Total de visualizações de página

domingo, 26 de maio de 2013

Considerações sobre o uso e o abuso de celulares, nas instituições escolares


 

Angela Mendonça - Pedagoga e

Fernando Guiraud - Psicólogo

 

Na categoria das "parafernálias tecnológicas", o celular é, sem sombra de dúvida, uma das mais celebradas invenções da humanidade. Tendo para muitos se tornado, além de objeto de consumo, objeto de desejo e de uso permanente, pode gerar até mesmo certa "dependência emocional". A indústria do consumo apela para a publicidade, estimulando a necessidade infinita de atualização dos modelos e das possibilidades técnicas. A acirrada competição entre empresas poderosas faz com que pessoas do mundo inteiro troquem de aparelhos freqüentemente, influenciando especialmente adolescentes e jovens, que se tornaram os maiores usuários e consumidores.

O uso dos celulares, assim como de qualquer outro bem ou produto, não traz apenas benefícios e facilidades. Em alguns casos, o abuso pode gerar transtornos e sérias dificuldades pessoais e sociais. Existe certa "ética comum" quanto ao uso do celular, que não é explícita, senão que oculta e tácita, como que a orientar a maioria das pessoas de "bom senso". Por exemplo, é recomendável, em determinados locais públicos (cinemas, teatros, casas de eventos, casamentos, cerimônias religiosas) desligar os celulares ou, na pior das hipóteses, deixá-los no modo silencioso, para que os demais presentes não sejam incomodados. É socialmente esperado que as pessoas de todas as idades, inclusive adolescentes e jovens, ajam desta forma. Mas, sabemos que nem sempre é o que acontece.

Circulam, tanto na mídia como nas redes sociais da Internet, inúmeros vídeos documentando tratativas pedagógicas equivocadas e intervenções bizarras por parte de educadores, quanto ao uso de celulares por alunos. Antes de mais nada, esses fatos denunciam a necessidade de repensarmos o papel do professor, da família e da "autoridade educativa", no que se refere ao processo de mediação social. A questão preocupa professores, diretores de escola e familiares, indicando que esse problema precisa ser discutido em âmbito nacional, levando em consideração não apenas a eficiência do aparato escolar como também o respeito aos direitos humanos, no transcurso do processo pedagógico. As escolas brasileiras precisam reavaliar, urgentemente, os métodos dos quais se vale para limitar e conscientizar acerca do uso adequado da tecnologia por parte de alunos e educadores. Como podemos reconhecer a influencia da tecnologia e da sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo, imaginar que a tecnologia não chegará às escolas?

Parte dos educadores admite que o problema ocorre porque os estudantes, de maneira geral, já se habituaram a utilizar os celulares em todos os lugares e acabaram por banalizar o uso do aparelho, sem reflexão acerca da conveniência social em fazê-lo, alheios ao melhor interesse coletivo (que, em tese, deveria se sobrepor ao interesse pessoal de uso). De outro lado, educadores "antenados" com o uso de novas tecnologias como ferramentas pedagógicas reconhecem que o uso dos celulares em sala de aula só deve ser incentivado quando serve como ferramenta útil ao processo de aprendizagem, sempre sob orientação (e modelo de conduta) do professor. De qualquer forma, é inegável que, para boa parte das pessoas, incluindo os alunos adolescentes e jovens, os celulares possuem alto poder de atração, muitíssimas vezes maior que o da aula arduamente planejada pelo professor.

Entretanto, não podemos, ingenuamente, esperar que a navegação pela Internet via celular, o envio de mensagens e mesmo as ligações durante as aulas sejam banidas apenas com a proibição do uso dos aparelhos, ainda que já tenhamos legislações específicas em alguns estados e municípios brasileiros. O que pode surtir efeito mais efetivo é criar estratégias que possam conscientizar os alunos e suas famílias, de modo a tornar o uso do celular algo pedagogicamente útil, além de socialmente aceitável no ambiente escolar, evitando dificuldades, constrangimentos e danos a terceiros. Importante destacar que a simples posse de celulares ou outros recursos considerados não pedagógicos pelos alunos não caracteriza ilícito penal e, portanto, não deve ser criminalizado no âmbito escolar.

Em muitas escolas, a previsão da restrição de uso consta no próprio manual do estudante e no regimento interno da escola, juntamente com a proibição de uso dentro da sala de aula, acompanhada da orientação de que seja evitado trazê-los, uma vez que não há necessidade pedagógica de uso do aparelho na escola. Mesmo em situações de emergências, a instituição consegue localizar o aluno rapidamente, podendo tanto a família quanto o próprio aluno fazer uso do telefone fixo para situações extraordinárias.

Ainda que a legislação pode se tornar nossa aliada, não é definitiva para resolver a equação do "melhor uso". Do ponto de vista jurídico, é importante que conste expressamente, no regimento escolar, a proibição de uso em sala de aula ou em atividades pedagógicas escolares (palestras, seminários, etc.), para fins pessoais tanto por parte dos alunos como dos professores e funcionários. Da mesma forma, o regimento escolar deve prever as medidas pedagógicas cabíveis, além das possíveis sanções acerca do abuso deste equipamento. Conforme orienta DIGIÁCOMO:

Sendo crianças e adolescentes sujeitos dos mesmos direitos que os adultos, a exemplo destes possuem também deveres, podendo-se dizer que o primeiro deles corresponde justamente ao dever de respeitar os direitos de seu próximo (seja ele criança, adolescente ou adulto), que são exatamente iguais aos seus.

Em outras palavras, o Estatuto da Criança e do Adolescente não confere qualquer "imunidade" a crianças e adolescentes, que de modo algum estão autorizados, a livremente, violar direitos de outros cidadãos, até porque se existisse tal regra na legislação ordinária, seria ela inválida (ou mesmo considerada inexistente), por afronta à Constituição Federal, que como vimos estabelece a igualdade de todos em direitos e deveres.

No que concerne ao relacionamento professor-aluno, mais precisamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi extremamente conciso, tendo de maneira expressa apenas estabelecido que crianças e adolescentes têm o "direito de ser respeitados por seus educadores" (art. 53, inciso II, verbis).

Essa regra, por vezes contestada e, acima de tudo, mal interpretada, sequer precisaria ter sido escrita estivéssemos em um país do chamado "primeiro mundo"vista que o direito ao respeito é um direito natural de todo ser humano, independentemente de sua idade, sexo, raça e condição social ou nacionalidade, sendo que no caso específico do Brasil é ainda garantido em diversas passagens da Constituição Federal, que coloca (ou ao menos objetiva colocar) qualquer um de nós a salvo de abusos cometidos por outras pessoas e mesmo pelas autoridades públicas constituídas.

Seguindo esse entendimento, a primeira intervenção adequada em caso de uso indevido do celular por alunos deve partir do professor. O ideal seria se os professores conhecessem os alunos pelos nomes, o que favoreceria o contato individualizado com os estudantes e poderia tornar conscientizador o questionamento ético do uso desregrado das tecnologias. O educador pode relembrar, no início de cada aula, a recomendação de que os estudantes desliguem os celulares ou os deixem, pelo menos, no modo silencioso.

Diante da recusa ou afrontando das regras de convivência postuladas no regimento escolar (que pode incluir situações de excepcionalidade, nas quais o professor, no exercício de sua legítima autonomia, autorize o uso do celular face a circunstâncias especiais, tais como doenças, cirurgias na família, etc.). Caso algum aluno insista em atender o celular, ou o utilize para jogos e acesso às redes sociais, o professor precisará se valer de sua autoridade pedagógica e do seu repertório de experiências emocionais, orientando o aluno para que desligue o celular e o guarde na mochila. Caso a situação persista, pode se caracterizar a conduta como uma transgressão às regras regimentais, o que leva a medidas pedagógicas ou disciplinares mais graves como, por exemplo, solicitar que a família ou representante legal retenha o celular do aluno em casa, ação compatível com o exercício regular do poder familiar, conforme estabelece o artigo 1.634 do Código Civil. Não é recomendável que o professor "tome" do aluno o celular, pois ao fazê-lo poderá ser criada uma situação de confronto pedagógico, pessoal e social, que tende a agravar os conflitos, contrariando o artigo 4º da Constituição Federal de 1988, que propõe no inciso VII - solução pacífica dos conflitos.

Inclusive, o professor poderá responder, dependendo da conduta e gravidade dos fatos, pelos seguintes crimes, conforme estabelece o Código Penal Brasileiro:

Ofender a integridade corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Expor a perigo a vida

Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Constrangimento ilegal

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

 

Persistindo no mesmo sentido jurídico, DIGIÁCOMO orienta quanto aos procedimentos adequados em resposto ao cometimento de atos de indisciplina, no âmbito escolar:

Evidente que as sanções disciplinares previstas não podem afrontar o princípio fundamental - e constitucional, que assegura a todo cidadão, e em especial a crianças e adolescentes, o direito de "acesso e PERMANÊNCIA na escola", conforme previsão expressa do art. 53, inciso I da Lei nº 8.069/90, art. 3º, inciso I da Lei nº 9.394/96 e, em especial, do art. 206, inciso I da Constituição Federal [nota original], nem poderão contemplar qualquer das hipóteses do art. 5º, inciso XLVII da Constituição Federal, onde consta a relação de penas cuja imposição é vedada mesmo para adultos condenados pela prática de crimes. De igual sorte, não poderão acarretar vexame ou constrangimento ao aluno, situações que além de afrontarem direitos constitucionais de qualquer cidadão insculpidos no art. 5º, incisos III, V e X da Constituição Federal (dentre outros), em tendo por vítima criança ou adolescente, tornará o violador em tese responsável pela prática do crime previsto no art. 232 da Lei nº 8.069/90.

De igual sorte, ainda por respeito a princípios estatutários e, acima de tudo, constitucionais afetos a todo cidadão sujeito a uma sanção de qualquer natureza, a aplicação da sanção disciplinar a aluno acusado da prática de ato de indisciplina não poderá ocorrer de forma sumária, sob pena de violação do contido no art.5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, que garantem a todos o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mais uma vez como forma de colocar a pessoa a salvo da arbitrariedade de autoridades investidas do poder de punir.

Nesse contexto, é elementar que o aluno acusado da prática da infração disciplinar, seja qual for sua idade, não apenas tem o direito de ser formalmente cientificado de que sua conduta (que se impõe seja devidamente descrita), caracteriza, em tese, determinado ato de indisciplina (com remissão à norma do regimento escolar que assim o estabelece), como também, a partir daí, deve ser a ele oportunizado exercício ao contraditório e à ampla defesa, com a obrigatória notificação de seus pais ou responsável, notadamente se criança ou adolescente (para assisti-lo ou representá-lo perante a autoridade escolar), confronto direto com o acusador, depoimento pessoal perante a autoridade processante e arrolamento/oitiva de testemunhas do ocorrido.

Todo o procedimento disciplinar, que deve estar devidamente previsto no regimento escolar (também por imposição do art.5º, inciso LIV da Constituição Federal), deverá ser conduzido em sigilo, facultando-se ao acusado a assistência de advogado.

Apenas observadas todas essas formalidades e garantias constitucionais é que se poderá falar em aplicação de sanção disciplinar, cuja imposição, do contrário, será nula de pleno direito, passível de revisão judicial e mesmo sujeitando os violadores de direitos fundamentais do aluno a sanções administrativas e judiciais, tanto na esfera cível (inclusive com indenização por dano moral eventualmente sofrido - ex vi do disposto no citado art.5º, inciso X da Constituição Federal), quanto criminal, tudo a depender da natureza e extensão da infração praticada pela autoridade responsável pela conduta abusiva e arbitrária respectiva.

Evidente também que a decisão que impõe a sanção disciplinar precisa ser devidamente fundamentada, expondo as razões que levaram a autoridade a entender comprovada a acusação e a rejeitar a tese de defesa apresentada pelo aluno e seu responsável, inclusive para que possa ser interposto eventual recurso às instâncias escolares superiores e mesmo reclamação ou similar junto à Secretaria de Educação.

Embora as cautelas acima referidas pareçam excessivas, devemos considerar que seu objetivo é a salvaguarda do direito do aluno/cidadão (criança, adolescente ou adulto) contra atos abusivos/ arbitrários da autoridade encarregada da aplicação da sanção disciplinar, que para o exercício dessa tarefa não pode violar direitos fundamentais expressamente relacionados na Constituição Federal e conferidos a qualquer um de nós, consoante acima mencionado.

 

Importante refletirmos, ainda, para além dos aspectos meramente jurídicos. É conhecido por todos que existem leis, como aquelas relacionadas ao trânsito, que condenam o uso de aparelhos celulares pelos condutores de veículos. Estas leis prevêem sanções, multas e inclusive, quando acumulada determinada pontuação, a perda da carteira de motorista. Contudo, é passível de verificação que os motoristas não parecem minimamente preocupados com a sua segurança e a de terceiros, ainda que lhes sejam aplicadas multas. Quanto ao uso dos celulares, a lei por si só não basta. Será preciso desenvolver nas pessoas a consciência de autonomia de uso, em especial nas crianças e adolescentes. A escola é um dos ambientes educativos mais propícios para esse aprendizado.

Como é na escola que se verificam problemas relacionados à ética quanto ao uso e ao abuso de telefones celulares, o bom exemplo deve partir dos profissionais que nela atuam. Diretores, coordenadores, orientadores, funcionários em geral e, principalmente, os professores devem desligar os seus aparelhos quando estiverem trabalhando ou, caso seja excepcionalmente necessário, desde que acordado com os demais colegas, manter em modo de silencioso, para que as eventuais mensagens e ligações fiquem arquivadas e possam, oportunamente, serem respondidas. Em sala de aula, o toque de um celular, especialmente com a imensa variedade de músicas e estilos (muitos deles cômicos), pode atrapalhar consideravelmente o andamento das ações planejadas pelo professor, além de colocar em xeque a sua autoridade pedagógica. O bom exemplo começa com o professor e prossegue as regras de utilização, dentro dos limites definidos pelo regimento interno e a partir de combinados feitos com os alunos. Sempre é recomendável que se fale abertamente dos motivos que levaram a instituição escolar a pedir que os alunos deixem os seus celulares desativados.

Portanto, é prudente e aceitável que haja algumas restrições sensatas ao uso do celular nas escolas, sempre de acordo com o fundamento da legalidade instituído democraticamente pelo regimento escolar, tanto para propiciar um ambiente pedagógico adequado quanto para atenuar um pouco o ritmo frenético que pode levar à "dependência digital". De qualquer forma, em vez de resistir ao uso, amplamente popularizado entre alunos e professores, talvez seja melhor pensarmos como fazer do celular um recurso pedagógico, na condição de elemento de trabalho educacional, mediante a criação de projetos que o incluam como ferramenta de pesquisa e produção, perseguindo a conclamada e tão necessária "qualidade de ensino".

Notas do texto:

 

Nota original do texto: Razão pela qual não se admite a aplicação das sanções de suspensão pura e simples da freqüência à escola (uma eventual suspensão deve contemplar, obrigatoriamente, a realização de atividades paralelas, nas próprias dependências da escola ou em outro local, desde que sob a supervisão de educadores, de modo que o aluno não perca os conteúdos ministrados - ou mesmo provas aplicadas - no decorrer da duração da medida), e muito
menos a expulsão ou a transferência compulsória do aluno, que em última análise representa um "atestado de incompetência" da escola enquanto instituição que se propõe a educar (e não apenas a ensinar) e a formar o cidadão, tal qual dela se espera.


 

 Sobre os autores:

 

Angela Christiane Lunedo de Mendonça é Pedagoga pela UFPR, Bacharel em Direito pela UNICURITIBA, Especialista em Planejamento e Administração Pública pela UFPR, Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Educacional do ITECNE, Assessora Técnica do CAOPCAE - Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação, em Curitiba-PR.

 

Fernando Luiz Menezes Guiraud é Psicólogo atuante na equipe técnica do CAOPCAE/MP-PR - Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação, do Ministério Público do Estado do Paraná.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Homem é indenizado por pagar pensão sem ser pai


Um homem obteve na Justiça indenização por danos morais em virtude de ter pago pensão alimentícia durante 11 anos a um filho que não era dele. A mãe da criança que recebeu o benefício indevidamente foi condenada a pagar R$ 20 mil de indenização, além de arcar com o custo do processo e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da causa. A decisão é do juiz Yale Sabo Mendes, da Sétima Vara Cível de Cuiabá.
A ação de indenização por danos morais e materiais foi proposta por L.C.P. após a mãe da criança, M.C.S. ter ajuizado ação de investigação de paternidade do filho que L.C.P. acreditava ser dele. Exame de DNA comprovou que L.C.P. não era o pai biológico da criança, embora ele tenha sustentado a criança ao longo de 11 anos. Esse fato, segundo o autor da ação, causou constrangimento, já que ele foi motivo de chacota pelos colegas de trabalho.
Na decisão, o magistrado afirmou que o autor da ação foi visivelmente humilhado pela atitude indevida da ré, que agiu de má fé quando apontou L.C.P. como pai de seu filho. “A ré agiu de ma fé por três vezes, sendo a primeira contra seu próprio filho. Segundo contra si, pois com tal atitude como contará ao seu filho quem é o seu verdadeiro pai, e o terceiro contra um inocente, que o apontou e acusou levianamente como pai de seu filho, mesmo sabendo que não era, levando-o a sustentá-lo por mais de 11 anos”, ressaltou o magistrado.
O juiz disse ter ficado comprovado nos autos a existência de fato hábil e que traz constrangimento moral à pessoa normal, o homem médio, e tal conduta feriu a intimidade, a honra e a dignidade do autor da ação. “Assim sendo, não há como não se conhecer do pedido de indenização por danos morais”. Em relação ao dano material, o juiz decidiu pelo indeferimento, pois o autor não acrescentou aos autos nenhuma comprovação desses gastos.

Fonte: Tribunal de Justiça do Mato Grosso
Autor: Nadja Vasques

terça-feira, 7 de maio de 2013

Justiça nega pedido para anular testamento milionário

Sem irregularidades

 

O juiz Mario Cunha Olinto Filho, da 1ª Vara de Rio Bonito, indeferiu o pedido de 11 irmãos do milionário Renê Senna para anular o último testamento deixado pelo ganhador da Mega Sena assassinado em 2007. O documento deixa 50% da fortuna para sua filha única, Renata Sena, e a outra metade para a viúva, Adriana Almeida, absolvida pelo Tribunal do Júri da acusação de mandante do crime.
Os irmãos do milionário queriam fazer valer o testamento anterior, que destinava 50% dos bens para a filha e o restante em diferentes percentuais para eles. Para tentar invalidar o último testamento, os irmãos do milionário apontaram uma série de supostas irregularidades que o tornariam sem efeito, mas o pedido foi julgado improcedente.
"Os argumentos trazidos pelos autores podem ser classificados como meros indícios, que, mesmo somados, não têrm força para se opor a presunção de que o testador efetivamente se manifestou da forma como consta no termo impugnado. Se o autor da herança fez ou não a melhor escolha, se justa ou injusta a disposição, isso não faz parte da discussão que aqui se trava, que é unicamente da legalidade do testamento. Se por outros motivos a segunda ré (Adriana) não deva receber o monte testado por conta inclusive de ter sido apontada como mandante do crime que vitimou o testador isso há de ser declarado pela via própria. É dizer: ainda que isso prevaleça, o testamento não deixou de ser válido em si. Pelo exposto, julgo improcedente o pedido", escreveu o juiz na sentença.
Advogado dos irmãos de Renê, Sebastião Mendonça disse que vai recorrer da decisão. "O processo estava parado em Rio Bonito, e foi encaminhado a outro juiz, que não o conhecia, por conta da Meta 2 do CNJ (para agilizar o julgamento de processos antigos). Aceitamos a sentença, mas vamos recorrer. Se necessário, vamos até ao Supremo Tribunal Federal".
Ganhador de R$ 52 milhões na Mega Sena em 2005, o ex-lavrador Renê Sena foi executado a tiros em 7 de janeiro de 2007 em Rio Bonito, no interior do Estado do Rio. Seis pessoas foram acusadas do crime, entre elas a viúva da vítima, Adriana Almeida. De acordo com a denúncia do Ministério Público, Adriana teria ordenado a morte do marido após ele ter dito que ia excluí-la do testamento, pois sabia que estava sendo traído. A viúva, no entanto, foi absolvida pelo Tribunal do Júri de Rio Bonito em dezembro de 2010. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-RJ.

domingo, 5 de maio de 2013

Cláudia Laitano: "O que não tem vergonha nem nunca terá"

mailto:claudia.laitano@zerohora.com.br


 A poção do amor é um dos mitos mais antigos e revisitados da ficção. Se a fantasia de um poder externo capaz de sobrepor-se às insondáveis – e indomáveis – razões do coração é tão fascinante, talvez seja porque todo mundo, um dia, já sonhou em ter à mão algumas gotinhas desse líquido fantástico.

Uma gota e a pessoa amada começaria a ver em você todas as qualidades que você vê nela. Uma gota e aquele casamento morno de 20 ou 30 anos voltaria a ficar novinho em folha, como nos tempos do namoro. Apenas uma gota e um amor que já tinha feito as malas e alugado um novo apartamento voltaria atrás e daria uma nova chance à paixão que parecia extinta. Uma gota e você se apaixonaria pela pessoa "certa" – e não por aquela que seus pais e seus amigos acham que não combina com você.

Poucas coisas se prestam tanto ao pensamento mágico quanto o amor e o desejo. Na cabeça e no coração de quem ama, a força do sentimento é tão palpável que parece quase natural que adquira a capacidade mágica de mudar o que está em volta a seu favor. Na realidade, não controlamos nem mesmo aquilo que sentimos, que dirá o que os outros sentem. A indústria farmacêutica já promete concentração, felicidade e até mesmo paz de espírito, mas ainda não se arriscou a inventar uma poção como a que fez Tristão e Isolda se apaixonarem contra a vontade e a razão. Isso porque na própria origem do desejo está o que não faz sentido, o que não se controla – ou cura. Desejo é aquilo que Chico Buarque conseguiu descrever sem precisar dar-lhe um nome: "O que não tem governo nem nunca terá/ o que não tem vergonha nem nunca terá/ o que não tem juízo".

Neste absurdo debate sobre autorizar ou não profissionais a prometerem uma "cura gay", o que mais assusta não é a homofobia intrínseca, a tentativa de patologizar a condição humana ou o fato de a lei contrariar o bom senso e a opinião de todos os especialistas sérios do mundo, mas a possibilidade de oficializar uma prática que é tão séria e honesta quanto as poções do amor da Idade Média ou aqueles anúncios que prometem trazer de volta a pessoa amada em três dias. Um mico legislativo de proporções king-kônicas.

Alguns deputados não têm qualquer vergonha ou juízo – nem nunca terão.