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sábado, 8 de dezembro de 2012

Alimentos compensatórios organizam partilha

 



Autor: Antonio Ivo Aidar - sócio do escritório "Felsberg - Pedretti - Mannrich e Aidar Advogados Associados" e conselheiro do Conade.

Quase esquecido e abrigado no parágrafo Único do Artigo 4º da Lei 5.478/1968, os alimentos de matiz compensatória são muito pouco lembrados pelos operadores do Direito em nosso país. Talvez por este motivo eles sejam tão raramente pleiteados nas contendas judiciais. Com efeito, são escassos os julgados versando sobre o tema em questão, tanto nas revistas como em sites especializados em divulgar os grandes assuntos envolvendo o Direito de Família.
Infelizmente, são assaz diminutos os questionamentos a respeito deste tema e a doutrina abordando este tema.
Não se deve confundir a finalidade dos Alimentos Provisionais ou Provisórios, devidamente definidos no “Caput” do artigo 4º da lei supra declinada, com o escopo dos Alimentos Compensatórios. No primeiro caso temos um instituto visando prover a digna sobrevivência daqueles que fazem jus e necessitam de Pensão Alimentícia, na forma entendida pelo estabelecido no artigo 1.694 do Código Civil Brasileiro. Enquanto isso, os Alimentos Compensatórios objetivam evitar o enriquecimento ilícito e sem causa daquele(a) que permanece na administração dos bens comuns, usufruindo de suas rendas, enquanto não se materializa a partilha de bens.
Entendemos, diferentemente de alguns sapientes e festejados operadores do Direito, naquilo que pertine à precípua finalidade dos ditos Alimentos Compensatórios. Não custa transcrever abaixo a lição expendida pelo texto legal quando se pronuncia da matéria em voga:
“Parágrafo Único – Art. 4º - Se se tratar de Alimentos Provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da Comunhão Universal de Bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente parte da renda líquida dos bens comuns, administradas pelo devedor” (g.n.).
Com efeito, quando o dispositivo legal retro fala em “igualmente”, ele busca conferir um algo a mais do que simplesmente os alimentos provisórios. Inexistem dúvidas, na nossa modesta opinião, sobre qual foi a intenção do legislador pátrio ao redigir o texto. Buscou o edificador da lei em tela criar um escape para o cônjuge que, em processo de Separação Judicial, não tenha a administração dos bens comuns.
Deve ser levado em conta, ao interpretar-se a lei em comento, ter ela entrado em vigência, anteriormente à edição da Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio), razão pelo qual ela fala em “Cônjuge casado pela Comunhão Universal de Bens”. No entanto, tendo entrado em vigor o texto legal acima referido, os benefícios restaram estendidos para os cônjuges casados sob o manto da comunhão parcial de bens.
Mas não é só. Tendo o artigo 1.725 do CC equiparado a União Estável ao casamento celebrado pelo regime da Comunhão Parcial de Bens para fins patrimoniais, restou alargado o estreito conceito primitivamente encartado no aludido parágrafo único do artigo 4º da Lei 5.478/1968.
Aliás, entendemos que a Presunção de Esforço Comum na aquisição de patrimônio a título oneroso, no curso da Relação Estável, tem sua vigência estendida, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, quando este modelo de relacionamento pessoal galgou à condição de entidade familiar.
É lógico, salvo escrito público ou particular especificando o contrário.
Pois bem, vislumbra-se com transparente precisão não estarem os alimentos sob análise vinculada às sanções impostas pelo artigo 733 do CPC (Prisão Civil). Os alimentos compensatórios não trazem consigo o viés de garantir a sobrevivência do seu credor, mas, isto sim, repará-lo pelas perdas consequentes da demora na efetivação da Partilha dos Bens que se encontram na posse e administração do outro cônjuge ou companheiro.
Boa parte da reduzida doutrina e jurisprudência versada na matéria faz alusão a tal modo de pensionamento como um fato de fugaz duração, com vigência até que o(a) alimentário(a) conquiste, ou reconquiste, seu espaço no mercado laboral. Discordamos vigorosamente deste posicionamento. O entendimento retro aludido se posta na contramão das verdadeiras intenções do legislador quando acrescentou o parágrafo único ao artigo 4º da Lei 5.478/1968. Ora, o “Caput” do dispositivo legal retro declinado, já regrava a possibilidade de deferimento dos Alimentos Provisionais, irmão siamês dos Alimentos Provisórios.
Ao se vislumbrar o texto que deu vida aos alimentos de cunho compensatório, denota-se que a sua existência tem como manjedoura a intenção de coibir os excessos praticados pelos cônjuges que permanecem na administração dos bens objeto da meação, buscando retardar ao máximo o deslinde da partilha dos bens.
É preciso traçar as lindes entre Alimentos Provisórios, estes, com escopo alimentar, e Alimentos Compensatórios, de caráter nitidamente indenizatório, vigentes estes últimos até que se conclua a Partilha dos Bens entre os divorciandos.
No seio da ruptura da vida conjugal, podem os cônjuges ou companheiros dispensar reciprocamente a prestação de pensão alimentícia. Todavia, no caso de um deles se manter na administração de bens, objeto de meação, o outro poderá pleitear os Alimentos Compensatórios. Tal ocorre, por exemplo, quando o marido/companheiro, permanece na direção de uma empresa onde sua esposa/convivente é meeira. Além do “pró-labore”, com parte do qual o varão paga a pensão alimentícia, ele aufere renda com os lucros gerados pelo negocio. É exatamente dessa receita que advém o direito ao pleito de alimentos compensatórios.
Na hipótese de não restar caracterizada a utilização desses lucros em proveito do administrados dos bens comuns, o que é difícil de ocorrer, os compensatórios não serão devidos, em nossa opinião.
Porém, na imensa maioria dos casos, o(a) administrador(a) dos bens comuns se utiliza das empresas como biombo para obter vantagens frente àquele que está despojado da administração dos mesmos. É triste, mas é uma realidade inexorável.
Quando o Parágrafo Único do artigo 4º da Lei agasalhadora dos alimentos compensatórios diz “... juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor mensalmente, parte da renda dos bens comuns, administrados pelo devedor”, torna-se de meridiana clareza serem os alimentos compensatórios um algo a mais, além dos citados Alimentos Provisionais ou Provisórios.
Em tempos onde a morosidade do Poder Judiciário é padrasto daqueles que não usufruem da gerência dos bens que compõem a meação do casal, será muito saudável e profilático as nossas cortes levarem mais a sério a instituto em análise. É uma maneira de desestimular aqueles que necessitam de tempo para pulverizar e dissipar um patrimônio que não é somente seu.
do site Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2010

Justiça de Caxias do Sul autoriza casamento civil entre mulheres

 

por Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Quarta, 5 de dezembro de 2012 às 17:20 ·
O Juiz de Direito Sérgio Fusquine Gonçalves, que atua na Vara da Direção do Foro de Caxias do Sul, autorizou o primeiro caso de casamento homossexual na Comarca.

O tabelião do Serviço Notarial da Comarca suscitou dúvida referente à habilitação para o casamento civil entre duas mulheres, visto que não existe previsão legal para o matrimônio civil entre pessoas do mesmo sexo.

Segundo o magistrado, a falta de previsão no ordenamento jurídico brasileiro faz com que a Justiça tenha que decidir sobre o tema. Outra questão é que o casamento entre pares homoafetivos não é novidade no direito comparado, visto que há mais de uma década, existe esse tipo de união em muitos países.
Com relação ao contexto brasileiro, o Juiz afirma que são inúmeras as decisões judiciais que concedem aos casais gays o direito à adoção conjunta, diretos sucessórios e previdenciários, partilha de bens e guarda de filhos em comum, nos mesmos moldes do que é realizado em uniões heteroafetivas.

É impositivo o acolhimento do pedido das habilitadas, restando, hoje, facilitada a prestação jurisdicional pela final (e feliz) posição adotada pelos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, que resultaram numa justa e inadiável resposta à postura intencionalmente passiva do legislador federal, que, como soi acontecer, virou as costas para a realidade, que teve de ser norteada pelo ativismo judicial, afirmou o magistrado.

Foi autorizado o casamento civil entre as mulheres e determinado o envio de ofício, em caráter normativo/orientativo, a todas as serventias com atribuição de realizar casamentos no âmbito da Comarca de Caxias do sul, com cópia da decisão, para que tomem como paradigma.

A decisão é do dia 29/11.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

14 livros- (Fabricio Carpinejar)

14 LIVROS




Fiquei arrepiado ao ver a lista de itens pessoais do deputado federal paulista Rubens Paiva, preso pelo regime militar em 20 de janeiro de 1971.
Quando ele entrou nos porões da ditadura para ser interrogado, entre seus itens pessoais, além de relógio, lenço e cartão de banco, havia 14 livros de diversos autores.
Ele tinha a consciência de que iria morrer, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que nunca mais poderia olhar a luz do sol, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que seria torturado pelos agentes da repressão, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a esperança de ainda ler 14 livros, apesar da sua morte iminente pelo DOI_CODI, apesar do seu desaparecimento certo dali para diante.
A esperança nada tem a ver com as circunstâncias. A esperança desafia as circunstâncias. A esperança é o nosso caráter.
Ele queria continuar aprendendo. E levou seus livros. Foi simples, foi verdadeiro. Com tempo ou sem tempo. Ele queria ler até o último de seus suspiros.
O que Rubens Paiva nos ensina?
Mesmo que tenhamos um só dia de vida, podemos amadurecer. Podemos melhorar. Podemos ampliar nosso conhecimento. Podemos nos superar.
Mesmo que tenhamos um só dia de existência, podemos plantar uma macieira, podemos amar melhor nossa mulher, podemos cuidar com capricho dos nossos filhos, podemos nos reconciliar com os pais.
Um dia é muito.
Um dia é nossa vontade de entender o mundo.
Um dia é nossa vontade de ser feliz.
Um dia são 14 livros.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

SENHORA MINHA MÃE

 




Foto de Leonardo Brasiliense

Ouvi meu amigo Manoel Soares conversando com sua mãe.

— Sim, Senhora
— Não, Senhora
Aquilo me arrepiou. Não me emociono quando um filho chama sua mãe de mãezinha, mainha, mamãe.

Eu me comovo quando um filho chama sua mãe de Senhora.

Não importa que ele esteja apressado, paciente, psicótico, nervoso, aflito, carente: chamará de Senhora em qualquer hora.

Dirigir a palavra para mãe como Senhora pode sugerir distanciamento, formalidade, solenidade. Pode indicar uma relação de frieza e ausência de diálogo. Por que não o nome? Um apelido? Ou simplesmente mãe?

Não vejo assim. É mais do que respeito: é reverência. É mais do que intimidade: é cuidado.

Senhora é um “com licença” e “eu te amo” misturados. É segurar o braço para atravessar a rua e as palavras.

Senhora é uma demonstração de afeto, uma homenagem às lições do passado, prova que fomos bem educados.

Quem usa nunca levantará a voz para a mãe. Nunca vai desrespeitar os mais velhos.

Só filhos muito chegados e próximos chamam a mãe de Senhora.

Preservam a influência maternal dentro de casa. Obedecem à sua opinião. Confiam nos seus conselhos.

Mãe que é senhora nunca termina abandonada num asilo.

Mãe que é senhora pede para falar e a família escuta com silêncio.

Senhora é dizer para a mãe que ela é muito importante. Que ela é insubstituível. Que ela nunca será dispensada.

Obrigado, senhora minha mãe.
 
Fabricio Carpinejar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A última aula


A última aula

Já estava nos momentos finais da aula: a última antes da minha aposentadoria. Com uma tristeza mal disfarçada percebi que aquela sala era a mesma onde havia começado minha vida acadêmica. Pura coincidência: minha última atividade como docente no Curso de Direito da UFSM, acontecia no mesmo local onde tive minha primeira atividade como jovem e orgulhosa acadêmica de Direito.

Mais uma coincidência: naquele momento ouvi batidas na porta, pedi licença aos alunos e, para minha surpresa, deparei-me com a velha senhora. Tratava-se de uma cliente a quem tinha atendido muitos anos antes, quando atuava como orientadora no Estágio Supervisionado. Ela disse que estava a minha procura para ter informações sobre um valor que lhe era devido pelo Estado desde 1994. Lembrei que foi um dos primeiros processos em que atuei com os alunos, onde ela teve reconhecida judicialmente sua condição de pensionista, como companheira do segurado do IPE, e até aquele momento não havia conseguido receber seus atrasados.

Aquela inesperada interrupção despertou lembranças escondidas que se revelaram com uma clareza inesperada. Dei-me conta de que, na função de orientadora do Estágio Supervisionado, vivenciei meus melhores tempos de professora universitária. Como estagiária, no mesmo local, também tive grandes alegrias, como no êxito obtido no pedido de relaxamento de uma prisão, que possibilitou a um presidiário assumir um cargo no concurso público em que havia sido nomeado. Momento mágico: uma jovem estudante de Direito entregando um alvará de soltura para o diretor do Presídio Regional de Santa Maria.

 No ano de 1979 fui apresentada ao mundo do Direito na UFSM. Passei cinco anos na chamada “Antiga Reitoria”, integrando sempre a mesma turma “11”: um grupo de acadêmicos unidos pelos mesmos interesses e ideais. Minha geração foi fundadora do Diretório Livre do Direito e a que experimentou a primeira greve dos docentes universitários. Assisti junto a eles o retorno da democracia no Brasil: lembro-me da vinda do então sindicalista Lula como palestrante em Santa Maria; acompanhei com meus colegas o retorno dos exilados políticos; o episódio da Guerra das Malvinas; o atentado do Riocentro; os primeiros passos para a nova constituição e o movimento pelas eleições diretas. Eram tempos difíceis: os jovens estavam confusos e ainda havia muita desconfiança no mundo acadêmico. Mas tínhamos esperança na busca de um novo Brasil. Nossa formatura foi em 1983. Momento de muita emoção, onde a alegria da conquista se misturava com a tristeza da separação e o medo do futuro.  

Retornei à instituição onze anos depois, desta vez como professora. Reencontrei alguns dos meus mestres, agora como meus colegas. Pouca coisa havia mudado no Curso de Direito: a mesma estrutura, o mesmo currículo, as mesmas obras na biblioteca, as mesmas salas e carteiras. Porém a qualificação dos alunos passou a ser muito maior, especialmente por conta da concorrência na seleção do vestibular. Foi um grande desafio e um privilégio trabalhar com esses acadêmicos. Suas expressões, olhares atentos e as perguntas inteligentes e instigantes, provocaram meu comprometimento para novas pesquisas e aperfeiçoamento.

 Nos dezesseis anos de atuação docente na UFSM, passei grande parte como orientadora do estágio supervisionado. Na “Assistência”, como carinhosamente chamávamos o Núcleo de Prática Jurídica, eu conheci e orientei alunos repletos de teoria e sedentos da prática, emoldurados pelo idealismo na busca da justiça.

No velho casarão, ao lado da “Antiga Reitoria”, a maioria desses jovens teve seu primeiro contato com o mundo profissional, interagindo com as mais diversas pessoas e os mais diferentes dramas. Jovens que se apresentavam como instrumentos de resolução dos problemas daqueles clientes e que, invariavelmente, surpreendiam-se pela confiança e expectativa que aquela população depositava neles. Muitas vezes as dificuldades práticas e os resultados obtidos os decepcionavam...

 Lembro-me de um aluno fazendo “plantão” no gabinete de um secretário municipal, para protestar pela cobrança da expedição de uma certidão pública, já que a própria Constituição determinava a gratuidade. Nunca me esquecerei de uma jovem estagiária levando pela mão uma pobre senhora idosa, subindo a rua em direção ao prédio do INSS, para encaminhar um benefício previdenciário. Recordo-me especialmente da algazarra e da alegria das turmas na expectativa e planejamento das formaturas, mas, ao mesmo tempo, o que mais lembro, é da seriedade e da responsabilidade daquela juventude no trato com o direito “vivo”.

Naquele velho casarão da Floriano Peixoto passaram muitas histórias de vida: o Senhor Leontínio, velho morador de rua, que, apesar de ter seu processo indenizatório vitorioso, não teve a chance de usufruir dos valores angariados, pois faleceu antes. Seus olhos cheios de lágrimas na sala de audiência, ao pegar na minha mão para dizer que não estava entendendo nada do que o juiz falava, em virtude de seu problema de audição, fez com que esse momento fosse marcante na minha vida profissional.

 Dona Alzira, que era como a Irene de Manoel Bandeira: negra, boa e estava sempre de bom humor. Ao conseguir êxito no seu processo de usucapião, na sala de audiência do fórum, ela ouviu a leitura da sentença como quem recebe um troféu.

 A jovem Suelen que, satisfeita, recebeu o Mandado de Retificação Civil, alterando seu prenome, antes registrado como Sueli, por causa da ignorância do pai, que não soube informar adequadamente ao oficial o desejo da mãe.

 A sadia discussão entre os alunos sobre qual a ação possessória a ser utilizada frente ao desespero da cliente que descobriu a violação da sepultura de sua mãe, ao encontrar, no Dia de Finados, o túmulo pintado de outra cor, ação dos familiares do “novo ocupante”.

 Tantas ações de alimentos, filiações, separações, reflexos dos desejos, necessidades e litígios que nascem na área familiar. Conflitos que demonstram a preponderância da emocionalidade humana que hoje é reconhecida como um valor jurídico. Todas essas histórias a serviço da formação acadêmica dos jovens ávidos de aprendizagem.

            Voltei à realidade, atendi a velha senhora e encerrei minha aula tentando conter as lágrimas e lutando pela firmeza na voz. Acho que meus alunos não perceberam minha tristeza. Na sala dos professores não havia ninguém para eu me despedir. Nem o quadro de formatura da turma de 1983 se encontrava mais pendurado na parede do corredor. Estava velho demais e foi para um depósito. No seu lugar, painéis mais modernos, com fotografias coloridas de rostos jovens e felizes.

 De forma melancólica, terminei a minha história com a UFSM evitando o velho elevador e descendo pelas escadas: do quarto andar para a agitação da Rua Floriano Peixoto, passando lentamente na frente do velho casarão da Assistência Judiciária.

 A presente crônica foi escolhida em 1º lugar no 6º Concurso de Crônicas da UFSM  Categoria Servidores Aposentados, em novembro de 2012. Todos os fatos aqui relatados são verídicos. 
Dedico essa conquista ao Sr Leontínio, morador de rua e um cliente inesquecível, que, em virtude da lentidão do nosso sistema jurídico, não conseguiu em vida usufruir de seu direito tardiamente reconhecido...

sábado, 10 de novembro de 2012

Anulação do casamento religioso

Católicos buscam anulação religiosa de casamentos

Nos últimos seis anos, 400 matrimônios foram considerados nulos pelo Tribunal Eclesiástico no Rio Grande do Sul


Itamar Melo | itamar.melo@zerohora.com.br Os casamentos católicos são considerados indissolúveis até a morte de um dos cônjuges, mas a Igreja deixou aberta uma porta que mais de 400 casais atravessaram nos últimos seis anos no Rio Grande do Sul: decretar que, apesar da cerimônia no altar, da bênção do padre, do testemunho dos padrinhos e do "sim" dos noivos, o matrimônio nunca existiu.
Para essa regressão do histórico nupcial à estaca zero, a condição básica é convencer os juízes do Tribunal Eclesiástico de que a boda não ocorreu de fato, porque não foi abençoada por Deus. Já há 59 nulidades homologadas no Estado em 2012.
A busca por esse tipo reconhecimento pode causar estranheza numa época em que o casamento religioso perde fôlego — o Censo revela que no Rio Grande do Sul já há mais gente em união consensual ou civil do que aqueles que subiram ao altar. No entanto, para quem é católico praticante e acredita na doutrina da Igreja, perseguir a nulidade faz todo o sentido.
O empresário de Cachoeirinha Andreo Pereira da Costa, 29 anos, diz que trocou alianças aos 19 anos motivado pela festa e para contrariar a mãe. Divorciou-se em 2006 e ficou com a guarda do filho, Bruno. Em 2009, foi confessar-se e descobriu que estava impedido de fazê-lo — porque tinha uma nova companheira, Lucilene, apesar de ser casado com outra aos olhos da Igreja.
Costa apresentou o pedido de nulidade em 2010. Foram oito meses até o reconhecimento em primeira instância e mais quatro para a decisão de segunda instância. A ex, que estava em um novo relacionamento e tinha outro filho, colaborou e prestou depoimento perante o Tribunal Eclesiástico.
— Aleguei falta de liberdade na decisão de casar. Foi um casamento para agradar uma pessoa, sem discernimento. Conseguir a nulidade foi muito importante, porque eu estava indo contra o que minha religião pregava. Minha vida melhorou muito, por uma questão espiritual. Foi uma libertação do pecado — conta Costa.
Uma motivação para o empresário era o desejo de um novo matrimônio na Igreja, possível apenas se o primeiro fosse considerado inexistente. Costa e Lucilene casaram-se em julho do ano passado, quatro meses depois de reconhecida a nulidade pelo Tribunal Eclesiástico.
— Dessa vez foi uma decisão consciente — afirma o empresário.
ENTREVISTA: monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do Tribunal Eclesiástico da Regional Sul 3 da CNBB
Os casos de nulidade no RS passam pelo monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do tribunal eclesiástico de segunda instância que tem sede em Porto Alegre. Na entrevista a seguir, ele revela que aproximadamente 80% dos pedidos são julgados favoravelmente. Confira:
ZH — O que motiva as pessoas a apresentar o pedido de nulidade?
Inácio José Schuster — Muitas vezes, a razão é fazer outro casamento na Igreja. Mas também há pessoas que estão bem sozinhas e não querem casar de novo, mas pedem a nulidade.
ZH — O que é um casamento que não aconteceu?
Schuster — É um casamento em que os noivos não queriam casar e casaram por pressão ou conveniência social, por exemplo. Ou quando se esconde uma anomalia física, no sentido de ter filhos, ou uma anomalia psíquica.
ZH — Em que casos o pedido de nulidade é negado?
Schuster — Às vezes não há o que fazer, porque é preciso que a incapacidade ou desequilíbrio já existam antes do casamento, mesmo que sejam desconhecidos.
ZH — A ausência de relações sexuais justifica a nulidade?
Schuster — Também é um fator, porque o casamento deve ser consumado para ter valor, mesmo que tenham ocorrido várias relações sexuais antes de casar.
Algumas justificativas que podem ser apresentadas para configurar a nulidade do matrimônio religioso:
Erro de qualidades da pessoa: quando o cônjuge apresenta, depois do matrimônio, personalidade diferente
Incapacidade psíquica: quando o cônjuge tem histórico de características que, na visão da Igreja, o impedem de assumir as obrigações essenciais do matrimônio (ninfomania ou sadismo, por exemplo)
Exclusão de fidelidade: casos comprovados em que um dos cônjuges foi infiel. Só é aceito quando a traição ocorreu antes do matrimônio
Medo grave: quando o casamento ocorreu sob pressão psicológica e familiar.
Simulação: quando o cônjuge não assume o matrimônio e não acredita em sua indissolubilidade.
Dolo: quando alguma informação importante ou relevante sobre a vida da pessoa foi omitida ou contada de forma inverídica. São exemplos o cônjuge que escondeu já ter filhos ou a mulher que afirmava ser virgem, mas não era
Filhos: quando um dos cônjuges não quer filhos
Uso da razão: quando um dos cônjuges não tinha, no momento da celebração, uso da razão.
Impotência: pessoas incapazes de ter uma relação sexual completa
Crime: quem, para poder casar com uma pessoa já casada, mata o cônjuge dela ou mata seu próprio cônjuge para ficar viúvo

Ação de prestação de contas não serve para fiscalizar gastos com pensão alimentícia

 


A Quarta Turma entende que a ação de prestação de contas não é via processual própria para fiscalizar gastos com pensão alimentícia. Por maioria, os ministros decidiram que eventual reconhecimento de má utilização do dinheiro por quem detém a guarda do menor alimentando não pode resultar em nenhuma vantagem para o autor da ação, de modo que só os meios processuais próprios podem alterar as bases da pensão.

A decisão divergiu da posição do relator do recurso julgado na Quarta Turma, ministro Luis Felipe Salomão, e de parte da doutrina, que acredita ser essa via um eficaz instrumento de prevenção contra maliciosas práticas de desvio de verbas em detrimento do bem-estar do alimentando. O relator entende que é possível ao genitor manejar a ação em razão do seu poder-dever de fiscalizar a aplicação dos recursos.

A ação de prestação de contas está prevista nos artigos 914 e 919 do Código de Processo Civil e tem por objetivo obrigar aquele que administra patrimônio alheio ou comum a demonstrar em juízo, e de forma documentalmente justificada, a destinação de bens e direitos. Visa, sobretudo, verificar saldos em favor de uma das partes ou mesmo ausência de crédito ou débito entre os litigantes.

De acordo com o voto vencedor, conduzido pelo ministro Marco Buzzi, o exercício do direito de fiscalização conferido a qualquer dos genitores, em relação aos alimentos prestados ao filho menor, vai muito além da averiguação aritmética do que foi investido ou deixou de sê-lo em favor da criança.

Para ele, essa fiscalização diz respeito mais intensamente à qualidade do que é proporcionado ao menor, “a fim de assegurar sua saúde, segurança e educação da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por sua família”.

Segundo Marco Buzzi, a questão discutida no recurso não diz respeito à viabilidade de os genitores, enquanto titulares do poder familiar, supervisionarem a destinação de pensão alimentícia, mas a como viabilizar essa providência da forma mais efetiva. Ele acredita que o reconhecimento da má utilização das quantias pelo genitor detentor da guarda não culminará em vantagem ao autor da ação, diante do caráter de irrepetibilidade dos alimentos.

Além disso, afirmou o ministro, o valor da pensão foi definido por decisão judicial que somente poderia ser revista “através dos meios processuais destinados a essa finalidade”.

O recurso chegou ao STJ depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou extinta a ação de prestação de contas ajuizada pelo ex-marido, insatisfeito com a administração da pensão alimentícia pela ex-mulher, que tinha a filha menor sob seus cuidados.

Em três anos e dois meses, o ex-marido alegou ter pago cerca de R$ 34 mil de pensão, valor que excederia o gasto de um cidadão médio com uma criança. Ele pediu o recálculo da pensão.

O tribunal estadual entendeu que a mãe não era parte legítima para responder à ação, pois, na condição de guardiã e titular do poder familiar, detinha a prerrogativa de decidir sobre como administrar a pensão. A via processual era inútil, pois a eventual constatação de mau uso da verba não modificaria seu valor nem alteraria a guarda.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai alimentante, reconhecendo ausência de interesse processual.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.



Fonte: site do Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Fabrício Carpinejar- O que separou a família brasileira

O QUE SEPAROU A FAMÍLIA BRASILEIRA

Arte de Tom Wesselmann

Eu sei o que desuniu a família brasileira.
O momento em que ela abandonou o tradicional almoço em casa e procurou a rapidez do restaurante a quilo.
Quando ela se desinteressou por completo da residência. Quando trocou a diarista pela faxineira duas vezes por semana.
Quando começou a comprar comida congelada e economizar com os talheres. Quando abdicou do pãozinho da padaria do final da tarde.
Quando as saídas ao supermercado tornaram-se frequentes. Quando o intervalo do trabalho diminuiu consideravelmente.
Quando a vassoura sumiu de trás da porta. Quando o avental desapareceu do seu gancho.
Quando ter uma horta passou a ser irrelevante. Quando o pai não mais visitou sua oficina de marcenaria na garagem.
Quando a tabuleta de bem-vindo acabou dispensada. Quando o capacho se divorciou da porta.
Quando a mãe adiou o jardim. Quando a vista de fora superou o carinho da decoração.
Eu sei eu sei eu sei o instante exato da transformação. Foi na hora em que a gente parou de vestir o botijão de gás.
Aquele ato mudou a mentalidade da classe média.
Cuidar do botijão significava zelar pelos detalhes, pela aparência e ordem doméstica. Mostrava uma preocupação com o olhar das visitas. Um carinho com os coadjuvantes da rotina. Um capricho com as gavetas e despensas e forros e fundos e cantos e quinas.
Não se podia deixar o gás daquele jeito sujo e engraxado no coração de azulejos da cozinha. Correspondia a um ultraje, a falta de educação, a ausência de asseio.
Ele precisava estar agasalhado. Todos os objetos do mundo mereciam uma capa: os cadernos de aula, o filtro de barro, o liquidificador, os ternos no armário, os carros na garagem.
Os objetos tinham que durar: geladeira era para a vida inteira, o fogão era para a vida inteira, máquina de lavar era para a vida inteira. Não se pensava em trocar, não se guardava o certificado de garantia, absolutamente dispensável.
Minha mãe não largava os pedais da Singer nos finais da tarde, elaborava tampas coloridas para as compotas de doces ou revestimentos para penduricalhos.
É óbvio que costurava, mensalmente, uma saia de renda para o gás, aproveitando sobras dos tecidos da cortina.
Eu achava que o botijão fosse uma irmã.
Meu irmão caçula já considerava um menino e chamava sua roupa de poncho.
– Mas é floreado! – eu dizia. – Não existe poncho floreado.
Vestir o botijão revelava o quanto nos importávamos com o desnecessário.
O quanto tínhamos tempo livre para amar.
Tempo livre para amar a família.
Tempo livre.
 
fonte- ZN- 06/11/2012

sábado, 3 de novembro de 2012

Planejamento sucessório

 


Um velho ditado popular refere que “para morrer, basta estar vivo”. Nada é mais verdadeiro. No entanto, costuma-se fugir dessa verdade, e a possibilidade de se fazer um testamento é cogitada muito raramente entre os brasileiros. Quando alguém refere essa intenção, normalmente provoca certo assombro e logo é questionado sobre seu estado de saúde. Porém, essa não é a realidade em outras culturas, onde a sucessão testamentária é a regra geral. A partir da alteração da legislação brasileira civil de 2002, permitir que o patrimônio seja destinado, exclusivamente, de acordo com a previsão legal pode trazer resultados indesejáveis, muitas vezes passando a ser objeto de litígio. Assim é, especialmente, nas questões referentes à herança destinada ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente. As regras atuais provocam intermináveis discussões doutrinárias e têm apresentado diferentes soluções judiciais referentes ao tema. Tal fato provoca uma insegurança social nessa área, sendo aconselhável que as pessoas busquem informações corretas sobre a sua situação individual, planejando o destino de seu patrimônio, de acordo com a sua vontade e interesse, por meio de um testamento, ou mesmo de uma partilha em vida.

A liberdade de disposição sobre o destino de sua herança pode ser absoluta ou se limitar ao percentual de 50% do patrimônio, caso o testador tenha descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente. Um testamento pode ser feito por intermédio de um tabelionato (público ou cerrado), ou por um documento particular, com o testemunho de, pelo menos, três pessoas que irão garantir a sua veracidade perante o juiz de Direito.

Também é possível planejar e atenuar os efeitos indesejáveis no acometimento de uma doença fatal, por meio do chamado “testamento vital”. Nesse documento, a pessoa pode determinar medidas variadas a serem colocadas em prática por ocasião de sua incapacidade, ou nomear pessoa de sua confiança para a tomada das decisões relativas ao seu tratamento médico.

Tais documentos, simples e eficazes, atenuam o sofrimento do próprio doente e de seus familiares, evitando conflitos e litígios que podem ter efeitos ainda mais desastrosos. Todos os seres vivos morrerão um dia, mas esse momento, e os efeitos advindos dele, podem ser abrandados e menos dolorosos, possibilitando que possa ser encarado de uma maneira natural, como Fernando Pessoa referiu: morrer é simplesmente “não mais ser visto na curva da estrada”.

Advogada, professora e especialista em Direito de Família e Sucessões
BERNADETE SCHLEDER DOS SANTOS

    Publicado em 03/11/2012- Diario de Santa Maria 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A controvertida sucessão do cônjuge sobrevivente no STJ

Regime de bens e divisão da herança: dúvidas jurídicas no fim do casamento

Antes da celebração do casamento, os noivos têm a possibilidade de escolher o regime de bens a ser adotado, que determinará se haverá ou não a comunicação (compartilhamento) do patrimônio de ambos durante a vigência do matrimônio. Além disso, o regime escolhido servirá para administrar a partilha de bens quando da dissolução do vínculo conjugal, tanto pela morte de um dos cônjuges, como pela separação.

O instituto, previsto nos artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil de 2002 (CC/02), integra o direito de família, que regula a celebração do casamento e os efeitos que dele resultam, inclusive o direito de meação (metade dos bens comuns) – reconhecido ao cônjuge ou companheiro, mas condicionado ao regime de bens estipulado.

A legislação brasileira prevê quatro possibilidades de regime matrimonial: comunhão universal de bens (artigo 1.667 do CC), comunhão parcial (artigo 1.658), separação de bens – voluntária (artigo 1.687) ou obrigatória (artigo 1.641, inciso II) – e participação final nos bens (artigo 1.672).

A escolha feita pelo casal também exerce influência no momento da sucessão (transmissão da herança), prevista nos artigos 1.784 a 1.856 do CC/02, que somente ocorre com a morte de um dos cônjuges.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “existe, no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem relacionamento, no tocante às causas e aos efeitos, esses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e das sucessões”.

Regime legal Antes da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), caso não houvesse manifestação de vontade contrária, o regime legal de bens era o da comunhão universal – o cônjuge não concorre à herança, pois já detém a meação de todo o patrimônio do casal. A partir da vigência dessa lei, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial, inclusive para os casos em que for reconhecida união estável (artigos 1.640 e 1.725 do CC).

De acordo com o ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma do STJ, “enquanto na herança há substituição da propriedade da coisa, na meação não, pois ela permanece com seu dono”.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 954.567, o ministro mencionou que o CC/02, ao contrário do CC/1916, trouxe importante inovação ao elevar o cônjuge ao patamar de concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima (herança). “Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem grau de parentesco, são o eixo central da família”, afirmou.

Isso porque o artigo 1.829, inciso I, dispõe que a sucessão legítima é concedida aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (exceto se casado em regime de comunhão universal, em separação obrigatória de bens – quando um dos cônjuges tiver mais de 70 anos ao se casar – ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares).

O inciso II do mesmo artigo determina que, na falta de descendentes, a herança seja concedida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento.

União estável Em relação à união estável, o artigo 1.790 do CC/02 estabelece que, além da meação, o companheiro participa da herança do outro, em relação aos bens adquiridos na vigência do relacionamento.

Nessa hipótese, o companheiro pode concorrer com filhos comuns, na mesma proporção; com descendentes somente do autor da herança, tendo direito à metade do que couber ao filho; e com outros parentes, tendo direito a um terço da herança.

No julgamento do REsp 975.964, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, analisou um caso em que a suposta ex-companheira de um falecido pretendia concorrer à sua herança. A ação de reconhecimento da união estável, quando da interposição do recurso especial, estava pendente de julgamento.

Consta no processo que o falecido havia deixado um considerável patrimônio, constituído de imóveis urbanos, várias fazendas e milhares de cabeças de gado. Como não possuía descendentes nem ascendentes, quatro irmãs e dois sobrinhos – filhos de duas irmãs já falecidas – seriam os sucessores.

Entretanto, a suposta ex-companheira do falecido moveu ação buscando sua admissão no inventário, ao argumento de ter convivido com ele, em união estável, por mais de 30 anos. Além disso, alegou que, na data da abertura da sucessão, estava na posse e administração dos bens deixados por ele.

Meação

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, com a morte de um dos companheiros, entrega-se ao companheiro sobrevivo a meação, que não se transmite aos herdeiros do falecido. “Só então, defere-se a herança aos herdeiros do falecido, conforme as normas que regem o direito das sucessões”, afirmou.

Ela explicou que a meação não integra a herança e, por consequência, independe dela. “Consiste a meação na separação da parte que cabe ao companheiro sobrevivente na comunhão de bens do casal, que começa a vigorar desde o início da união estável e se extingue com a morte de um dos companheiros. A herança, diversamente, é a parte do patrimônio que pertencia ao companheiro falecido, devendo ser transmitida aos seus sucessores legítimos ou testamentários”, esclareceu.

Para resolver o conflito, a Terceira Turma determinou que a posse e administração dos bens que integravam a provável meação deveriam ser mantidos sob a responsabilidade da ex-companheira, principalmente por ser fonte de seu sustento, devendo ela requerer autorização para fazer qualquer alienação, além de prestar contas dos bens sob sua administração.

Regras de sucessão

A regra do artigo 1.829, inciso I, do CC, que regula a sucessão quando há casamento em comunhão parcial, tem sido alvo de interpretações diversas. Para alguns, pode parecer que a regra do artigo 1.790, que trata da sucessão quando há união estável, seja mais favorável.

No julgamento do REsp 1.117.563, a ministra Nancy Andrighi afirmou que não é possível dizer, com base apenas nas duas regras de sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, “porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil”.

Para a ministra, há uma linha de interpretação, a qual ela defende, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias.

Companheira e filha No caso específico, o autor da herança deixou uma companheira, com quem viveu por mais de 30 anos, e uma filha, fruto de casamento anterior. Após sua morte, a filha buscou em juízo a titularidade da herança.

O juiz de primeiro grau determinou que o patrimônio do falecido, adquirido na vigência da união estável, fosse dividido da seguinte forma: 50% para a companheira (correspondente à meação) e o remanescente dividido entre ela e a filha, na proporção de dois terços para a filha e um terço para a companheira.

Para a filha, o juiz interpretou de forma absurda o artigo 1.790 do CC, “à medida que concederia à mera companheira mais direitos sucessórios do que ela teria se tivesse contraído matrimônio, pelo regime da comunhão parcial”.

Ao analisar o caso, Nancy Andrighi concluiu que, se a companheira tivesse se casado com o falecido, as regras quanto ao cálculo do montante da herança seriam exatamente as mesmas.

Ou seja, a divisão de 66% dos bens para a companheira e de 33% para a filha diz respeito apenas ao patrimônio adquirido durante a união estável. “O patrimônio particular do falecido não se comunica com a companheira, nem a título de meação, nem a título de herança. Tais bens serão integralmente transferidos à filha”, afirmou.

De acordo com a ministra, a melhor interpretação do artigo 1.829, inciso I, é a que valoriza a vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, tanto na vida quanto na morte dos cônjuges.

“Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis estes unicamente entre os descendentes”, mencionou.

Vontade do casal Para o desembargador convocado Honildo Amaral de Mello Castro (já aposentado), “não há como dissociar o direito sucessório dos regimes de bens do casamento, de modo que se tenha após a morte o que, em vida, não se pretendeu”.

Ao proferir seu voto no julgamento de um recurso especial em 2011 (o número não é divulgado em razão de segredo judicial), ele divergiu do entendimento da Terceira Turma, afirmando que, se a opção feita pelo casal for pela comunhão parcial de bens, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, ao sobrevivente é garantida somente a meação dos bens comuns – adquiridos na vigência do casamento.

No caso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou sentença de primeiro grau para permitir a concorrência, na sucessão legítima, entre cônjuge sobrevivente, casado em regime de comunhão parcial, e filha exclusiva do de cujus (autor da herança), sobre a totalidade da herança.

A menor, representada por sua mãe, recorreu ao STJ contra essa decisão, sustentando que, além da meação, o cônjuge sobrevivente somente concorre em relação aos bens particulares do falecido, conforme a decisão proferida em primeiro grau.

Interpretação
Para o desembargador Honildo Amaral, em razão da incongruência da redação do artigo 1.829, inciso I, do CC/02, a doutrina brasileira possui correntes distintas acerca da interpretação da sucessão do cônjuge casado sob o regime de comunhão parcial de bens.

Em seu entendimento, a decisão que concedeu ao cônjuge sobrevivente, além da sua meação, direitos sobre todo o acervo da herança do falecido, além de ferir legislação federal, desrespeitou a autonomia de vontade do casal quando da escolha do regime de comunhão parcial de bens.

O desembargador explicou que, na sucessão legítima sob o regime de comunhão parcial, não há concorrência em relação à herança, nem mesmo em relação aos bens particulares (adquiridos antes do casamento), visto que o cônjuge sobrevivente já está amparado pela meação. “Os bens particulares dos cônjuges são, em regra, incomunicáveis em razão do regime convencionado em vida pelo casal”, afirmou.

Apesar disso, ele mencionou que existe exceção a essa regra. Se inexistentes bens comuns ou herança a partilhar, e o falecido deixar apenas bens particulares, a concorrência é permitida, “tendo em vista o caráter protecionista da norma que visa não desamparar o sobrevivente nessas situações excepcionais”.

Com esse entendimento, a Quarta Turma conheceu parcialmente o recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento. O desembargador foi acompanhado pelos ministros Luis Felipe Salomão e João Otávio de Noronha.

Contra essa decisão, há embargo de divergência pendente de julgamento na Segunda Seção do STJ, composta pelos ministros da Terceira e da Quarta Turma.

Proporção do direito
É possível que a companheira receba verbas do trabalho pessoal do falecido por herança? Em caso positivo, concorrendo com o único filho do de cujus, qual a proporção do seu direito?

A Quarta Turma do STJ entendeu que sim. “Concorrendo a companheira com o descendente exclusivo do autor da herança – calculada esta sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência –, cabe-lhe a metade da quota-parte destinada ao herdeiro, vale dizer, um terço do patrimônio do de cujus”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em julgamento de 2011 (recurso especial que também tramitou em segredo).

No caso analisado, a herança do falecido era composta de proventos e diferenças salariais, resultado do seu trabalho no Ministério Público, não recebido em vida. Após ser habilitado como único herdeiro necessário, o filho pediu em juízo o levantamento dos valores deixados pelo pai.

O magistrado indeferiu o pedido, fundamentando que a condição de único herdeiro necessário não estava comprovada, visto que havia ação declaratória de união estável pendente. O tribunal estadual entendeu que, se fosse provada e reconhecida a união estável, a companheira teria direito a 50% do valor da herança.

Distinção O ministro Salomão explicou que o artigo 1.659, inciso VI, do CC, segundo o qual, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge ficam excluídos da comunhão, refere-se ao regime de comunhão parcial de bens.

Ele disse que o dispositivo não pode ser interpretado de forma conjunta com o disposto no artigo 1.790, inciso II, do CC/02, que dispõe a respeito da disciplina dos direitos sucessórios na união estável.

Após estabelecer a distinção dos dispositivos, ele afirmou que o caso específico correspondia ao direito sucessório. Por essa razão, a regra do artigo 1.659, inciso VI, estaria afastada, cabendo à companheira um terço do valor da herança.

Separação de bens
Um casal firmou pacto antenupcial em 1950, no qual declararam que seu casamento seria regido pela completa separação de bens. Dessa forma, todos os bens, presentes e futuros, seriam incomunicáveis, bem como os seus rendimentos, podendo cada cônjuge livremente dispor deles, sem intervenção do outro.

Em 2001, passados mais de 50 anos de relacionamento, o esposo decidiu elaborar testamento, para deixar todos os seus bens para um sobrinho, firmando, entretanto, cláusula de usufruto vitalício em favor da esposa.

O autor da herança faleceu em maio de 2004, quando foi aberta sua sucessão, com apresentação do testamento. Quase quatro meses depois, sua esposa faleceu, abrindo-se também a sucessão, na qual estavam habilitados 11 sobrinhos, filhos de seus irmãos já falecidos.

Nova legislação
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença de primeiro grau para habilitar o espólio da mulher no inventário dos bens do esposo, sob o fundamento de que, como as mortes ocorreram na vigência do novo Código Civil, prevaleceria o novo entendimento, segundo o qual o cônjuge sobrevivente é equiparado a herdeiro necessário, fazendo jus à meação, independentemente do regime de bens.

No REsp 1.111.095, o espólio do falecido sustentou que, no regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente jamais poderá ser considerado herdeiro necessário. Alegou que a manifestação de vontade do testador, feita de acordo com a legislação vigente à época, não poderia ser alterada pela nova legislação.

O ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado) explicou que, baseado em interpretação literal da norma do artigo 1.829 do CC/02, a esposa seria herdeira necessária, em respeito ao regime de separação convencional de bens.

Entretanto, segundo o ministro, essa interpretação da regra transforma a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária, visto que concede liberdade de autodeterminação em vida, mas retira essa liberdade com o advento da morte.

Para ele, o termo “separação obrigatória” abrange também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus patrimônios, interpretação que não conflita com a intenção do legislador de corrigir eventuais injustiças e, ao mesmo tempo, respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges quanto ao seu patrimônio.

Diante disso, a Quarta Turma deu provimento ao recurso, para indeferir o pedido de habilitação do espólio da mulher no inventário de bens deixado pelo seu esposo.
fonte- site do STJ 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Justiça manda padrasto pagar pensão a enteada

Pai é quem cria?



Engenheiro terá de desembolsar 20% do salário para filha de ex-companheira com quem ficou casado dez anos. Para especialistas, decisão endossa visão moderna do Direito de que pai é quem cria


Em decisão inédita, a Justiça de Santa Catarina determinou que um engenheiro de 54 anos pague pensão à filha de sua ex-companheira. A jovem, de 16 anos, é filha do primeiro casamento da mãe e conviveu com o padrasto por dez anos. A decisão, em caráter liminar, endossa uma nova visão do Direito de Família: pai é quem cria, independentemente do nome que consta na certidão de nascimento.
A mãe, Madalena (nome fictício), de 41 anos, conta que o engenheiro arcou com as despesas da família, incluindo colégio particular, alimentação, viagens e presentes, desde que a filha tinha 6 anos. As duas constam como dependentes no Imposto de Renda do engenheiro.
O valor estipulado pela Justiça é de 20% dos rendimentos do padrasto, cerca de R$ 1,5 mil. A jovem recebe pensão do pai biológico, de um salário mínimo. A mãe se separou do primeiro marido quando a jovem tinha 2 anos.

Na decisão, a juíza Adriana Mendes Bertoncini, da 1.ª Vara de Família de São José, argumenta que “mesmo que a menor receba tal auxílio, nada impede que, pelo elo afetivo existente entre ela e o requerido, este continue a contribuir financeiramente para suas necessidades básicas”. Adriana presumiu o que chama de “paternidade socioafetiva” pelo fato de o engenheiro ser o responsável pelo contrato escolar da adolescente. Cabe recurso à liminar, concedida sem que o padrasto fosse ouvido.

A família, afirma Ma­dalena, morou a maior parte do tempo em casas separadas. Apenas por um ano os três viveram juntos. “Era um relacionamento como marido e mulher, mas cada um tinha o seu espaço.”

Presentes

A mãe reforça a presença do ex-companheiro como figura paterna. “Ele participava de datas comemorativas, como o Dia dos Pais. Era ele quem recebia os presentes que ela fazia e as homenagens, não o pai biológico.” Segundo Madalena, o ex-companheiro lhe deu um carro para que buscasse a filha no colégio e pagou prestações do financiamento do imóvel onde morava.

No fim de 2011, o engenheiro arcou com todas as despesas de uma viagem que mãe e filha fizeram à Disney, nos Estados Unidos. As duas viajaram em março, um mês após o fim do relacionamento. “Desde fevereiro, quando nos separamos, ele nunca mais fez contato com ela, nem mesmo pelo telefone. Foi uma separação brusca, que deixou-a desorientada”, diz.

A mãe procurou, então, uma advogada para pleitear a pensão. Agora, ela também vai requisitar à Justiça, a pedido da filha, que determine que o engenheiro faça visitas regulares à jovem, que conta à mãe ter saudades do padrasto.

Procurado, o engenheiro não quis comentar o assunto, argumentando que não tinha sido citado na decisão. “Eu nem sabia disso, para mim é novidade.”
Análise
Especialistas dividem-se sobre dupla paternidade
As decisões que reconhecem a paternidade pela relação de afeto ainda são recentes. Por isso, uma criança ou adolescente com direito a receber pensão de dois pais – o biológico e o de criação – é incomum e provoca discussão entre especialistas.
“O vínculo de socioafetividade vai muito além do simples sustento, de morar sob o mesmo teto ou de dar assistência. Se a criança tem um pai biológico que a assiste também, não cabe ter uma dupla paternidade”, questiona a advogada Regina Beatriz Tavares, professora de Direito de Família da Universidade de São Paulo. Decisões como a de Santa Catarina, para Regina, podem banalizar a paternidade socioafetiva.
Convivência
Nos tribunais, a convivência tem prevalecido sobre a genética na chamada “adoção à brasileira”. Nela, uma pessoa assume a paternidade de uma criança simplesmente indo até um cartório e registrando-a em seu nome, sem seguir os procedimentos formais de adoção.
O problema começa quando esse pai morre e herdeiros entram na Justiça rejeitando o parentesco. “Seria uma injustiça com um filho criado como tal que, depois da morte do pai de registro, alguém queira tirar proveito patrimonial desfazendo a relação”, argumenta Regina.
A ex-desembargadora Maria Berenice Dias afirma que, nos últimos dez anos, após a aprovação do Código Civil em 2002, houve um avanço no reconhecimento de filhos por relação de afeto. Para ela, a Justiça de Santa Catarina acertou ao determinar que o ex-companheiro de Madalena pague pensão alimentícia à ex-enteada. “Essa decisão nada mais fez que impor a continuidade de uma obrigação que ele já vinha assumindo. O que tem de prevalecer? Atender ao melhor interesse da criança”, afirma Maria Berenice.
“Hoje, a filiação é eminentemente socioafetiva. A biologia é um elemento a mais”, concorda o advogado Rolf Madaleno, do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

do site Gazeta do Povo

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Abandono Afetivo de Idosos

Projeto que prevê abandono afetivo de idoso está pronto para votação na CCJ
02/10/2012

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
Se os filhos podem recorrer à justiça para obter indenização por abandono afetivo, os pais idosos também podem. O projeto de lei 4.294/2008, do deputado Carlos Bezerra, altera os artigos 1.632 do Código Civil e 3º do Estatuto do Idoso e prevê a indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo de pais e prevê também a indenização no caso do abandono de idosos por sua família.
O parecer favorável ao projeto de lei, elaborado pelo relator, o deputado Antônio Bulhões, está pronto para ir à votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Em seu relatório, Bulhões defendeu o PL, argumentando que as obrigações existentes entre pais e filhos não se limitam à prestação de auxílio material, mas também ao suporte afetivo. "Embora seja verdade que não se possa obrigar alguém a amar ou manter relacionamento afetivo, há casos em que o abandono ultrapassa os limites do desinteresse e, efetivamente, causa lesões ao direito da personalidade do filho ou do pai, sujeitando-os a humilhações e discriminações", justificou o relator, acrescentando que seria nesses casos que estaria configurado o abandono afetivo gerador do direito à indenização moral.
A proposta tramita em caráter conclusivo nas comissões da Câmara. Como já foi aprovada na Comissão de Seguridade e Família, basta a aprovação do relatório do deputado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que seja encaminhada ao Senado. O relator reconhece que a matéria divide opiniões no meio jurídico, mas acredita que o projeto obterá votação favorável. "Pela sua importância e atualidade, no contexto de discussões e modificações nas relações familiares do país, não tenho dúvidas que a CCJ vai apreciar e aprovar o projeto com celeridade", analisa.
O abandono
A advogada e especialista em direitos da personalidade, Andryelle Vanessa Camilo, explica que a ocorrência de abandono afetivo na vida de idosos gera uma violação da integridade psíquica do sujeito refletindo em angústia e em afastamento social. “Quando se fala em abandono afetivo, não se trata apenas da monetarização do afeto. É uma ação afirmativa para mudar a consciência das pessoas para a importância do afeto na vida dos sujeitos”, completa.
De acordo com Andryelle, o grande problema para a efetivação do Estatuto do Idoso e mais ainda, da alteração que prevê o abandono afetivo, é a dificuldade que o idoso tem em denunciar os abusos. “Eles se envergonham em denunciar e toleram essas violações. A gente só toma conhecimento quando a situação é extremamente grave”, enfatiza.
Com relação à jurisprudência sobre o assunto, a advogada diz não conhecer nenhum caso de condenação por abandono afetivo de idosos. “Fui procurada várias vezes, mas geralmente as pessoas não querem levar a denúncia adiante. Quando explico sobre o prazo e as conseqüências do processo, elas desistem”, comenta. Andryelle detalha que os processos de dano moral necessitam de testemunhas e narração precisa do fato para justificar a ação. “Tem que tocar nas feridas”, reforça.
O idoso na sociedade atual
A advogada considera que o abandono do idoso difundiu-se após o advento da Revolução Industrial, em que o valor humano tornou-se secundário em relação ao valor produtivo fragilizando aquele que tem sua produção reduzida em decorrência das limitações de idade. Mas nem sempre foi assim. Ela explica que na Roma antiga, época dos “pater familias”, o idoso assumia papel essencial na transmissão de conhecimentos. Eram os mais velhos que detinham o poder de guardar e passar adiante a memória dos ritos, danças e cantos para a celebração dos cultos. Em artigo sobre o tema, ela escreve que era a participação dos anciãos que assegurava a continuidade, a unidade das sociedades primitivas no campo religioso, político, econômico e social.
Mesmo que a sociedade brasileira esteja envelhecendo e que os meios de comunicação difundam a imagem do idoso ativo e cheio de saúde, o contexto de valorização do idoso ainda está longe de se difundir na sociedade como um todo. Essa situação ideal de vivência da terceira idade ainda se restringe mais às classes economicamente favorecidas. “Essas oportunidades ainda estão ligadas à classe social. Muitas famílias dependem da aposentadoria do idoso que não consegue desfrutar dos benefícios”, enfatiza.
É por isso que a advogada ressalta a importância da intervenção do Estado não só na promulgação de leis mas também na execução de políticas públicas para os idosos. “O Estatuto do Idoso, que entrou em vigência em 2003, foi um passo importante. Agora é preciso a implementação de políticas públicas, atividades educacionais, culturais, para que o idoso não precise viver em ostracismo”, reflete.


domingo, 30 de setembro de 2012

Recordações



Há momentos que precisamos contar com um apoio que chega sem a presunção do pedido, que seja sincero, amável, seja eterno.


E esta eternidade seja repleta de lembranças, de olhares e pensamentos que recordem sentimentos, gestos, abraços. Que seja completa e perfeita como o vento, que nunca cessa seu sopro, levando esperança aos que esperam.

Estes olhos sejam lembrados por tantas vezes brilharem a ver que a vida reinicia no amanhecer, por ter transmitido felicidade através de uma profundidade que poucos compreendem.
Este olhar que um dia observou toda uma vida, agora possa voltar a si mesmo, e contemplar um coração que muito viveu, muito suportou.
 Um coração que não cansa de bater, jamais cansou. Um coração que já se amargurou, já fez derramar lágrimas, bateu forte demais, já fez sorrisos serem transmitidos, e que já sonhou.

Estes sonhos sejam lembrados como utopias que se tornaram realidade, outras não. Sonhos almejados na simplicidade, outros até modificados, mas jamais esquecidos. Pois quem sonha não envelhece, contabiliza dias, que ao final, podem encerrar a conta com uma fortuna que não pode ser avaliada, somente relembrada.

Estes lábios sejam lembrados por suas palavras ditas para espalhar o amor, pelos sorrisos que surgiram de sorrisos alheios e, da mesma forma que apareceu em minha face, moldei em outras.


Estas mãos sejam lembradas pelas vezes que ajudaram a erguer outras mãos, pelas vezes que abraçaram firmemente aqueles que não queríamos que partissem. Estas mãos sejam valorizadas por serem tão calejadas.

E a saudade que sinto me faz lembrar que o amor ainda existe, que um dia pude chamar alguém para escutar minhas histórias, tantos causos! Seja para lembrar que os dias passam, mas podem ter continuação em outros. Esta saudade gostosa de lembrar tantas coisas, seja um auxílio para poder, um dia, reviver todas elas.


E os passos deixados para traz sejam para mostrar que um ideal foi seguido, que curvas foram feitas no meio do caminho, mas que ao final, tantas pegadas irão se encontrar. Estas pegadas, no meio do percurso, cruzou outras, até modificou direções. Algumas vezes já se perderam, mas souberam reencontrar o caminho.


Estes ombros possam ser lembrados pelas vezes que serviram de encosto. Pelas vezes que enxugaram algumas lágrimas.


E as vezes que pedi perdão sejam lembradas para mostrar que já errei, mas reconheci minhas falhas. Não tive razão em todas às vezes, mas procurei compreender. E assim eu não me esqueça o tanto que já vivi, e que minha vida significa muito para alguém, e jamais eu possa cansar de arriscar.


E que a vida seja lembrada por sua intensidade, pois cada momento já é o suficiente para lembrar que ser forte é continuar onde tantos param.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

TJRS reconhece possibilidade jurídica de casamento homoafetivo

 

por Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Quinta, 27 de Setembro de 2012 às 16:28 ·
Em decisão unânime, a 8ª Câmara Cível do TJRS reconheceu, no início da tarde desta quinta-feira (27/9), a possibilidade de que a união estável entre dois homens seja convertida em casamento. Com essa decisão, o pedido feito por casal de Caxias do Sul vai retornar ao 1º Grau para ser julgado. Sentença da Comarca de Caxias havia extinguido a ação sem julgamento por entender que era juridicamente impossível.

O relator do recurso ao TJ, Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, salientou que efetivamente o Código Civil, ao regular a realização do casamento, refere claramente que se trata da união entre um homem e uma mulher. Contudo, observou que decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.183.378/RS) reconheceu a possibilidade jurídica do casamento homoafetivo por considerar que o Código Civil não o veda expressamente.

"Sem margem a dúvidas, os indivíduos devem ser livres para escolher o parceiro conjugal", considerou o Desembargador. "Permitir-se que heterossexuais se casem e não os homossexuais, é ato discriminatório, é ato atentatório à igualdade perante a lei".

Lembrou ainda que a questão foi enfrentada também pelo Supremo Tribunal Federal (ADI nº 4.277 e ADPF nº 132), confirmando o entendimento pela possibilidade da união entre pessoas do mesmo sexo. "Se é juridicamente possível o reconhecimento de uma união estável homoafetiva, (...) não há por que não se permitir que seja convertida em casamento, aliás, como recomenda o art. 226, § 3º, da CF, ao determinar que a lei facilite essa conversão".

Acompanhando o voto do relator, o Desembargador Rui Portanova lembrou o julgamento de casamento homoafetivo ocorrido em 2008, do qual participou. Na ocasião, votou a favor do pedido, mas com os votos contrários dos demais magistrados, acabou vencido. “Com efeito, ali já estava clara a existência de lacuna do direito e a necessidade de sua colmatação com base constitucional nos princípios da não discriminação por sexo, igualdade e dignidade da pessoa”. Referiu que, na ocasião, "tínhamos 'o Direito', tínhamos boa 'Teoria' e tínhamos o 'Poder'. Faltava apenas o exercício regular do juízo do Poder Judiciário para o deferimento da pretensão das partes. Agora não falta mais nada".

O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos também votou no sentido de desconstituir a sentença que extinguiu a o pedido do casal, sendo determinado à Juíza de 1º Grau que julgue a demanda.

Caso

Os autores, de 25 e 38 anos, se conheceram em 2007 e mantêm um relacionamento estável desde agosto de 2008, quando passaram a residir juntos. Em outubro de 2011, formalizaram a união por meio de declaração de parceria civil e, em dezembro do mesmo ano, buscaram a Justiça para que a união estável fosse convertida em casamento. Decisão da 2ª Vara de Família de Caxias do Sul, em 17/2, extinguiu a ação por considerar o pedido juridicamente impossível.

Na apelação, os autores defenderam que a família, cujos direitos são resguardados pela Constituição Federal, existem nas mais diferentes composições, porém não são reconhecidas em razão de preconceitos ou de motivos religiosos. Sustentaram que a entidade familiar não é caracterizada por sua formação, mas pelo afeto, compromisso, auxílio mútuo, continuidade, companheirismo e felicidade.

Sustentaram ainda que cabe aos aplicadores do Direito preencher as lacunas deixadas pelas leis, citando julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça reconhecendo a união estável homoafetiva. Afirmaram ainda que somente com o reconhecimento da união será possível a inclusão do companheiro em plano de saúde, uma vez que a declaração de parceria civil não foi suficiente.

Texto: Mariane Souza de Quadros

Adoção conjunta pode ser deferida para irmãos

Fonte- espaço vital
Para a 3ª Turma do STJ, as hipóteses de adoção conjunta previstas no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente não são as únicas que atendem ao objetivo essencial da lei, que é a inserção do adotado em família estável. Com esse entendimento, a Turma negou provimento a recurso especial interposto pela União, que pretendia anular a adoção de uma criança feita por uma mulher, juntamente com seu irmão (já falecido).
A ação ajuizada pela União foi extinta, no Juizado da Infância e da Juventude da comarca de Porto Alegre, pelo juiz Breno Beutler Júnior, havendo recurso de apelação. A 8ª Câmara Cível do TJRS, apesar de não concordar com o magistrado quanto à inviabilidade da ação anulatória, julgou-a, no mérito, improcedente. Em seu entendimento, a adoção póstuma intentada por irmãos é possível.
O TJRS constatou que houve inequívoca manifestação de vontade do irmão (enquanto vivo) em adotar e que essa vontade apenas deixou de ser concretizada formalmente. Além disso, verificou nas provas do processo que havia fortes vínculos entre o adotado e o falecido, dignos de uma paternidade socioafetiva.
O relator foi o desembargador Rui Portanova.
No recurso especial, a União afirmou que a adoção póstuma (ajuizada por uma pessoa em nome de outra, que já morreu) só pode ser deferida na hipótese prevista no artigo 42, parágrafo 6º, do ECA. Além disso, alegou violação do artigo 42, parágrafo 2º, do ECA, segundo o qual, para a adoção póstuma, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, o artigo 42, parágrafo 6º, da Lei nº 8.069 (ECA), possibilita que a adoção póstuma seja requerida caso o adotante tenha morrido no curso do procedimento de adoção e seja comprovado que este manifestou em vida seu desejo de adotar, de forma inequívoca.
Para as adoções "post mortem" se aplicam, como comprovação da inequívoca vontade do falecido em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
De acordo com a ministra Andrighi, a inequívoca manifestação de vontade é condição indispensável para a concessão da adoção póstuma, figurando o procedimento judicial de adoção apenas como a concretização formal do desejo de adotar, já consolidado e exteriorizado pelo adotante.
Ela entendeu que a ausência de pedido judicial de adoção, anterior à morte do adotante, não impede o reconhecimento, no plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao adotado.
Segundo o julgado, o que define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, extraídos da existência de laços afetivos, de interesses comuns, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira, entre outros fatores. Isso não depende do estado civil dos adotantes.
A Turma, em decisão unânime, acompanhou o voto da relatora e negou provimento ao recurso especial da União.
A advogada Laura Normélia Feijó atua em nome do curador. (Com informações da Coordenadoria de Editoria e Imprensa e da redação do Espaço Vital - o número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial).