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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

14 livros- (Fabricio Carpinejar)

14 LIVROS




Fiquei arrepiado ao ver a lista de itens pessoais do deputado federal paulista Rubens Paiva, preso pelo regime militar em 20 de janeiro de 1971.
Quando ele entrou nos porões da ditadura para ser interrogado, entre seus itens pessoais, além de relógio, lenço e cartão de banco, havia 14 livros de diversos autores.
Ele tinha a consciência de que iria morrer, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que nunca mais poderia olhar a luz do sol, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que seria torturado pelos agentes da repressão, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a esperança de ainda ler 14 livros, apesar da sua morte iminente pelo DOI_CODI, apesar do seu desaparecimento certo dali para diante.
A esperança nada tem a ver com as circunstâncias. A esperança desafia as circunstâncias. A esperança é o nosso caráter.
Ele queria continuar aprendendo. E levou seus livros. Foi simples, foi verdadeiro. Com tempo ou sem tempo. Ele queria ler até o último de seus suspiros.
O que Rubens Paiva nos ensina?
Mesmo que tenhamos um só dia de vida, podemos amadurecer. Podemos melhorar. Podemos ampliar nosso conhecimento. Podemos nos superar.
Mesmo que tenhamos um só dia de existência, podemos plantar uma macieira, podemos amar melhor nossa mulher, podemos cuidar com capricho dos nossos filhos, podemos nos reconciliar com os pais.
Um dia é muito.
Um dia é nossa vontade de entender o mundo.
Um dia é nossa vontade de ser feliz.
Um dia são 14 livros.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

SENHORA MINHA MÃE

 




Foto de Leonardo Brasiliense

Ouvi meu amigo Manoel Soares conversando com sua mãe.

— Sim, Senhora
— Não, Senhora
Aquilo me arrepiou. Não me emociono quando um filho chama sua mãe de mãezinha, mainha, mamãe.

Eu me comovo quando um filho chama sua mãe de Senhora.

Não importa que ele esteja apressado, paciente, psicótico, nervoso, aflito, carente: chamará de Senhora em qualquer hora.

Dirigir a palavra para mãe como Senhora pode sugerir distanciamento, formalidade, solenidade. Pode indicar uma relação de frieza e ausência de diálogo. Por que não o nome? Um apelido? Ou simplesmente mãe?

Não vejo assim. É mais do que respeito: é reverência. É mais do que intimidade: é cuidado.

Senhora é um “com licença” e “eu te amo” misturados. É segurar o braço para atravessar a rua e as palavras.

Senhora é uma demonstração de afeto, uma homenagem às lições do passado, prova que fomos bem educados.

Quem usa nunca levantará a voz para a mãe. Nunca vai desrespeitar os mais velhos.

Só filhos muito chegados e próximos chamam a mãe de Senhora.

Preservam a influência maternal dentro de casa. Obedecem à sua opinião. Confiam nos seus conselhos.

Mãe que é senhora nunca termina abandonada num asilo.

Mãe que é senhora pede para falar e a família escuta com silêncio.

Senhora é dizer para a mãe que ela é muito importante. Que ela é insubstituível. Que ela nunca será dispensada.

Obrigado, senhora minha mãe.
 
Fabricio Carpinejar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A última aula


A última aula

Já estava nos momentos finais da aula: a última antes da minha aposentadoria. Com uma tristeza mal disfarçada percebi que aquela sala era a mesma onde havia começado minha vida acadêmica. Pura coincidência: minha última atividade como docente no Curso de Direito da UFSM, acontecia no mesmo local onde tive minha primeira atividade como jovem e orgulhosa acadêmica de Direito.

Mais uma coincidência: naquele momento ouvi batidas na porta, pedi licença aos alunos e, para minha surpresa, deparei-me com a velha senhora. Tratava-se de uma cliente a quem tinha atendido muitos anos antes, quando atuava como orientadora no Estágio Supervisionado. Ela disse que estava a minha procura para ter informações sobre um valor que lhe era devido pelo Estado desde 1994. Lembrei que foi um dos primeiros processos em que atuei com os alunos, onde ela teve reconhecida judicialmente sua condição de pensionista, como companheira do segurado do IPE, e até aquele momento não havia conseguido receber seus atrasados.

Aquela inesperada interrupção despertou lembranças escondidas que se revelaram com uma clareza inesperada. Dei-me conta de que, na função de orientadora do Estágio Supervisionado, vivenciei meus melhores tempos de professora universitária. Como estagiária, no mesmo local, também tive grandes alegrias, como no êxito obtido no pedido de relaxamento de uma prisão, que possibilitou a um presidiário assumir um cargo no concurso público em que havia sido nomeado. Momento mágico: uma jovem estudante de Direito entregando um alvará de soltura para o diretor do Presídio Regional de Santa Maria.

 No ano de 1979 fui apresentada ao mundo do Direito na UFSM. Passei cinco anos na chamada “Antiga Reitoria”, integrando sempre a mesma turma “11”: um grupo de acadêmicos unidos pelos mesmos interesses e ideais. Minha geração foi fundadora do Diretório Livre do Direito e a que experimentou a primeira greve dos docentes universitários. Assisti junto a eles o retorno da democracia no Brasil: lembro-me da vinda do então sindicalista Lula como palestrante em Santa Maria; acompanhei com meus colegas o retorno dos exilados políticos; o episódio da Guerra das Malvinas; o atentado do Riocentro; os primeiros passos para a nova constituição e o movimento pelas eleições diretas. Eram tempos difíceis: os jovens estavam confusos e ainda havia muita desconfiança no mundo acadêmico. Mas tínhamos esperança na busca de um novo Brasil. Nossa formatura foi em 1983. Momento de muita emoção, onde a alegria da conquista se misturava com a tristeza da separação e o medo do futuro.  

Retornei à instituição onze anos depois, desta vez como professora. Reencontrei alguns dos meus mestres, agora como meus colegas. Pouca coisa havia mudado no Curso de Direito: a mesma estrutura, o mesmo currículo, as mesmas obras na biblioteca, as mesmas salas e carteiras. Porém a qualificação dos alunos passou a ser muito maior, especialmente por conta da concorrência na seleção do vestibular. Foi um grande desafio e um privilégio trabalhar com esses acadêmicos. Suas expressões, olhares atentos e as perguntas inteligentes e instigantes, provocaram meu comprometimento para novas pesquisas e aperfeiçoamento.

 Nos dezesseis anos de atuação docente na UFSM, passei grande parte como orientadora do estágio supervisionado. Na “Assistência”, como carinhosamente chamávamos o Núcleo de Prática Jurídica, eu conheci e orientei alunos repletos de teoria e sedentos da prática, emoldurados pelo idealismo na busca da justiça.

No velho casarão, ao lado da “Antiga Reitoria”, a maioria desses jovens teve seu primeiro contato com o mundo profissional, interagindo com as mais diversas pessoas e os mais diferentes dramas. Jovens que se apresentavam como instrumentos de resolução dos problemas daqueles clientes e que, invariavelmente, surpreendiam-se pela confiança e expectativa que aquela população depositava neles. Muitas vezes as dificuldades práticas e os resultados obtidos os decepcionavam...

 Lembro-me de um aluno fazendo “plantão” no gabinete de um secretário municipal, para protestar pela cobrança da expedição de uma certidão pública, já que a própria Constituição determinava a gratuidade. Nunca me esquecerei de uma jovem estagiária levando pela mão uma pobre senhora idosa, subindo a rua em direção ao prédio do INSS, para encaminhar um benefício previdenciário. Recordo-me especialmente da algazarra e da alegria das turmas na expectativa e planejamento das formaturas, mas, ao mesmo tempo, o que mais lembro, é da seriedade e da responsabilidade daquela juventude no trato com o direito “vivo”.

Naquele velho casarão da Floriano Peixoto passaram muitas histórias de vida: o Senhor Leontínio, velho morador de rua, que, apesar de ter seu processo indenizatório vitorioso, não teve a chance de usufruir dos valores angariados, pois faleceu antes. Seus olhos cheios de lágrimas na sala de audiência, ao pegar na minha mão para dizer que não estava entendendo nada do que o juiz falava, em virtude de seu problema de audição, fez com que esse momento fosse marcante na minha vida profissional.

 Dona Alzira, que era como a Irene de Manoel Bandeira: negra, boa e estava sempre de bom humor. Ao conseguir êxito no seu processo de usucapião, na sala de audiência do fórum, ela ouviu a leitura da sentença como quem recebe um troféu.

 A jovem Suelen que, satisfeita, recebeu o Mandado de Retificação Civil, alterando seu prenome, antes registrado como Sueli, por causa da ignorância do pai, que não soube informar adequadamente ao oficial o desejo da mãe.

 A sadia discussão entre os alunos sobre qual a ação possessória a ser utilizada frente ao desespero da cliente que descobriu a violação da sepultura de sua mãe, ao encontrar, no Dia de Finados, o túmulo pintado de outra cor, ação dos familiares do “novo ocupante”.

 Tantas ações de alimentos, filiações, separações, reflexos dos desejos, necessidades e litígios que nascem na área familiar. Conflitos que demonstram a preponderância da emocionalidade humana que hoje é reconhecida como um valor jurídico. Todas essas histórias a serviço da formação acadêmica dos jovens ávidos de aprendizagem.

            Voltei à realidade, atendi a velha senhora e encerrei minha aula tentando conter as lágrimas e lutando pela firmeza na voz. Acho que meus alunos não perceberam minha tristeza. Na sala dos professores não havia ninguém para eu me despedir. Nem o quadro de formatura da turma de 1983 se encontrava mais pendurado na parede do corredor. Estava velho demais e foi para um depósito. No seu lugar, painéis mais modernos, com fotografias coloridas de rostos jovens e felizes.

 De forma melancólica, terminei a minha história com a UFSM evitando o velho elevador e descendo pelas escadas: do quarto andar para a agitação da Rua Floriano Peixoto, passando lentamente na frente do velho casarão da Assistência Judiciária.

 A presente crônica foi escolhida em 1º lugar no 6º Concurso de Crônicas da UFSM  Categoria Servidores Aposentados, em novembro de 2012. Todos os fatos aqui relatados são verídicos. 
Dedico essa conquista ao Sr Leontínio, morador de rua e um cliente inesquecível, que, em virtude da lentidão do nosso sistema jurídico, não conseguiu em vida usufruir de seu direito tardiamente reconhecido...

sábado, 10 de novembro de 2012

Anulação do casamento religioso

Católicos buscam anulação religiosa de casamentos

Nos últimos seis anos, 400 matrimônios foram considerados nulos pelo Tribunal Eclesiástico no Rio Grande do Sul


Itamar Melo | itamar.melo@zerohora.com.br Os casamentos católicos são considerados indissolúveis até a morte de um dos cônjuges, mas a Igreja deixou aberta uma porta que mais de 400 casais atravessaram nos últimos seis anos no Rio Grande do Sul: decretar que, apesar da cerimônia no altar, da bênção do padre, do testemunho dos padrinhos e do "sim" dos noivos, o matrimônio nunca existiu.
Para essa regressão do histórico nupcial à estaca zero, a condição básica é convencer os juízes do Tribunal Eclesiástico de que a boda não ocorreu de fato, porque não foi abençoada por Deus. Já há 59 nulidades homologadas no Estado em 2012.
A busca por esse tipo reconhecimento pode causar estranheza numa época em que o casamento religioso perde fôlego — o Censo revela que no Rio Grande do Sul já há mais gente em união consensual ou civil do que aqueles que subiram ao altar. No entanto, para quem é católico praticante e acredita na doutrina da Igreja, perseguir a nulidade faz todo o sentido.
O empresário de Cachoeirinha Andreo Pereira da Costa, 29 anos, diz que trocou alianças aos 19 anos motivado pela festa e para contrariar a mãe. Divorciou-se em 2006 e ficou com a guarda do filho, Bruno. Em 2009, foi confessar-se e descobriu que estava impedido de fazê-lo — porque tinha uma nova companheira, Lucilene, apesar de ser casado com outra aos olhos da Igreja.
Costa apresentou o pedido de nulidade em 2010. Foram oito meses até o reconhecimento em primeira instância e mais quatro para a decisão de segunda instância. A ex, que estava em um novo relacionamento e tinha outro filho, colaborou e prestou depoimento perante o Tribunal Eclesiástico.
— Aleguei falta de liberdade na decisão de casar. Foi um casamento para agradar uma pessoa, sem discernimento. Conseguir a nulidade foi muito importante, porque eu estava indo contra o que minha religião pregava. Minha vida melhorou muito, por uma questão espiritual. Foi uma libertação do pecado — conta Costa.
Uma motivação para o empresário era o desejo de um novo matrimônio na Igreja, possível apenas se o primeiro fosse considerado inexistente. Costa e Lucilene casaram-se em julho do ano passado, quatro meses depois de reconhecida a nulidade pelo Tribunal Eclesiástico.
— Dessa vez foi uma decisão consciente — afirma o empresário.
ENTREVISTA: monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do Tribunal Eclesiástico da Regional Sul 3 da CNBB
Os casos de nulidade no RS passam pelo monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial do tribunal eclesiástico de segunda instância que tem sede em Porto Alegre. Na entrevista a seguir, ele revela que aproximadamente 80% dos pedidos são julgados favoravelmente. Confira:
ZH — O que motiva as pessoas a apresentar o pedido de nulidade?
Inácio José Schuster — Muitas vezes, a razão é fazer outro casamento na Igreja. Mas também há pessoas que estão bem sozinhas e não querem casar de novo, mas pedem a nulidade.
ZH — O que é um casamento que não aconteceu?
Schuster — É um casamento em que os noivos não queriam casar e casaram por pressão ou conveniência social, por exemplo. Ou quando se esconde uma anomalia física, no sentido de ter filhos, ou uma anomalia psíquica.
ZH — Em que casos o pedido de nulidade é negado?
Schuster — Às vezes não há o que fazer, porque é preciso que a incapacidade ou desequilíbrio já existam antes do casamento, mesmo que sejam desconhecidos.
ZH — A ausência de relações sexuais justifica a nulidade?
Schuster — Também é um fator, porque o casamento deve ser consumado para ter valor, mesmo que tenham ocorrido várias relações sexuais antes de casar.
Algumas justificativas que podem ser apresentadas para configurar a nulidade do matrimônio religioso:
Erro de qualidades da pessoa: quando o cônjuge apresenta, depois do matrimônio, personalidade diferente
Incapacidade psíquica: quando o cônjuge tem histórico de características que, na visão da Igreja, o impedem de assumir as obrigações essenciais do matrimônio (ninfomania ou sadismo, por exemplo)
Exclusão de fidelidade: casos comprovados em que um dos cônjuges foi infiel. Só é aceito quando a traição ocorreu antes do matrimônio
Medo grave: quando o casamento ocorreu sob pressão psicológica e familiar.
Simulação: quando o cônjuge não assume o matrimônio e não acredita em sua indissolubilidade.
Dolo: quando alguma informação importante ou relevante sobre a vida da pessoa foi omitida ou contada de forma inverídica. São exemplos o cônjuge que escondeu já ter filhos ou a mulher que afirmava ser virgem, mas não era
Filhos: quando um dos cônjuges não quer filhos
Uso da razão: quando um dos cônjuges não tinha, no momento da celebração, uso da razão.
Impotência: pessoas incapazes de ter uma relação sexual completa
Crime: quem, para poder casar com uma pessoa já casada, mata o cônjuge dela ou mata seu próprio cônjuge para ficar viúvo

Ação de prestação de contas não serve para fiscalizar gastos com pensão alimentícia

 


A Quarta Turma entende que a ação de prestação de contas não é via processual própria para fiscalizar gastos com pensão alimentícia. Por maioria, os ministros decidiram que eventual reconhecimento de má utilização do dinheiro por quem detém a guarda do menor alimentando não pode resultar em nenhuma vantagem para o autor da ação, de modo que só os meios processuais próprios podem alterar as bases da pensão.

A decisão divergiu da posição do relator do recurso julgado na Quarta Turma, ministro Luis Felipe Salomão, e de parte da doutrina, que acredita ser essa via um eficaz instrumento de prevenção contra maliciosas práticas de desvio de verbas em detrimento do bem-estar do alimentando. O relator entende que é possível ao genitor manejar a ação em razão do seu poder-dever de fiscalizar a aplicação dos recursos.

A ação de prestação de contas está prevista nos artigos 914 e 919 do Código de Processo Civil e tem por objetivo obrigar aquele que administra patrimônio alheio ou comum a demonstrar em juízo, e de forma documentalmente justificada, a destinação de bens e direitos. Visa, sobretudo, verificar saldos em favor de uma das partes ou mesmo ausência de crédito ou débito entre os litigantes.

De acordo com o voto vencedor, conduzido pelo ministro Marco Buzzi, o exercício do direito de fiscalização conferido a qualquer dos genitores, em relação aos alimentos prestados ao filho menor, vai muito além da averiguação aritmética do que foi investido ou deixou de sê-lo em favor da criança.

Para ele, essa fiscalização diz respeito mais intensamente à qualidade do que é proporcionado ao menor, “a fim de assegurar sua saúde, segurança e educação da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por sua família”.

Segundo Marco Buzzi, a questão discutida no recurso não diz respeito à viabilidade de os genitores, enquanto titulares do poder familiar, supervisionarem a destinação de pensão alimentícia, mas a como viabilizar essa providência da forma mais efetiva. Ele acredita que o reconhecimento da má utilização das quantias pelo genitor detentor da guarda não culminará em vantagem ao autor da ação, diante do caráter de irrepetibilidade dos alimentos.

Além disso, afirmou o ministro, o valor da pensão foi definido por decisão judicial que somente poderia ser revista “através dos meios processuais destinados a essa finalidade”.

O recurso chegou ao STJ depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou extinta a ação de prestação de contas ajuizada pelo ex-marido, insatisfeito com a administração da pensão alimentícia pela ex-mulher, que tinha a filha menor sob seus cuidados.

Em três anos e dois meses, o ex-marido alegou ter pago cerca de R$ 34 mil de pensão, valor que excederia o gasto de um cidadão médio com uma criança. Ele pediu o recálculo da pensão.

O tribunal estadual entendeu que a mãe não era parte legítima para responder à ação, pois, na condição de guardiã e titular do poder familiar, detinha a prerrogativa de decidir sobre como administrar a pensão. A via processual era inútil, pois a eventual constatação de mau uso da verba não modificaria seu valor nem alteraria a guarda.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai alimentante, reconhecendo ausência de interesse processual.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.



Fonte: site do Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Fabrício Carpinejar- O que separou a família brasileira

O QUE SEPAROU A FAMÍLIA BRASILEIRA

Arte de Tom Wesselmann

Eu sei o que desuniu a família brasileira.
O momento em que ela abandonou o tradicional almoço em casa e procurou a rapidez do restaurante a quilo.
Quando ela se desinteressou por completo da residência. Quando trocou a diarista pela faxineira duas vezes por semana.
Quando começou a comprar comida congelada e economizar com os talheres. Quando abdicou do pãozinho da padaria do final da tarde.
Quando as saídas ao supermercado tornaram-se frequentes. Quando o intervalo do trabalho diminuiu consideravelmente.
Quando a vassoura sumiu de trás da porta. Quando o avental desapareceu do seu gancho.
Quando ter uma horta passou a ser irrelevante. Quando o pai não mais visitou sua oficina de marcenaria na garagem.
Quando a tabuleta de bem-vindo acabou dispensada. Quando o capacho se divorciou da porta.
Quando a mãe adiou o jardim. Quando a vista de fora superou o carinho da decoração.
Eu sei eu sei eu sei o instante exato da transformação. Foi na hora em que a gente parou de vestir o botijão de gás.
Aquele ato mudou a mentalidade da classe média.
Cuidar do botijão significava zelar pelos detalhes, pela aparência e ordem doméstica. Mostrava uma preocupação com o olhar das visitas. Um carinho com os coadjuvantes da rotina. Um capricho com as gavetas e despensas e forros e fundos e cantos e quinas.
Não se podia deixar o gás daquele jeito sujo e engraxado no coração de azulejos da cozinha. Correspondia a um ultraje, a falta de educação, a ausência de asseio.
Ele precisava estar agasalhado. Todos os objetos do mundo mereciam uma capa: os cadernos de aula, o filtro de barro, o liquidificador, os ternos no armário, os carros na garagem.
Os objetos tinham que durar: geladeira era para a vida inteira, o fogão era para a vida inteira, máquina de lavar era para a vida inteira. Não se pensava em trocar, não se guardava o certificado de garantia, absolutamente dispensável.
Minha mãe não largava os pedais da Singer nos finais da tarde, elaborava tampas coloridas para as compotas de doces ou revestimentos para penduricalhos.
É óbvio que costurava, mensalmente, uma saia de renda para o gás, aproveitando sobras dos tecidos da cortina.
Eu achava que o botijão fosse uma irmã.
Meu irmão caçula já considerava um menino e chamava sua roupa de poncho.
– Mas é floreado! – eu dizia. – Não existe poncho floreado.
Vestir o botijão revelava o quanto nos importávamos com o desnecessário.
O quanto tínhamos tempo livre para amar.
Tempo livre para amar a família.
Tempo livre.
 
fonte- ZN- 06/11/2012

sábado, 3 de novembro de 2012

Planejamento sucessório

 


Um velho ditado popular refere que “para morrer, basta estar vivo”. Nada é mais verdadeiro. No entanto, costuma-se fugir dessa verdade, e a possibilidade de se fazer um testamento é cogitada muito raramente entre os brasileiros. Quando alguém refere essa intenção, normalmente provoca certo assombro e logo é questionado sobre seu estado de saúde. Porém, essa não é a realidade em outras culturas, onde a sucessão testamentária é a regra geral. A partir da alteração da legislação brasileira civil de 2002, permitir que o patrimônio seja destinado, exclusivamente, de acordo com a previsão legal pode trazer resultados indesejáveis, muitas vezes passando a ser objeto de litígio. Assim é, especialmente, nas questões referentes à herança destinada ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente. As regras atuais provocam intermináveis discussões doutrinárias e têm apresentado diferentes soluções judiciais referentes ao tema. Tal fato provoca uma insegurança social nessa área, sendo aconselhável que as pessoas busquem informações corretas sobre a sua situação individual, planejando o destino de seu patrimônio, de acordo com a sua vontade e interesse, por meio de um testamento, ou mesmo de uma partilha em vida.

A liberdade de disposição sobre o destino de sua herança pode ser absoluta ou se limitar ao percentual de 50% do patrimônio, caso o testador tenha descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente. Um testamento pode ser feito por intermédio de um tabelionato (público ou cerrado), ou por um documento particular, com o testemunho de, pelo menos, três pessoas que irão garantir a sua veracidade perante o juiz de Direito.

Também é possível planejar e atenuar os efeitos indesejáveis no acometimento de uma doença fatal, por meio do chamado “testamento vital”. Nesse documento, a pessoa pode determinar medidas variadas a serem colocadas em prática por ocasião de sua incapacidade, ou nomear pessoa de sua confiança para a tomada das decisões relativas ao seu tratamento médico.

Tais documentos, simples e eficazes, atenuam o sofrimento do próprio doente e de seus familiares, evitando conflitos e litígios que podem ter efeitos ainda mais desastrosos. Todos os seres vivos morrerão um dia, mas esse momento, e os efeitos advindos dele, podem ser abrandados e menos dolorosos, possibilitando que possa ser encarado de uma maneira natural, como Fernando Pessoa referiu: morrer é simplesmente “não mais ser visto na curva da estrada”.

Advogada, professora e especialista em Direito de Família e Sucessões
BERNADETE SCHLEDER DOS SANTOS

    Publicado em 03/11/2012- Diario de Santa Maria