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sábado, 26 de abril de 2014
DIREITOS SUCESSSÓRIOS PARA LEANDRO BOLDRINI?
Quando vi aquele rosto sorridente na página da rede social com a manchete “desaparecido”, senti que ali havia alguma coisa em especial. Visitei a página original e notei que a comunidade, a madrinha, e outros parentes eram as pessoas que demonstravam preocupação. Logo percebi a ausência dos pais nas postagens. Durante alguns dias compartilhei a imagem, inclusive em site especializado em busca de crianças. Alguns dias depois, uma amiga policial comentou comigo o caso, e fez referência à suspeita sobre a possibilidade de um crime e a certeza da comunidade sobre o abandono afetivo. Comecei então a acompanhar mais detalhadamente o caso, até que em 14 de abril, por volta de 21 horas, foi divulgada a notícia da descoberta do corpo de Bernardo. Desabei... assim como o Brasil inteiro.
A frieza e a crueldade na execução do crime tem sido exaustivamente discutida e analisada. Minha preocupação é outra: o sofrimento imposto por quatro anos a uma criança, a vista de toda uma cidade. Um sofrimento conhecido e propagado inclusive pela própria vítima. Imagino Bernardo, um menino inteligente e sensível, informando-se acerca da nossa legislação. Deve ter conhecido nosso Estatuto da Criança e do Adolescente, motivo de orgulho para nossos legisladores e operadores do direito, como a lei mais inovadora e abrangente na questão. Foi noticiado até mesmo que em seu quarto havia uma cópia desse Estatuto. Deve ter ficado eufórico ao saber que existe uma rede de proteção e que teria um lugar e pessoas específicas para buscar a ajuda. O que Bernardo não contava é que o sistema falha e a realidade é muito mais cruel do que a própria legislação pode prever.
Não quero analisar o trâmite processual da questão, nem mesmo o fato do homicídio. A minha pretensão é discutir os efeitos da conduta paterna. Não a conduta criminosa suspeita, mas àquela evidente e provada, como chamamos em direito, o “fato notório” do abandono afetivo. Esse abandono tem sido objeto de ações judiciais em termos de responsabilização civil. O STJ, por duas oportunidades , já se manifestou a favor, mas deixa claro que são situações excepcionalíssimas pois as situações que envolvem traumas emocionais dentro da família são extremamente comuns. Acontece que todos os casos cogitados referem-se a indenizações por dano moral à própria vítima. E no caso de Bernardo? Haveria possibilidade de um dano moral coletivo?
Penso que o médico Leandro Boldrini poderia cumprir sua pena (pelo inquestionável abandono afetivo) através de uma prestação de serviço à comunidade, eis que está sendo amplamente divulgada a sua competência profissional. A questão é saber como impor tal penalidade. O artigo 133 do Código Penal Brasileiro aponta como crime “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”, porém para uma denúncia dessa natureza deveria se inovar na interpretação e aplicação da lei penal. Também se poderia buscar a reparação cível pelo dano moral causado à própria sociedade, onde também se inovaria na questão da punição, revertendo a penalidade na efetiva colaboração à comunidade. Acho que tais temas merecem uma atenção e um estudo aprofundado.
O que não pode acontecer de forma alguma, e isso é o que me fez desabafar através desse texto, é que o pai ausente e omisso, caso seja provado não ter participado no crime de homicídio, ainda possa ser herdeiro do menino Bernardo.
Nossa legislação privilegia de forma acentuada o direito patrimonial sucessório. O artigo 1.814 aponta os casos de indignidade de herdeiro, e eles são “numerus clausus”, isto é, são somente os motivos relacionados, não admitindo interpretação extensiva. Entre eles está a participação no homicídio em qualquer de suas formas. Mas o abandono, a paternidade irresponsável e, nem mesmo a perda do poder familiar , ali são relacionadas. Assim, legalmente, Leandro Boldrini é o primeiro herdeiro de seu filho Bernardo, caso não seja comprovada sua participação no seu assassinato. A única forma legal de sua exclusão seria sua renúncia voluntária a essa herança, ou nossos julgadores trabalhassem a possibilidade de uma adoção “pós mortem” (desde que surjam interessados), extinguindo o vínculo de parentesco com efeito retroativo. Uma absoluta inovação, baseada essencialmente no princípio de que ninguém pode se beneficiar pela sua própria torpeza, e que, certamente seria aplaudida pela sociedade em geral. Talvez assim possamos nos reconciliar com o sentido de justiça para esse caso...
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