos, desconhecidos, que entre fumaça e fogo se fizeram bravos. Eis os nossos heróis.
Hoje e por muitos outros dias a alma triste espera por calma, enquanto o coração do Rio Grande bate fraco, lento, dolorido pela ausência do barulho dos seus filhos, lamentamos sem saber o que somos. Somos tristes, revoltados, atordoados, inertes, chocados.
Somos aqueles, sem saber da partida, deixamos de dar o ultimo beijo; somos também sobreviventes para um novo e longo abraço, o do reencontro.
Somos os lugares que passamos, as pessoas com quem convivemos, nossas lembranças, saudades e esperanças. O dia 28 de janeiro traz um céu limpo, radiante pelo brilho do sol forte, porém nublado e escuro pelo luto dos que choram.
Quando se perde a esposa somos viúvos, quando perdemos os pais somos órfãos, quando se perde os filhos… Hoje, queria saber apenas o que dizer aos pais.
Vitor Hugo do Amaral Ferreira

Mãe , eu estou bem


 

Reli todas as manifestações que ficam impressas no perfil de meus amigos do facebook. São manifestações de revolta, de dor, de solidariedade, algumas só demonstram a imensa tristeza. Em alguns, um silêncio apenas, mais preocupante ainda... Uma frase aparece constantemente:  Santa Maria nunca mais será a mesma. Vários  relatam como tiveram as primeiras notícias. Eu soube por um telefone de meu filho. Acordei com sua manifestação me dizendo exatamente isso: “ Mãe, eu estou bem”. Nem sequer eu sabia da tragédia e ele me ligou para dizer que nada havia acontecido com ele. Pensei então quantos pais gostariam de ter recebido este telefonema: uma verdadeira dádiva de Deus.

Entre as recentes manifestações, li a nota de minha reitora, onde noticia que, da nossa instituição, morreram dezesseis universitários matriculados e quinze recém-formados. Fiquei imaginando como será a formatura dessas turmas que promoveram o evento. Na verdade, haverá formatura?

O cartunista Marco Aurélio na Zero Hora dessa terça-feira desenhou o que chamou “Uma nova vida”. Aparece uma fila de universitários entrando na USP (Universidade de São Pedro). Ali estão sendo organizados por cursos. Alunos da Medicina, aulas com Zerbini; alunos da Arquitetura, aulas com Niemeyer; alunos de Pedagogia, com Gilberto Freire... Porém o que me chamou a atenção foi um integrante da fila, que avisa: “Mãe, eu estou bem”.

Acho que este deve ser nosso consolo, nosso “galho de salvação”. Eles partiram para outra vida, formam “transferidos de universidade”. Mães e pais: eles estão bem. Para isso temos que ter fé. Apenas fé...

Estranhamente, não sai da minha cabeça uma estrofe de uma de nossas músicas gaúchas. Apesar de ser uma música alegre, ela demonstra exatamente o que estou sentindo: “tá frio na minha cidade, a bem da verdade está frio demais...”

 
 

O que “dizer” ou “não dizer” para os pais que perderam filhos


 

São poucas as situações que causam tanto desconforto quanto a morte. Ainda que se saiba que ela é inevitável e faz parte do curso natural da vida, ao acontecer na sua casa ou no seu grupo de amigos, não há quem fique indiferente.


Quando a morte inverte o curso da vida, e um filho morre antes dos seus pais, é muito comum que as pessoas não saibam o que dizer, como lidar com a situação e muitas vezes confundem-se entre seus próprios sentimentos e temores, sem saber como agir para ajudar as pessoas que sofrem.


No acompanhamento ao Grupo de Apoio para pais que perderam filhos da Fundação Thiago Gonzaga, escutamos muitos relatos de pais e mães sobre o que os ajuda na hora em que seus filhos se vão. São inúmeras as questões que surgem diante desta situação.

01 - O que dizer para os pais que perderam seu filho?

02 - Quando falar?

03 - Quem deve falar?

04 - O que fazer com o quarto e com os pertences do filho?

05 - É possível consolar? De que forma?

06 - Dá para falar do filho?

07 - Se não falar no nome dele é mais fácil esquecer?

08 - Quanto tempo leva para que as coisas voltem ao “normal”?

09 - O que fazer nas datas comemorativas?

10 - Como ajudar, então?

11 - Onde procurar ajuda?

12 - O que não falar?

É claro que as respostas não são unânimes e nem adequadas para todos os casos. Porém o trabalho com estes pais nos indica o que é possível se fazer diante da dor da perda onde, muitas vezes, o silêncio ajuda mais que muitas palavras.

Os primeiros momentos da perda, para muitos pais são sentidos como se estivessem num sonho ruim e daqui a pouco irão acordar. As pessoas que os conhecem, principalmente, os familiares, que também estão sentindo muito, buscam alternativas de consolo, que possam dar conta dos mais variados sentimentos. E é natural que se tente fazer algo, então se oferece medicamentos, livros espíritas, orações e muitas, muitas frases de consolo: “Deus quis assim”, “era a hora dele”, “a vida continua”, “ele era um jovem especial” “ele era iluminado”, e outras nem tanto, “cada um recebe a carga que pode carregar”, “eu sei o que tu estas passando perdi minha avó”, “eu no teu lugar também morreria”, etc.

Frases como estas num primeiro momento causam estranheza, pois não se consegue pensar ainda na situação como algo real, e depois causam sensações de indignação.


Primeiro por que qualquer mãe ou pai trocaria um filho iluminado, por um filho vivo. Quando a frase invoca Deus, até os que têm mais fé se perguntam “cadê Deus que não cuidou do meu filho”, “que Deus é esse que permite que os filhos se vão antes dos pais”. Que a vida continua todos sabem, e na mais dolorosa das dores, pensar nisso aumenta ainda mais o vazio de continuar sem a presença da pessoa amada. Comparar a perda de um filho, com qualquer outra é injusta, pois como foi falado no inicio do texto, é contra a ordem natural. Os filhos são a continuidade dos pais, que agora se encontram impossibilitados de se projetarem neles, e sem a chance de recuperá-los. Em hipótese alguma queremos dizer que qualquer outra perda seja fácil ou não tenha valor. Apenas que dor não deve ser comparada, nem medida.

 
01 - O que dizer para os pais que perderam um filho?

 

Força. Conta comigo. Estou a tua disposição. Tu não esta sozinho. Em que posso ajudar. Dar um abraço carinhoso e silencioso.

 

02 - Quando falar?

 

Sempre que houver oportunidade.

 

 

03 - Quem deve falar?

 

Todas as pessoas que estiverem solidárias naquele momento, mas principalmente os amigos e familiares

 

 

04 - O que fazer com o quarto e com os pertences do filho?

 

Num primeiro momento nada. Deixar a família decidir no tempo em que eles acharem adequado. Muitas vezes os amigos querem ficar com alguma lembrança, e na maioria delas os pais não se importam em dar. Desde que se tenha intimidade suficiente com os amigos para isso. Outras vezes são os irmãos que pegam as roupas para usar isto é notado, por muitos pais, como uma homenagem, uma forma de demonstrar carinho e permite que se fale sobre a pessoa que se foi de forma natural e real.

 

05 - É possível consolar? De que forma?

 

Uma família que perde um jovem é muito assediada, num primeiro momento, são os amigos, familiares, vizinhos, colegas, etc. A medida em que o tempo vai passando e as pessoas vão retomando sua rotina, “pois a vida continua” para todos, é que para os pais e familiares mais diretos, a realidade começa a se impor. As pessoas já não querem mais falar sobre o que aconteceu, como se não falando ajudasse a esquecer ou a não doer.

 

Ao contrário de outras perdas, o tempo, no caso dos pais, no começo não é um bom aliado, e quanto mais os dias vão passando, mais aguda fica a dor da realidade. O tempo cronológico de perda não é o mesmo da assimilação. Dói ver a rotina sem o filho. A vida não é mais a mesma, ela não continua, ela recomeçou sem aquela pessoa, e com uma história interrompida. Nada é igual a família modifica, falta um prato na mesa, tem alguém que não entra mais pela porta dizendo “família cheguei”, ou “mãe, pai sou eu”, ou ainda “o que tem para comer”. Não se escuta mais o mesmo barulho na casa, a chave abrindo a porta de madrugada, nem o mesmo entra sai de amigos, não há mais musica alta, nem folia, computador e telefone ocupados o tempo todo, festa todo o final de semana ou porta de quarto fechada cheirando a segredo.

É esta a realidade que machuca. É essa realidade que só se instala na casa e na vida de quem perdeu. Para os pais dói ir ao supermercado e não comprar aquilo que estavam acostumados a fazer automaticamente, as coisas preferidas do filho. Dói colocar na mesa a comida que ele amava comer, fazer o caminho do colégio, chegar à hora do almoço. Anoitecer. Sim são estes os detalhes mais delicados de se lidar, e que passam despercebidos por quem não compartilha a rotina. Consolar talvez não seja o mais adequado, sugiro agüentar a dor do amigo, deixá-lo falar, respeitar seu silêncio, seu tempo. Não há consolo para esta situação. È necessário disponibilidade para estar perto sem ser invasivo, sem exigir uma reação imediata.

6 - Dá para falar do filho?

 

Sempre que as pessoas da família se mostrarem dispostas a isso. Pois nem todos têm facilidade para tocar no assunto a qualquer momento. Outros gostam de falar no filho como se ele estivesse presente, e está, no seu coração. Outros não gostam ou naquele momento não querem falar. É preciso sensibilidade e sutileza diante desta situação.

 

7- Se não falar no nome dele é mais fácil esquecer?

 

Os pais não esquecem. Talvez seja complicado para as pessoas que estão de fora tocar no assunto. Por isso deve se respeitar o momento de cada um. E até mesmo perguntar se quer falar no assunto ou não, o que não pode é fazer que nada aconteceu, como se a pessoa não tivesse existido ou que esta tudo bem.

 

 08 - Quanto tempo leva para que as coisas voltem ao “normal”?

 

A normalidade almejada ou esperada e que se tinha antes, não existe mais. Um pai esquecer seu filho, é improvável. O que acontece é um aprender lento a viver sem a presença do filho. É um aprender a lidar com a saudade, com os dias sem ele, com a datas comemorativas, num tempo que é singular. É necessário que se respeite a nova configuração familiar, o tempo de cada um, e as modificações que vão ocorrendo nas pessoas.

 

 

09 - O que fazer nas datas comemorativas?

 

Os pais que perdem um filho perdem também a motivação e a empolgação para comemorar qualquer data. O seu conceito sobre comemorações, felicitações, bem como o seu ânimo para festas fica alterado. O conceito de felicidade modifica. Passa-se a reconhecer os momentos felizes, e estes são muito diferentes do que já foi um dia. Não é mais a mesma coisa comemorar um ano novo, dia das mães, dos pais, aniversário, natal, etc. É claro que se comemora, que se sente alegria, mas falta um pedaço, nada mais é completo e por mais que se tente, falta uma pessoa importante, amada e que não é esquecida.

 

O convite dos amigos e familiares é sempre bem vindo, desde que não seja uma imposição, que não se exija felicidade plena, alegria transbordante ou o mesmo comportamento de antes. Desde que não se negue que o amigo convidado perdeu um filho e se possa lidar com isso de forma natural.

 

 10 - Como ajudar, então?

 

Colocando-se a disposição. Dando o tempo necessário para que as pessoas retomem suas vidas. Ligando às vezes para saber como estão, se precisam de alguma coisa, se querem conversar, receber visita ou visitar. Respeitando seus altos e baixos. Não exigindo que reajam como se o que aconteceu fosse um evento banal “já passaram três meses, a vida continua, tem que reagir”. A memória é atemporal. Quando a lembrança volta, não importa o tempo que passou, parece que foi hoje. Falando quando se permitir falar e ouvindo sempre que for necessário. Não passando a mão pela cabeça como se o sofrimento fosse a única coisa que lhes resta. Mas apontando saídas, não duvidando da dor, mas dizendo que é sim possível se reconstruir a vida, diferente daquela que existiu, mas nem por isso pior. Exercendo a capacidade de acolhimento e não de pena. Tratando as pessoas não como doentes, elas não estão doentes, estão aprendendo a viver sem o filho. Colocando-se no lugar dessas pessoas, por mais difícil e assustador que possa parecer, e se perguntado o que me ajudaria nesta situação?!

 

Cada pessoa reage diante de uma situação traumatizante, de acordo com a sua estrutura psíquica. Contar com uma rede de apoio saudável é muito importante. Ter espaço para expor seus sentimentos é fundamental para que se estabeleçam as mudanças que são inerentes à perda. Mudança de valores, de hábitos, de conceitos, de interesses, etc.

 

 

 

11 - Onde procurar ajuda?

 

Muitos pais são levados a psiquiatras, padres, centro espíritas, psicólogos, etc. No intuito de que algo seja feito de imediato. É claro que alguns cuidados são necessários e imediatos, cuidados com a alimentação, com o sono, com a tristeza que pode evoluir para depressão. Porém é necessário que se respeite o jeito de cada um de lidar com a situação, pois nem todas gostam de utilizar medicamentos e estes devem ser usados com orientação médica e com cautela. Luto não é doença e a dor que ele traz não cura com analgésico. À vontade de morrer é diferente do risco de se matar, e um profissional capacitado deverá saber diferenciar estes sentimentos. A procura por um padre ou centro espírita, pode ser sugerida, jamais imposta. Deve se respeitar à fé de cada um e até mesmo a falta dela.

 

Os psicólogos e médicos que irão trabalhar com pais, devem saber que estão diante de um tipo de luto muito particular, e que pode não responder da mesma forma que os outros tipos, em hipótese alguma, dizemos que será pior, porém com outras características e tempo de reação.

 

12 - O que não falar?

 

Não importa a forma como o filho partiu, se foi em acidente, em um assalto, por doença, etc. Falar sobre o assunto é muito delicado. Relatar fatos e detalhes só para satisfazer a curiosidade de quem pergunta é muito dolorido. Os questionamentos sobre os detalhes do que aconteceu, talvez sejam os mais inconvenientes e os que mais machucam os pais, principalmente quando parte de pessoas com as quais não se tem intimidade, nem amizade e muitas vezes nem contato. Essa situação só pode ser pior, nos momentos em que estas mesmas pessoas vem querer contar algum detalhe desconhecido, ou algum fato chocante relacionado ao ocorrido. Duvida-se até das intenções dessas pessoas. Será que estão mesmo a fim de ajudar? Será que querem apenas saber qual a reação, o grau de comoção, ou será que lhes faz bem a tristeza do outro?

 

Então, antes de perguntar aos pais algum detalhe sobre o acontecido, sugerimos que se pense para que vai lhe servir esta informação, se for simplesmente para satisfazer a sua curiosidade, talvez seja melhor conter-se e não perguntar; se for para ajudar a esclarecer alguma duvida ou para contribuir com alguma colocação coerente para clarear algum fato, que se faça com sutileza e respeito.

 fonte-http://www.vidaurgente.com.br/grupoapoio_oquedizer.asp?area=3

   

    

sábado, 19 de janeiro de 2013

STF decidirá sobre paternidade socioafetiva e biológica

17 janeiro 2013
Conflito de jurisprudência

 

O Supremo Tribunal Federal, em votação no Plenário Virtual, reconheceu Repercussão Geral em tema que discute a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica. A questão chegou à corte por meio de processo em que foi pedida a anulação de registro de nascimento feito pelos avós paternos, como se eles fossem os pais, e o reconhecimento da paternidade do pai biológico.
Em primeira instância, a ação em questão foi julgada procedente, entendimento mantido pela segunda instância e pelo Superior Tribunal de Justiça. No recurso interposto ao Supremo, os demais herdeiros do pai biológico alegam que a decisão do STJ, ao preferir a biológica em detrimento da socioafetiva, afronta o artigo 226, da Constituição Federal, segundo o qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
O relator do recurso, ministro Luiz Fux, levou a matéria ao exame do Plenário Virtual por entender que o tema — a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica — é relevante sob os pontos de vista econômico, jurídico e social. Por maioria, os ministros seguiram o relator e reconheceram a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Três correntes
A discussão entre paternidade biológica e socioafetiva não está pacificada nos tribunais e divide os especialistas. Os defensoes da corrente biológica amparam-se principalmente no parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição, que diz: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Segundo adeptos da corrente, o dispositivo garante aos filhos, reconhecidos e não reconhecidos, direito, inclusive, à herança.
No final de 2012, o STJ decidiu que uma mulher já adulta pode fazer investigação para ter seus pais biológicos reconhecidos juridicamente, com todas as consequências legais, anulando o registro de nascimento em que constavam pais adotivos como legítimos — a chamada adoção à brasileira.
Já a outra corrente baseia-se especialmente em jurisprudência firmada em diversas cortes pelo país que determina a prevalência do vínculo socioafetivo, justamente para evitar demandas de cunho meramente patrimonial.
Há ainda uma terceira via, mais rara, a da dupla filiação, em que se reconhece tanto a paternidade socioafetiva quanto a biológica. Em março do ano passado, a Justiça de Rondônia determinou o registro de dois homens como pais de uma criança, que deles recebe, concomitantemente, assistência emocional e alimentar.
Fortunas em jogo
Um dos casos mais emblemáticos da controvérsia é o que envolve a herança do fundador da joalheria H. Stern. No ano passado, dois irmãos cariocas decidiram entrar na Justiça após terem comprovado, por exame de DNA, serem filhos do criador da marca. Eles foram criados por outro homem e descobriram seu verdadeiro pai depois de adultos.
Quando o caso veio à tona, os advogados da H. Stern afirmaram que “apesar de o filho ter o direito de conhecer a sua verdade biológica, o mero exame de sangue não pode prevalecer sobre o vínculo afetivo, em desrespeito aos cuidados e amor recebidos de seu pai registral”. No processo, a defesa apresentou exemplos de decisões favoráveis à tese, como a da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que afirma: “a comprovação da filiação sócio-afetiva entre o investigante e seu pai registral afasta a possibilidade de alteração do assento de nascimento do apelante, bem como qualquer pretensão de cunho patrimonial”.
Já o advogado Flavio Zveiter, defensor dos dois irmãos, contestou a jurisprudência apresentada, uma vez que seus clientes não sabiam quem era seu verdadeiro pai. Ele disse que nos casos em que a paternidade biológica fora rejeitada, os demandantes tinham ciência de quem eram seus pais verdadeiros e pediram direito à herança anos depois de terem ciência da paternidade biológica.
Nos aspectos empresarial e familiar, a decisão do Supremo terá impacto direto em questões de sucessão, já que a legislação determina que 50% da herança deve ser dividia entre os herdeiros legítimos, enquanto os outros 50% são de uso livre pelo autor do testamento. O ponto central será justamente definir se a categoria “herdeiros legítimos” aplica-se aos filhos de pais biológicos ou apenas aos socioafetivos, ou a ambos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ARE 692.186
Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2013

O exame da OAB e os professores de Direito



Como professora de Direito desde 1994, a preocupação com o desempenho dos alunos na prova da OAB tem sido uma constante, O último resultado da prova com índices de reprovação de mais de 80% é assustador, mas a questão não pode ser simplificada na atribuição da culpa aos cursos de Direito. O pró-reitor acadêmico da UNISINOS, Pedro Gilberto Gomes, no texto “O que a OAB deseja?” publicado na ZH do dia 19 de janeiro de 2013, expõe várias reflexões, das quais comungo inteiramente. São elas:

- é necessário dar um basta na expansão desenfreada dos cursos de Direito, mas não se pode atribuir de forma tão simplista o baixo desempenho dos alunos à esse fato;

- todo o professor sabe que quando o desempenho da turma não atinge 20% de aprovação na sua disciplina, o problema não pode ser creditado apenas a ele;

-há anos o exame vem apresentando resultados catastróficos e ”a OAB alvora-se em grande guardiã da qualidade e da excelência do ensino jurídico”. Assim, apresenta como diagnósticos: o péssimo ensino ministrado e a proliferação dos cursos de Direito, além da inoperância do MEC. Porém, como bem destaca o professor: “não se observa um real esforço da entidade em buscar uma solução para o problema”;

- a indagação feita, e da qual comungo, é  a seguinte: Onde está o equívoco? Para que é realizado o exame? O que a OAB deseja? Medir o conhecimento teórico do candidato ou eliminar o maior número de candidatos para não inflacionar o mercado?

- a proposta do professor é de que a comissão de avaliação e os pró-reitores de graduação se encontrem para resolver o impasse, num grande debate nacional.

As universidades e, em especial, os Cursos de Direito devem assumir seu papel e responsabilidade efetiva nesse processo. Nós, professores de Direito acabamos sofrendo os efeitos nefastos de tais resultados. O desempenho dos alunos no exame da OAB não interessa apenas ao candidato que a ele se submete, mas interessa a nós, professores, e às Universidades, pois o resultado desse “processo avaliativo” está sendo atribuído diretamente ao nosso desempenho pedagógico. No entanto, não participamos nem temos conhecimento de como esse instrumento de avaliação é elaborado, quais os critérios utilizados na escolha e forma das questões, e até mesmo, qual o verdadeiro objetivo dessa seleção.

  

 

 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Vocação Hereditária

 



Vocação Hereditária

Rodolfo Pamplona Filho
Quem será
que receberá
o legado da minha vida?
A quem será
finalmente destinada
a herança da minha sina?
Será que o que fiz,
tenho visto, lutado
e conquistei
terá alguma valia
ou algum significado
para quem não sei?
Imaginar haver sentido
em uma vocação necessária
é dar um prestígio indevido
a uma mera linha hereditária.
Acreditar na Legitima
é não perceber que
se é inocente vítima
de uma fazer sem querer...
O melhor, sem dúvida,
é que tudo o que sou
fique apenas na memória
e no coração
de quem me amou
e tudo mais que conquistei,
se eu mesmo não destinei,
que seja distribuído a quem
não teve a sorte que eu dei...

Um dia além da vida com meu pai



Se recebe a dádiva de te encontrar mais uma vez, se pudesse desfrutar de tua companhia por mais um dia inteiro, faria tantas coisas das  quais tenho saudades e outras que não pude fazer. Nos preparativos para nosso encontro levaria um presente: uma bota,  uma camisa xadrez, ou um boné a teu gosto. Teria que levar uma roupa usada também, um confortável e surrado casaco ou uma camisa polo de um dos meus filhos ou de meu marido, e te mentiria que eles  não a queriam mais. Claro que teria que levar algum doce caseiro: chimia de frambroesa ou de uva. Levaria melado, comprado na feira, e frutas frescas: butiá, pera e araçá. Telefonaria te avisando sobre a minha visita, e juro, desta vez tu terias que cumprir a famosa ameaça de soltar foguetes quando eu chegasse.

                Quando dobrasse a esquina  eu te avistaria:  com uma vassoura varrendo a calçada ou na sacada, rosto voltado para o lado em que o carro apontaria. Receberia e te daria um grande abraço. O maior e o mais carinhoso de todos. Talvez te desse um beijo no rosto (foram tão poucos) e pegaria na tua mão grande  e rude, essas sim eu beijaria, como se fosse de um ídolo, para expressar tudo aquilo que não pude te dizer.

                 Então entraríamos em casa e te apresentaria teus bisnetos. Sei que ficarias feliz especialmente  com a escolha do nome da Virginia, com a esperteza  e simpatia do Renan e com a beleza robusta do Gonçalo. Contaria as minhas novidades e ouviria as tuas. Iria ao teu apartamento e faria a tradicional faxina, juro que não reclamaria de nada e deixaria tudo a teu gosto, sem colocar nada fora. Depois faríamos uma grande “programação” juntos.

                   Visitaríamos a chácara, eu dirigindo (o que nunca fiz na tua companhia), enquanto ouviria teus  palpites  sobre minha “pilotagem” e as histórias do teu tempo de motorista. Na chácara não brigaria contigo por subir nas árvores, não te apressaria, e ajudaria a colher quantas frutas quisesses. Claro que na volta passaríamos no cemitério, “visitar a mãe”. Talvez esse passeio fosse feito a pé, então cortaríamos caminho pela “Vergueiro”, atalhando por terrenos baldios e tu aproveitarias para colher ervas e folhagens com as quais me presentearia.

                   Ao meio dia eu cozinharia para ti: polenta, mandioca, feijão. Talvez uma passarinhada ou uma carne com “uma graxinha”.  Antes do almoço teus netos te preparariam uma caipirinha bem doce.   Então a sobremesa seria uma torta de sorvete, que as “gurias” comprariam, só para te ver saboreá-la como uma criança feliz. Então, no meio da tarde, eu fingiria que não estava bem do “estômago”, só para que tu tivesses que procurar uma “carqueja” para um chá.

                      Esperaria tu perguntares novamente qual “a programação” e sairíamos passear. Desta vez levando a Luciana. Nosso passeio seria no “São João”, talvez até no “Campo do Meio” ou no “Mato Castelhano”. Na volta, passaríamos na tia Lourdes, na tia Alzira, na tia Maria e no tio Mário. Quando chegássemos, conversaríamos um pouco com o tio Antônio, na frente de casa.

                     Ao entardecer ouviríamos músicas de todos os estilos. Dançaríamos valsa com “Saudades de Matão”, cantaríamos com Luiz Gonzaga e Gonzaguinha a tua música preferida, “Vida de Viajante”. Pularíamos carnaval com “A Jardineira” e “ As águas vão rolar”. Lembraríamos tantas coisas, falaríamos de política, dos parentes, ouviria tuas queixas e te prometeria pensar com mais seriedade a possibilidade de voltar para Passo Fundo.  

                       Então, quando a hora de voltares se aproximasse, eu me ajoelharia a teus pés e te pediria perdão pelas decepções que te causei. E te diria o quanto te amei e quanto te amo. Falaria como fostes bom pai e avô. Como marcou nossas vidas e sobre a saudade que temos de ti. E no momento da  tua partida final, eu e minhas irmãs nos reuniríamos a tua volta e assistiríamos novamente teu último olhar e teu último suspiro. Então, contigo, morreríamos um pouco também.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Alteração de nome

O STJ e as possibilidades de mudança no registro civil
fonte- site do STJ
O nome é mais que um acessório ou simples denominação. Ele é de extrema relevância na vida social, por ser parte intrínseca da personalidade. Tanto que o novo Código Civil trata do assunto em seu Capítulo II, esclarecendo que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Ao proteger o nome, o Código de 2002 nada mais fez do que concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa tutela é importante para impedir que haja abuso, o que pode acarretar prejuízos e, ainda, para evitar que sejam colocados nomes que exponham ao ridículo seu portador.

Porém, mesmo com essa preocupação, muitos não se sentem confortáveis com o próprio nome ou sobrenome: ou porque lhes causam constrangimento, ou porque querem apenas que seu direito de usar o nome de seus ascendentes seja reconhecido. E, nestes casos, as pessoas recorrem à justiça.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência sobre o tema, com julgados que inovam nessa área do Direito de Família. Recentemente, no dia 9 de setembro, a Quarta Turma decidiu que é possível acrescentar o sobrenome do cônjuge ao nome civil durante o período de convivência do casal. De acordo com o colegiado, a opção dada pela legislação, de incluir o sobrenome do cônjuge, não pode ser limitada à data do casamento, podendo perdurar durante o vínculo conjugal (REsp 910.094).

Em outro julgado, no qual o prenome causava constrangimento a uma mulher, a Terceira Turma autorizou a sua mudança. A mulher alegou que sofria grande humilhação com o prenome “Maria Raimunda” e, assim, pediu a sua mudança para “Maria Isabela” (REsp 538.187).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, acolheu as razões de que não se tratava de mero capricho, mas de “necessidade psicológica profunda”, e, ademais, ela já era conhecida em seu meio social como Maria Isabela, nome que escolhera para se apresentar, a fim de evitar os constrangimentos que sofria.

Retificação/alteração

No direito brasileiro, a regra predominante é a da imutabilidade do nome civil. Entretanto, ela permite mudança em determinados casos: vontade do titular no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil; decisão judicial que reconheça motivo justificável para a alteração; substituição do prenome por apelido notório; substituição do prenome de testemunha de crime; adição ao nome do sobrenome do cônjuge e adoção.

A Terceira Turma do STJ, em decisão inédita, definiu que uma pessoa pode mudar o seu nome, desde que respeite a sua estirpe familiar, mantendo os sobrenomes da mãe e do pai. Os ministros do colegiado entenderam que, mesmo que vigore o princípio geral da imutabilidade do registro civil, a jurisprudência tem apresentado interpretação mais ampla, permitindo, em casos excepcionais, o abrandamento da regra (REsp 1.256.074).

No caso, a decisão permitiu que uma menor, representada pelo pai, alterasse o registro de nascimento. Ela queria retirar de seu nome a partícula “de” e acrescentar mais um sobrenome da mãe (patronímico materno). Para o relator da questão, ministro Massami Uyeda, afirmou que há liberdade na formação dos nomes, porém a alteração deve preservar os apelidos de família, situação que ocorre no caso.

Homenagem aos pais de criação também já foi motivo de pedido de retificação dos assentos constantes do registro civil de nascimento de uma mulher. Em seu recurso, ela alegou que, não obstante ser filha biológica de um casal, viveu desde os primeiros dias de vida em companhia de outro casal, que considera como seus pais verdadeiros. Assim, desejando prestar-lhes homenagem, pediu o acréscimo de sobrenomes após a maioridade. A Terceira Turma autorizou a alteração, ao entendimento de que a simples incorporação, na forma pretendida pela mulher, não alterava o nome de família (REsp 605.708).

O mesmo colegiado entendeu, em outro julgamento, que não é possível alterar ou retificar registro civil em decorrência de adoção da religião judaica. No caso, a esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa natural alegando que, ao casar, optou por acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Este, por sua vez, converteu-se ao judaísmo após o casamento, religião que é praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp 1.189.158).

O casal sustentou que o sobrenome do marido não identificava a família perante a comunidade judaica, razão pela qual pediram a supressão do sobrenome do esposo e sua substituição pelo da mulher. Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais compreensíveis que sejam os fundamentos de ordem religiosa, é preciso considerar que o fato de a família adotar a religião judaica não necessariamente significa que os filhos menores seguirão tais preceitos durante toda a vida.

A Corte Especial do STJ também já enfrentou a questão. No caso, um cidadão brasileiro, naturalizado americano, pediu a homologação de sentença estrangeira que mudou seu sobrenome de Moreira de Souza para Moreira Braflat. Ele alegou que, nos Estados Unidos, as pessoas são identificadas pelo sobrenome e que, por ser o sobrenome Souza muito comum, equívocos em relação à identificação de sua pessoa eram quase diários, causando-lhe os mais diversos inconvenientes (SEC 3.999).

Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, é inviável a alteração de sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na legislação brasileira. “O artigo 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a exclusão do sobrenome”, afirmou o ministro.

Vínculo socioafetivo

Se a intenção é atender ao melhor interesse da criança, a filiação socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico. O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do STJ, que decidiu que o registro civil de uma menina deveria permanecer com o nome do pai afetivo (REsp 1.259.460).

No caso, o embate entre pai biológico e pai de criação já durava sete anos. A criança, nascida da relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e declaração de paternidade, foi registrada pelo marido da genitora, que acreditava ser o pai biológico. Nem o exame de DNA, que apontou resultado diverso, o fez desistir da paternidade.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Segundo ela, o Código Civil atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação. Entretanto, a ministra ressaltou que, no futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser.

A Quarta Turma do STJ, também levando em consideração a questão socioafetiva, não permitiu a anulação de registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica. O relator, ministro João Otávio de Noronha, ressaltou que reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, admite como seu filho de sua companheira, é totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento (REsp 709.608).

No caso, diante do falecimento do pai registral e da habilitação do filho da companheira na qualidade de herdeiro em processo de inventário, a inventariante e a filha legítima do falecido ingressaram com ação negativa de paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica.

“É possível afirmar que a mera paternidade biológica não tem a capacidade de se impor, quando ausentes os elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe. Mais do que isso, como também nas relações familiares o meta-princípio da boa-fé objetiva deve ser observado, a coerência comportamental é padrão para aferir a correção de atos comissivos e omissivos praticados dentro do contexto familiar”, afirmou o ministro.

Em outro julgamento, a Terceira Turma negou o pedido de anulação de registro civil, formulado sob a alegação de que o reconhecimento da paternidade deu-se por erro essencial. No caso, o pai propôs a ação com o objetivo de desconstituir o vínculo de paternidade com filho, uma vez que o seu reconhecimento se deu diante da pressão psicológica exercida pela mãe do então menor. Após o exame de DNA, ficou comprovado não ser ele o pai biológico (REsp 1.078.285).

Na contestação, o filho sustentou que o vínculo afetivo, baseado no suporte emocional, financeiro e educacional a ele conferido, estabelecido em data há muito anterior ao próprio registro, deve prevalecer sobre o vínculo biológico. Refutou, também, a alegação de erro essencial, na medida em que levou aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação, não havendo falar em pressão psicológica exercida por sua mãe.

Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo biológico entre o pai registral e o filho registrado, por si só, não tem o condão de taxar de nulidade a filiação constante no registro civil, principalmente se existente, entre aqueles, liame de afetividade.

Mudança de sexo
O transexual que tenha se submetido à cirurgia de mudança de sexo pode trocar nome e gênero em registro sem que conste anotação no documento. A decisão, inédita, foi da Terceira Turma, em outubro de 2009. O colegiado determinou, ainda, que o registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente conste apenas nos livros cartorários, sem constar essa informação na certidão (REsp 1.008.398).

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em 2007, o colegiado analisou caso semelhante e concordou com a mudança desde que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil (REsp 678.933).

A ministra destacou que, atualmente, a ciência não considera apenas o fato biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e familiares. Por isso, “a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo aparente”, ponderou. Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar juridicamente a realidade dessas pessoas.

Não é raro encontrar outras decisões iguais, posteriores a do STJ, na justiça paulista, por exemplo. Em maio de 2010, a 2ª Vara da Comarca de Dracena (SP) também foi favorável à alteração de nome e gênero em registro para transexuais. Para o juiz do caso, estava inserido no conceito de personalidade o status sexual do indivíduo, que não se resume a suas características biológicas, mas também a desejos, vontades e representações psíquicas. Ele também determinou que a alteração não constasse no registro.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Teoria da perda de uma chance em Direito de Familia- entrevista com presidente do IBDFAM

 

Teoria da perda de uma chance em casos de abandono afetivo

No último sábado (15) , a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda de uma chance em um caso de erro médico. O colegiado concluiu, seguindo o voto da ministra relatora Nancy Andrighi, que as chances perdidas, por força da atuação do médico, têm conteúdo econômico equivalente a R$96 mil, a título de indenização. A ministra Nancy Andrighi afirmou, em seu voto, que o STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda da chance, na qual o agente tira da vítima uma oportunidade de ganho.
De acordo com o REsp. nº 1.190.180/RS do Superior Tribunal de Justiça, a teoria da perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética- é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.
Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, na Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, nº 25 Dez/Jan de 2012, questiona a não utilização da teoria em caso de abandono afetivo, “Ora, se uma das fundamentações jurídicas para condenar o abandono material foi o uso da teoria da perda de uma chance, porque não pelas mesmas razões não se aplicou para condenar por abandono afetivo, utilizando a máxima do cuidado ao próximo?”- ressalta. Para comentar a possibilidade da aplicação da teoria da perda de uma chance nos casos de abandono afetivo, convidamos o presidente da Comissão de Promotores de Família do IBDFAM, Cristiano Chaves de Farias.
NA SUA OPINIÃO, É POSSÍVEL APLICAR A TEORIA DE PERDA DE UMA CHANCE NOS CASOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO?
Sim. Observe-se que o fundamento da teoria da perda de uma chance é, exatamente, a subtração de uma oportunidade futura ou da possibilidade de eliminar uma desvantagem. Não há uma premente necessidade de que esta vantagem que seria obtida tenha essência patrimonial, econômica. Sendo assim, vislumbra-se com tranquilidade a possibilidade de aplicação da teoria para justificar a subtração de um pai, por exemplo, a oportunidade de convivência (profícua) com o seu filho, em casos nos quais a mulher esconde a paternidade do genitor.
EM QUAIS PRINCÍPIOS ESTÁ FUNDAMENTADA A TEORIA DA “PERDA DE UMA CHANCE”?
A teoria tem assento no princípio da solidariedade social (artigo 3o da Constituição Federal), bem como no princípio da reparação integral dos danos. Se todo dano merece reparação pelo sistema jurídico, a perda de uma chance não pode escapar a essa possibilidade.
COMO O SENHOR AVALIA A POSTURA DO JUDICIÁRIO, QUE TEM NEGADO PROVIMENTO À MAIORIA DAS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO?
Até mesmo pela novidade que representa a teoria, é natural uma certa postura conservadora. Afinal, como diz a música, “a mente apavora o que não é mesmo velho...” Contudo, vale a lembrança que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem diversos precedentes reconhecendo a incidência da teoria em casos diversos, dando contornos de efetividade.
ESSA TEORIA AJUDA A FORMAR PRECEDENTES PARA EMBASAR OS TRIBUNAIS REGIONAIS NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO A AÇÕES DE INDENIZAÇÕES POR ABANDONO AFETIVO?
Não necessariamente. A questão da perda de uma chance estabelece um senso de responsabilidade na relação entre homem e mulher, sob o prisma do direito de ambos à filiação. Mas não vislumbro uma correlação direta com a responsabilidade civil por abandono afetivo, que está baseada em outras premissas teóricas, distintas das que sustentam a perda de uma chance.

do site do IBDFAM

A AULA MÁGICA DE LUIS ALBERTO WARAT:

A Aula Mágica de LAW (II) - Leonel Severo Rocha


A AULA MÁGICA DE LUIS ALBERTO WARAT:
Genealogia de uma Pedagogia da Sedução para o Ensino do Direito (II)

Leonel Severo Rocha
Dr. EHESS-Paris. Pesquisador do CNPq. Coordenador e Prof. Titular do PPGDireito da Unisinos.

2da. PARTE


5. WARAT NO BRASIL: a partir de Santa Maria
Warat, Doutor, vai ao Rio de Janeiro, convidado por Joaquim Falcão, para ministrar um curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Por motivos pessoais e políticos decide fixar residência no Brasil. Depois de alguns trabalhos, terminou indo para UFSM em 1977 (provavelmente pela proximidade com a Argentina). Em Santa Maria, em 1979, organizou, no sul do Brasil, um encontro onde já figuravam grandes nomes como, o próprio Joaquim Falcão, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Aurélio Wander Bastos, e outros; culminando com a fundação da Almed-Brasil. Posteriormente, ocorreu um encontro na cidade de Santo Ângelo, com a criação do núcleo missioneiro.

6. EM FLORIANÓPOLIS
No final dos anos setenta estavam sendo criados os primeiros Programas de Mestrado em Direito conforme as exigências da Capes, e um dos pioneiros foi o da Universidade Federal de Santa Catarina. Contudo, na época enfrentava-se um grande problema para constituir o corpo docente desses programas. Tratava-se do pouco número de doutores no mercado. Assim, quando se ficou sabendo que Luis Alberto Warat, residia em Santa Maria, o coordenador do Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Paulo Blasi, foi buscá-lo; e ele terminou assumindo como professor de Filosofia do Direito. Graças a Warat, o curso foi facilmente credenciado pela Capes.
Entretanto, no PPGD-UFSC, o trabalho de Warat passou a ter uma ressonância muito maior. Assim como eu, outros alunos que estiveram com Warat em Santa Maria[1], o seguiram também para Santa Catarina. Vieram alunos de todo Brasil, e, inclusive da Argentina. Em razão disso é fácil perceber que a partir do período em Florianópolis as ideias waratianas passaram a se difundir por todo o país.

7. REENCONTRO COM KELSEN: concurso para professor em Florianópolis
Warat decidiu fazer o concurso para professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Nessa oportunidade, o tema indicado por Warat, para a apresentação de sua tese foi: "Reencontro com Kelsen". Convém mencionar que Kelsen se tornou um autor emblemático porque, de alguma maneira, quando Warat criticava o Direito, também estava criticando o modelo kelseniano. Obviamente nem todo jurista pensa como Kelsen, mas Warat sempre criticava a dogmática como se fosse inspirada no autor da Teoria Pura do Direito. Esse "Reencontro com Kelsen" foi uma maneira que ele encontrou para apresentar a sua tese e, ao mesmo tempo, retomar esse debate. Uma das coisas que nós pensamos na época, e depois Warat conseguiu realizar, foi fazer o "Kelsen em quadrinhos".
Do mesmo modo, nos anos oitenta, igualmente repercutiu em Florianópolis um movimento que já existia na Europa, mas que aí se tornou muito forte, de cunho marxista, assentado na proposta de uma Teoria crítica do Direito (alguns grupos também denominaram de Uso Alternativo do Direito). Warat entendia que se deveria contrapor a Teoria Crítica à Dogmática Jurídica. E para se referir a isso de modo mais criativo e até bem humorado, Warat se utilizaria, mais tarde, da ideia dos "pinguins". Dizia que o sonho de todo estudante de Direito era se tornar o que já são os profissionais da nossa área: "pinguins". Todos iguais, sem desejos, sem vontades, uma padronização, além de tudo, estética. E, sobretudo, conformista e comprometida com os valores dos grupos dominantes.

8. A REVISTA CONTRADOGMÁTICA
Um dos frutos desse período em Florianópolis foi, portanto, a revista Contradogmática. Uma revista que nós fizemos quase artesanalmente em 1980. O título foi sugerido por André-Jean Arnaud, que sempre enviava algum artigo da França. Foi uma publicação importante, uma das primeiras revistas críticas que surgiram no Brasil desta época.

9. UMA FASE MUITO PRODUTIVA: Várias publicações e muita criatividade
Neste período em Florianópolis, Warat começou a publicar vários livros criticando o Direito, e o que muitos falam hoje como uma nova Hermenêutica Jurídica, ele já pensava desde aquela época. Nesse sentido, se poderia citar os livros "Mitos e Teorias da Interpretação da lei" ou mesmo "Direito e sua linguagem". Muitos estão hoje descobrindo o que Warat, de certa forma, já havia mencionado naquela época, às vezes inclusive sem citá-lo. Por isso, deve ficar claro que desde o final dos anos 70, início dos anos 80, já havia em Warat uma forte análise crítica à interpretação formalista da lei. Existe, assim, um momento extremamente criativo em Florianópolis, no qual Warat começa a liderar a crítica, tendo influências teóricas surpreendentes para quem é da área do Direito. Por exemplo, surge a noção de carnavalização, o Manifesto do Surrealismo Jurídico, a Cinesofia, e a ideia de uma Pedagogia da Sedução.
O conceito de Carnavalização, que aparece em Bakthin (autor russo) em um primeiro escrito, na perspectiva waratiana, sugere que para se pensar o Direito é preciso uma linguagem carnavalizada, sem um lugar único, ou ponto certo, constituindo basicamente uma polifonia de sentidos. Trata-se de uma linguagem que não possui um centro, configurando-se em um lugar onde todos podem falar.
Porém, no Manifesto do Surrealismo jurídico começam a nascer rompantes de imensa criatividade, definindo o novo pensamento waratiano. O surrealismo é muito importante, porque graças a ele, Warat postula, e os seus alunos ainda mais, que o que se pensa pode acontecer. Essa é uma ideia baseada na psicanálise e nas loucuras de Breton. Ou seja, a realidade é criada pela nossa imaginação. Também se pode mencionar, na data, um outro texto: "Manifestos para uma ecologia do desejo"[2].
Do mesmo modo, divulgando suas teorias, na cidade de Curitiba, Warat também fez vários encontros sobre o amor. Seminários onde se relacionava o Direito com o amor. Começa-se a sair da sala de aula. As coisas vão acontecendo fora da instituição e isso configura a sua grande crítica ao ensino do Direito. Finalmente, o mais importante seria, para a construção do saber, a liberação da afetividade, e precisamos de outros lugares para isso. Com o livro o Amor Tomado pelo Amor surgiu a proposta de se fazer um filme com o mesmo titulo, inspirado no cinema cubano. Porém Warat que tentou colocar uma triz cubana como protagonista, nunca gostou da versão realizada.
Por outro lado, outro aspecto marcante do pensamento waratiano é o fato de que a literatura passa a aparecer cada vez com mais intensidade. Warat seria também o primeiro a ministrar a disciplina de Linguagem e Argumentação Jurídica, em Florianópolis. Para tanto, ele utilizaria o livro "O nome da rosa" de Humberto Eco, como texto da disciplina, algo surpreendente para muitos. Também teve interesse por Jorge Amado, tendo lugar de destaque, um de seus livros mais famosos, revisto como: "A Ciência Jurídica e seus dois Maridos"[3]. Jorge Amado, para ele, era inovador pela possibilidade que tem dona Flor de conciliar dois tipos de personagens diferentes, como maridos. Ele brincava muito com isso. No livro inspirado em Jorge Amado, ele coloca dois pontos opostos, uma pessoa mais racional e outra mais sentimental (vamos dizer assim). Warat vai criticar duramente o formalismo e a criação desses espaços dotados de verdade única como polo dominante no Direito.
Para aplicar suas teses, Warat propõe, como uma espécie de cartografia, a Didática da Sedução: um território onde as pessoas se apaixonam pelo saber. Assim, ao mesmo tempo em que ele pensava a sala de aula, também apresentava duras críticas ao universo jurídico, direcionadas tanto, ora para juízes, como, ora para promotores (e também para professores), que eram os Teodoros da história. Assim, ele iria preparando a saída da sala de aula (e do Direito oficial). Para tanto, uma das estratégias que Warat também adotaria foi o tema da mediação, compreendida por ele como um espaço onde realmente as pessoas poderiam, talvez, manifestar e demonstrar seus desejos. Em todo esse processo permeava um tema muito forte, que trazia o seguinte questionamento: qual seria o ensino ou a didática mais adequada? Para Warat, era preciso um ensino voltado ao prazer, que ele chamou de Didática da Sedução.Não é fácil, mas todo o professor deveria ser um sedutor.

10. BALANÇO DA VIDA: protagonista em seus textos
Pode-se perceber, em textos que vão de 1997 a 2000, que Warat começa a fazer uma espécie de balanço de sua vida. Já havia ocorrido uma Parada da Meia-idade em 1990. Mas, a virada do milênio é um significante tanático. Tudo isto porque, cada vez mais, o crepúsculo, colocava-o como um personagem, protagonista, de tudo. Na ânsia de aproveitar ao máximo o prazer da vida. O famoso caderno de anotações, borrador, que segundo Russo, o acompanhava até na banheira (Prefácio de Derecho al Derecho), seria substituído pelo notebook, transformando-se em um blog.

Realmente, o blog foi usado por Warat como forma de comunicação simbólica universal para colocá-lo democraticamente em rede (luisalbertowaratblogspot). Warat deixaria de ser um privilégio de poucos, para entrar no ciberespaço. Houve projetos até de se fazer um canal de TV, que experimentalmente se chamou Arte e Direito. Deste modo, conseguiu assimilar facilmente novas tecnologias. Com o seu blog, adotou a ideia da aprendizagem em rede, como exatamente aquilo que ele precisava para sair da prisão da sala de aula.

11. OS CABARÉS: a saída da sala de aula
Outrossim, em consonância com tudo isso, Warat recriaria a ideia de Cabarés. Trata-se de uma inspiração que ele trazia de sua juventude, ou seja, de utilizar o teatro como uma forma de expressão. Entendia ele que as pessoas que estão estudando precisam ter a possibilidade de expressar seus dons e competências mais profundos, e o professor teria como principal função permitir isso. Assim, desde as formas artísticas mais tradicionais, música, poesia, até as mais inusitadas, todos merecem um instante, pelo menos, das luzes do cabaré. De qualquer maneira, seria um lugar de liberação, inclusive sexual. Então, o cabaré seria um espaço fantástico, que de alguma forma responderia a questão que coloquei no início: a construção de um portal diferenciado que pode ser chamado de Aula Mágica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Aula Mágica e a pedagogia waratiana da sedução
A Aula Mágica é um Cabaré. O mal estar da civilização é a repressão do desejo. As pessoas vivem em uma sociedade de incertezas, quanto ao que é certo ou errado, dominadas pela tecnologia e o consumismo. Então, em uma sociedade desse tipo, o mais importante, talvez, seja ter, ao menos, alguns momentos de prazer. Esse, junto com a afetividade, talvez seja o caminho. Se na universidade não tenho esse lugar: invento o Cabaré.
No início, houve o Cabaré Macunaíma, em homenagem a literatura antropofágica brasileira; depois, os cafés filosóficos, que transformavam uma mesa de bar em um circo mambembe. Tudo isso atravessado pelo amadurecimento do blog. Houve até um momento Warat-Avatar. Mais tarde, com a materialização (mágica) da Casa Warat, este movimento rompeu todas as fronteiras. A partir daí, Warat tem compartilhado como nunca, com todos, os seus cumplices a solidariedade do desejo.
Warat, insisto, nos ensinou com seu próprio exemplo que é possível desenvolver uma pedagogia voltada à criatividade. Como exemplo de sucesso desta pedagogia, nós temos que, todos os alunos mais diretos do Warat conhecem muito bem a teoria de Kelsen. Mas, Warat, poucas vezes, ensinou Kelsen em sala de aula. Tratava de ensinar com paixão e criatividade, colocando as pessoas no centro do processo didático. Embora, não se ensinasse, às vezes, diretamente o tema, as pessoas vivenciavam um processo de aprendizagem. Isto quer dizer que, com Warat, se aprendia Kelsen sem ter grandes aulas magistrais. Criava-se uma motivação, um desejo, e as pessoas participavam de forma ativa desse processo. Essa didática waratiana é extremamente interessante, porque, ao contrário, do que todo professor tradicional pensa, somente se tem acesso ao saber, e a construção de memória, com afetividade. Pelo menos essa é a interpretação que eu faço da didática waratiana.

São Leopoldo, 14 de dezembro de 2012.



[1]Eu iniciei o Mestrado em Florianópolis em 1980, defendendo a dissertação em fevereiro de 1982, em um período de trabalho profundamente compartilhado com Warat, que foi o orientador.
[2]WARAT, Luis Alberto. Manifestos para uma ecologia do desejo. São Paulo: Acadêmica, 1990.
[3] WARAT, Luis Alberto. A Ciência Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.