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domingo, 30 de junho de 2013

Corra, camarada - de CLÁUDIA LAITANO


ZH-29 de junho de 2013
 Um dos cartazes mais simpáticos das passeatas dos últimos dias era carregado por um pequeno grupo de senhores calvos e barrigudinhos: “Os jovens de 1968 apoiam os jovens de 2013¨.
1968 não é uma data, mas um emblema com mais de um significado. O 68 do cartaz provavelmente é o do combate à ditadura brasileira, o da passeata dos 100 mil, o do melancólico dezembro do AI-5. O Junho de 2013 brasileiro, porém, talvez se aproxime mais do Maio de 68 da França democrática – uma insurreição popular que saiu do controle dos partidos e acabou superando barreiras de idade, de classe e de coloração política.
O movimento francês começou com greves de estudantes, se fortaleceu com a repressão policial e acabou absorvendo causas diversas. Como hoje, havia um clamor por “mudança de valores”. Cartazes com ideias novas sobre família, sexo, educação e trabalho antecipavam muitas das mudanças de comportamento que seriam assimiladas nos anos seguintes em boa parte das democracias ocidentais. Havia insatisfação política, evidentemente, mas o que eclodiu em 1968 foi menos o tradicional conflito entre esquerda e direita do que o simples e belo desbunde generalizado. O 2013 brasileiro e o que vem acontecendo, desde 2008, em países tão diferentes quanto Islândia, Egito, Espanha e Estados Unidos, por diferentes motivos, têm em comum a forma como os movimentos se articularam na rede antes de chegarem à rua. Como aconteceu com o Maio de 68, o futuro deve se encarregar de confirmar o quanto esses movimentos apontam para alguma espécie de tendência global – como a revolução dos costumes dos anos 60 foi de certa forma anunciada pelas revoltas de Paris.
Desde já, cotejar as insatisfações dessas duas gerações de manifestantes, os baby-boomers de 68 e a Geração Y dos anos 2010, pode ser revelador. Nos anos 60, era o desejo que pedia passagem nos slogans da rua (“As reservas impostas ao prazer excitam o prazer de viver sem reserva”). Os jovens viam no professor, no pai, no patrão figuras que se colocavam entre eles e o cabelo comprido, o rock, o sexo sem compromisso. 
Nos anos 2010, o professor, o pai e mesmo o patrão se sentem coagidos a partilhar da visão de mundo dos jovens em vários aspectos. Seus pais (avós?) ganharam essa parada por eles: adultos não são o inimigo. (Slogan de Maio de 1968: “Professores, vocês fazem-nos envelhecer”. Slogan de Junho de 2013: “Professor, eu desejo a você o salário de um deputado e o prestígio de um jogador”.)
O que esses garotos querem se já podem quase tudo? Palpite: transferir para a esfera pública o poder a que se acostumaram na esfera privada, espanar as teias de aranha da democracia e, se possível, reinventar a pólis como outras gerações reinventaram a família e o trabalho.
“Corra, camarada, o velho mundo está atrás de você.” 1968 ou 2013? Tanto faz.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

IBDFAM opina pela rejeição do Estatuto do Nascituro

IBDFAM opina pela rejeição do Estatuto do Nascituro 12/06/2013

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
Christine Szeto

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) enviou no último dia 5, minuta pela rejeição do Estatuto do Nascituro (PL 478/2007) à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O PL é de autoria dos deputados Luis Bassuma e Miguel Martins, está em tramitação na Câmara dos Deputados, e foi aprovado recentemente na Comissão de Finanças e Tributação. A minuta foi elaborada pela Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM e defende, a partir da interpretação da Constituição, que não se pode confundir nascituro e embrião: o primeiro diz respeito ao ser humano já no contexto de uma gestação, o segundo se refere ao material proveniente da concepção, do encontro dos gametas masculino e feminino. De acordo com o texto enviado, esses termos não podem ser confundidos. "Equívoco percebido a todo instante ao longo dessa proposição legislativa. Portanto, para situações distintas, aplicam-se regras distintas, concluindo na máxima da proporcionalidade, trato diferenciado para cada etapa do ser”.

Outro equívoco e ilegalidade, de acordo com a minuta, diz respeito à ofensa aos direitos fundamentais da mulher. O Estatuto do Nascituro impõe a violação da integridade psicofísica da mulher, em detrimento do feto e do embrião, desprezando a ordem constitucional. O IBDFAM explica que o aborto deixou de ser ilícito nos casos de risco para a gestante. No Direito Penal brasileiro, a interrupção da gravidez ou o aborto integra o capítulo "Dos crimes contra a vida" (arts. 124 e 125 do Código Penal). Apenas duas situações são insuscetíveis de punição da prática: I - se não há outra forma viável de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez decorre de estupro e a interrupção da gravidez é precedida da anuência da gestante ou, se essa for incapaz, de seu representante legal (art. 128 do Código Penal). Além disso, o Supremo Tribunal Federal acrescentou a possibilidade de aborto nos casos de anencefalia, em votação da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 em 12 de abril de 2012.

“Por esse mesmo motivo, e ainda em desrespeito aos direitos fundamentais da mulher, padece de inconstitucionalidade a referida proposta legislativa, em legitimação do Estado, da paternidade ao estuprador e sujeitar a gestante a relações pessoais com o ofensor, nos casos de estupro. O Estado democrático de Direito é construído a partir do respeito pleno à liberdade, que, no caso, se expressa pela garantia de acatamento à escolha da gestante ou do casal de pais quanto à continuidade da gestação de feto, em casos de estupro, risco de vida na gravidez para a gestante e, anencefalia. Esse é o exercício constitucional dos direitos humanos”, conclui a minuta.

Para o jurista Paulo Lôbo, diretor nacional do IBDFAM, o Projeto de Lei colide frontalmente com as categorias consagradas do direito civil brasileiro, além de incorrer em equívocos e contradições. O jurista explica que o sistema legal atual tutela suficientemente o nascituro, como sujeito de direito, ainda que não constituído como pessoa, que depende do nascimento com vida. "A ele são assegurados direitos expectativos e não mera expectativas de direito (na expectativa, o direito ainda não se constituiu). Determinadas convicções religiosas não podem prevalecer em um Estado laico e republicano, que tutela os direitos fundamentais de todas as pessoas, de quaisquer crenças religiosas ou não, notadamente quando implicam retrocesso social e redução de direitos reconhecidos", completa.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O Estatuto do Nascituro e o terror



08/05/2013 - Debora Diniz via Correio Braziliense

Nascituro é um não nascido. A palavra parece ser um nó filosófico — como alguém pode reclamar ser uma negação existencial? Essa é a confusão ética em curso no Congresso Nacional com a proposta do Estatuto do Nascituro. Se aprovada, haverá mudança constitucional — o nascituro, hoje termo reservado aos dicionários e aos códigos jurídicos do século passado, será figura permanente entre nós. Os que defendem e os que se espantam com o Estatuto do Nascituro estão de acordo em um ponto: a discussão não se resume à controvérsia sobre como nominar células humanas fecundadas. É mais do que isso. A disputa é sobre dar ou não o estatuto de pessoa a células humanas.

Os defensores do Estatuto do Nascituro sustentam ser já pessoa humana um punhado de células recém-fecundadas. Por isso, insistem em descrevê-las como um “ser humano”. Importa saber se humano é descritor das células ou qualificador para direitos e obrigações. Como descritor, não há disputa: células produzidas por órgãos humanos são células humanas. Mas nem por isso um óvulo seria descrito como um “ser humano”. Mas, para os que entendem o nascituro como pessoa, as células recém-fecundadas são mais do que produtos do corpo humano: seriam personalidades jurídicas com direito a reclamar direitos e proteções ao Estado.

Nos meus termos e no de grande parte dos cientistas sérios, o nascituro é um conjunto de células com potencialidade de desenvolver um ser humano, se houver o nascimento com vida. Mas estamos falando de células humanas e de potencialidades. E é sobre as potencialidades que o Estatuto propõe direitos e obrigações absolutas ao Estado brasileiro. Algumas delas são superiores aos direitos das mulheres — uma menina que tenha sido violentada sexualmente por um estranho será obrigada pelo Estado a manter-se grávida, mesmo que com riscos irreparáveis à saúde física e psíquica. Os direitos e as proteções devidos à infância pelo Estatuto da Criança e do Adolescente serão esquecidos pela prioridade do nascituro à ordem social. Se um acaso impuser um risco grave à saúde com a gestação, a menina deverá morrer para fazer viver um nascituro fruto da violência.

O nascituro demandará ainda mais obrigações do Estado brasileiro. Uma delas tocará nos cofres e representará conquista que nenhum outro grupo vulnerável de carne e osso já conquistou no Brasil: nascituro que tenha sido gerado por estupro terá direito a políticas sociais prioritárias, entre elas serviços de saúde e de assistência social. Trata-se de focalização das políticas sociais como nunca antes desenhada pelas reformas da seguridade social — o nascituro terá “prioridade absoluta”, propõe o Estatuto. Em meio à riqueza criativa do documento para instituir benefícios, está a bolsa-estupro — nascituro que venha a nascer com vida terá direito a bolsa de assistência social de um salário mínimo até os 18 anos. A menina violentada, caso tenha sobrevivido ao parto, nem sequer é mencionada pelo Estatuto.

Há vários equívocos na proposta do Estatuto do Nascituro. A primeira delas é esquecer os vivos em detrimento de fantasias filosóficas. O nascituro é criação religiosa para dar personalidade jurídica às convicções morais de homens que acreditam controlar a reprodução das mulheres pela lei penal. São as mulheres — mães, esposas, irmãs e filhas — desses mesmos deputados religiosos ou não as que abortam e buscam assistência médica nos hospitais públicos e privados. Elas são mulheres comuns que temem a lei penal, mas sentem o pânico de um estupro como mais forte que a ameaça do inferno. O Estatuto do Nascituro é mais um ato de terror, só que agora do Estado contra elas. Além de ter sido vítima do violentador, a menina se descreverá como mulher violentada pelo Estado, que reconhece os direitos de um espectro de pessoa como superiores à própria existência.

DEBORA DINIZ - Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

domingo, 9 de junho de 2013

Direito sucessório de companheira igualado ao de cônjuge

TJGO reconhece companheira como única herdeira
Os integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) seguiram voto do relator, desembargador Francisco Vildon J. Valente e, mantiveram sentença de primeiro grau que reconheceu Izani Braz Machado como única herdeira de Antônio Batista Machado com quem tinha união estável.
A decisão singular negou pedido de Itamar Batista Machado, irmão de Antônio, que requereu a exclusão de Izani ao direito de herança. Assim como o juiz, o desembargador ressaltou que não se concebe nenhum tratamento desigual entre a companheira que vivia em união estável e o cônjuge. “Logo, inexistindo descendente e ascendente, independente do regime de bens, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”, disse, ao se referir a disposição que se conjuga com art. 1.829, III e IV, do Código Civil de 2002.
De acordo com o desembargador, o art. 1838 c/c art. 1.829, inciso III, do Código Civil contempla o mesmo direito do cônjuge à companheira , conferindo a sucessão exclusiva. “Isso, em observância ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana garantidos no Texto Constitucional”, destacou.
A ementa recebeu a seguinte redação: Agravo de Instrumento. Inventário e Partilha. Direito de Herança da Companheira do de Cujus Reconhecido. Direito Sucessório da Companheira à Totalidade dos Bens da Herança. Inexistência de Ascendentes ou Descendentes Diretos.1. Nos termos do artigo 226, §3º, da Carta Política promulgada em 1988, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 2. Em observância ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana garantidos no Texto Constitucional, contempla-se o mesmo direito do cônjuge à companheira, a fim de conferir-lhe a sucessão exclusiva, em observância à norma contida no art. 1.838 c/c art. 1.829, inciso III, todos do Código Civil. 3. Inexistindo descendente e ascendente direto do de cujus, independentemente do regime de bens, será deferida a sucessão por inteiro a companheira sobrevivente, disposição legal que se conjuga com o art. 1829, III e IV, do Código Civil de 2002, o qual estabelece a ordem da vocação hereditária. Agravo de Instrumento e Desprovido. (201292270527)" (Texto: Arianne Lopes - Centro de Comunicação Social do TJGO)

Alimentos para idosos - obrigação solidária


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS MOVIDA PELA GENITORA, IDOSA, CONTRA UM DOS FILHOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EXCEPCIONALMENTE SOLIDÁRIA, POR FORÇA DO art. 12 do estatuto do idoso (lei 10.741/03).

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA.

1) O ajuizamento de ação de alimentos pela genitora, pessoa idosa, contra o filho não enseja a formação de litisconsórcio passivo necessário.

2) O escopo do art. 12 do Estatuto do Idoso, de acordo com precedente do STJ e com a doutrina, ao estabelecer para os casos que disciplina a natureza da obrigação alimentícia como solidária, é beneficiar a celeridade do processo, evitando discussões acerca do ingresso dos demais devedores, não escolhidos pelo credor-idoso para figurarem no pólo passivo.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, POR MAIORIA.

Agravo de Instrumento

Oitava Câmara Cível
Nº 70053605408

Comarca de Caxias do Sul
L.M.K.F.
..
AGRAVANTE
H.S.K.
..
AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento ao recurso, vencido o Des. Luiz Felipe, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. Luiz Felipe Brasil Santos.
Porto Alegre, 16 de maio de 2013.


DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LUIZ M. K. F. contra decisão interlocutória que, nos autos da ação de alimentos movida por HILDEGARD S. K., entendeu desnecessária a inclusão de Marli no polo passivo da ação.

Refere que é filho da autora da ação de alimentos e, por isso, sua irmã deve integrar o polo passivo da ação como litisconsorte necessária.

Noticia que a recorrida transferiu para a filha, sua irmã, boa parte do patrimônio deixado pelo esposo, salientando que é Marli quem administra os bens da agravada e se locupleta de valores em benefício próprio, o que gera a falta de recursos para a mantença da mãe.

Afirma que todos os filhos são obrigados a prestar alimentos aos pais, ressalvando que sua genitora dispõe de plano de saúde, o que minimiza os gastos com médicos e exames.

Assevera que o processo, em verdade, está sendo movimentado pela irmã, e não pela mãe.

Requer a concessão da antecipação da pretensão recursal e, ao final, o provimento do agravo de instrumento, para que Marli seja incluída no polo passivo da ação (fls. 2/7).

Indeferida a antecipação da tutela recursal (fls. 199/200), a parte agravada apresentou contrarrazões (fls. 203/207), opinando a Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do reclamo (fls. 210/212).

É o relatório.

VOTOS

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (RELATOR)

Eminentes colegas, como relatado, o recorrente pretende a inclusão de sua irmã no polo passivo da ação de alimentos movida pela genitora, pessoa idosa, na condição de litisconsorte necessária.

Todavia, na esteira da decisão primeiramente proferida, a hipótese em tela não enseja a formação de litisconsórcio necessário, com a devida vênia.

Primeiramente, porque o art. 12 do Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741/2003) excepcionalmente estabelece, e de forma pleonástica, que a obrigação alimentar, nos casos em que disciplina, possui natureza solidária (“a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”), o que afasta a pretendida inclusão no pólo passivo.

Nesse sentido, cumpre salientar que o STJ, no julgamento do REsp n° 775.565-SP, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, interpretando esse dispositivo legal, destacou que a característica de não solidariedade (conjunta) dos alimentos, prevista no Código Civil, foi específica e excepcionalmente alijada, concluindo lucidamente que, “por força da lei especial, é incontestável que o Estatuto do Idoso disciplinou de forma contrária à Lei Civil de 1916 e 2002, adotando como política pública (art. 3º),a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade a efetivação do direito à alimentação. Para tanto, mudou a natureza da obrigação alimentícia de conjunta para solidária, com o objetivo de beneficiar sobremaneira a celeridade do processo, evitando discussões acerca do ingresso dos demais devedores, não escolhidos pelo credor-idoso para figurarem no pólo passivo. Dessa forma, o Estatuto do Idoso oportuniza prestação jurisdicional mais rápida na medida em que evita delonga que pode ser ocasionada pela intervenção de outros devedores. [...] Por fim, a Lei Especial, art. 12, permite ao idoso optar entre os prestadores, litigar com o filho que lhe interessar, [...]. Por conseguinte e em conclusão, não há violação ao art. 46 do CPC, por inaplicável na espécie de dívida solidária de alimentos. Forte nestas razões, e obediente à natureza solidária dos alimentos, ditada pelo art. 12 do Estatuto do Idoso, mantenho o dispositivo do acórdão recorrido, para limitar o pólo passivo da ação ao filho-devedor de alimentos indicado, porém, com fundamento diverso” (sublinhei).

A doutrina pátria tem sufragado essa compreensão, destacando que, não obstante a obrigação alimentar entre parentes seja recíproca e não solidária, a Lei n.º 10.741/2003 regulou diferenciadamente os alimentos devidos ao idoso, prescrevendo em seu artigo 12 ser solidária, podendo o credor escolher o prestador (assim, v. g., Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em “Novo Curso de Direito Civil, Direito de Família – As Famílias em Perspectiva Constitucional”, Saraiva, 3ª Ed., p. 687; Rolf Madaleno, em “Curso de Direito de Família”, 4ª Ed., Forense, p. 851).

Não fosse isso o bastante, por si só, para determinar o desacolhimento da pretensão recursal, há que se levar em conta também a informação de que Marli é quem cuida da recorrida atualmente, dedicando-se a isso praticamente em tempo integral, já que Hildegard é pessoa idosa e está com a saúde debilitada (fls. 12, 109 e 177), comportamento que, além dos gastos suportados, traduz auxílio material por parte de Marli, tornando desnecessário que a demanda seja contra ela direcionada.

Assim, a manutenção da decisão agravada é medida que se impõe, com o que concorda o culto Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Vaz Seelig (fls. 210/213).

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.


Des. Rui Portanova (PRESIDENTE)

Estou acompanhando o eminente Relator.

Entendo que, de uma forma ou de outra, a aplicação do Estatuto do Idoso em casos como o presente representam verdadeira “ação afirmativa” em favor do idoso.

Logo, resta viável a aplicação do que se convencionou chamar de “discriminação justa”.

Nesse passo, com vistas à necessidade da busca de uma igualdade material, é possível – como no caso – a indicação de uma dos filhos para atender as necessidades dos pais, sob a forma de alimentos.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos

Com a máxima vênia, divirjo.

Penso que o art. 12 do Estatuto do Idoso é um grande equívoco terminológico do legislador (que utilizou o termo "solidária" em sua forma leiga, não jurídica) e não contraria o caráter divisível e não solidário da obrigação, em qualquer hipótese. Dizer que a obrigação é SOLIDÁRIA significa afirmar que o idoso pode escolher um só dos filhos para que este atenda 100% de suas necessidades, deixando os demais isentos... Não parece razoável isso. Mais: além de não ser razoável é ilógico, pois os alimentos são sempre e necessariamente fixados levando em conta o binômio necessidade-possibilidade. Logo, a fixação da verba será sempre e necessariamente em valor individualizado. IMPOSSÍVEL haver solidariedade, sob pena de quebra do próprio pressuposto da obrigação, qual seja o binômio mencionado, sempre informado pelo princípio da proporcionalidade!

Ademais, afirmar que não há solidariedade, não significa dizer que há litisconsórcio NECESSÁRIO, mas, sim, LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ULTERIOR SIMPLES, como afirmei, dentre outros, no seguinte precedente:
APELAÇÃO CÍVEL. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. Impõe-se o chamamento à lide os demais irmãos dos demandados, na forma autorizada expressamente pelo art. 1.698 do Código Civil.
Não se trata de solidariedade (que não existe) e nem de litisconsórcio necessário, mas, da formação de um litisconsórcio facultativo ulterior simples, forma especial de intervenção de terceiro, criada no atual Código Civil como meio de tornar mais efetiva a prestação jurisdicional em situações como esta, em que, embora não havendo solidariedade, há uma obrigação conjunta que deve ser rateada entre os co-obrigados, na proporção de suas possibilidades. Desse modo, havendo, no caso, pedido por parte daqueles irmãos que foram demandados, impõe-se seja acolhido, a fim de chamar à lide, na forma do art. 1.698 do CC, os demais.
POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, PREJUDICADA A APELAÇÃO, VENCIDO O DES. RELATOR." (Nº 70043660034)

Assim, estou em divergir para, na forma autorizada pelo art. 1.698 do CCB, deferir a citação da outra irmã, até para que se possa verificar as verdadeiras necessidades da autora e a possibilidade de cada co-obrigada.

Nesses termos, DOU PROVIMENTO.

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70053605408, Comarca de Caxias do Sul: "POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O DES. LUIZ FELIPE."


Julgador(a) de 1º Grau: MARIA OLIVIER

segunda-feira, 3 de junho de 2013

STJ se pronuncia sobre a ampliação da impenhorabilidade do bem de família

Extraído de: Instituto Brasileiro de Direito de Família - 28 de Maio de 2013

 

 
 Nesta segunda-feira (27), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis de um devedor, aquele onde ele mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas, nascidas de relação extraconjugal. A decisão foi pautada no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, para garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo e resguardar o direito fundamental à moradia.
Para o promotor Cristiano Chaves de Farias (BA), diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão serve de paradigma a orientar os juízes e tribunais brasileiros, despertando a ideia de que a família protege pessoas e que não é preciso ser o modelo tradicional ou casamentário de família para merecer a proteção jurídica. Ele avalia que o precedente aberto pelo STJ com essa decisão orientará uma concepção de família múltipla, plural, ampliando a proteção da pessoa humana e do direito constitucional à moradia, consagrado pelo art. 6 º da Carta Constitucional, como um direito fundamental.
O caso
O devedor, ao ser intimado para penhora, alegou que o imóvel em que vivia era bem de família e indicou, em substituição, um segundo imóvel. Após a substituição do bem penhorado, o devedor alegou que este também era impenhorável por se tratar igualmente de bem de família. Disse que neste segundo imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas.
Como a Justiça não reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe, representando as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel em que residiam. A penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJMG reformou a decisão. Por maioria de votos, o TJMG decidiu que a relação concubinária do devedor não poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação em vigor.
A Terceira Turma do STJ reformou esse entendimento, considerando que a impenhorabilidade do bem de família visa a resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, como na hipótese, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra composta pelas filhas de um deles.
Toda família merece proteção do Estado
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça não existe qualquer distinção entre os diferentes meios de constituição de uma família. Explica o promotor Cristiano
de Farias que, essa "parametrização" do STJ atende à diretriz do caput do art. 226 da Constituição da República: toda e qualquer família merece especial proteção do Estado, ou seja, a decisão reforça a ideia de que não há hierarquia nas formas de família, bem como não há distinção entre filhos gerados dentro e fora do casamento.
Pode-se inferir da decisão, conforme Cristiano Chaves, que o Judiciário avança no sentido de reconhecer a legitimidade das famílias simultâneas. A simultaneidade dos núcleos familiares há de ser admitida na ambiência da proteção da pessoa humana. A família serve para proteger as pessoas que a compõem. Por isso, justifica-se a tutela jurídica decorrente da decisão, assegura.
O promotor destaca, ainda, que a decisão priorizou a proteção especial à pessoa humana e ao direito à moradia, consagrando uma concepção instrumental de família.
Autor: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)

sábado, 1 de junho de 2013

MINHA CADELINHA DEFICIENTE


 

Foi encontrada no meio dos carros, no estacionamento de um ginásio de futebol. Não sei se estava perdida ou abandonada, mas já era uma jovem cadelinha com pelo dourado e brilhante. Meu marido a trouxe para casa porque tinha grande risco de ser atropelada naquele local. Se “aquerenciou” rapidamente na nossa casa. Também muito rapidamente demonstrou sua forte personalidade, sempre muito atenta e defensora de seu espaço. Rapidamente ganhou o respeito dos outros cães. E foi assim com mais de uma geração deles, porque ela sobreviveu a muitos outros animais de estimação.

Muito cedo, na primeira vez em que a levamos no veterinário, soubemos que aos poucos deixaria de caminhar, por ter uma lesão na coluna. Porém, nunca desistiu de se movimentar sozinha. Primeiro usando apenas as patas da frente. Fraturou nessa prática um dos membros dianteiros e a sua cauda. Depois perdeu o movimento de um de seus bracinhos e os ossinhos de uma das patas também se quebraram pelo grande esforço que fazia nas suas tentativas. Passou então a rolar sobre si e foi assim até o final de sua vida. Sobreviveu a uma cirurgia para a retirada de um tumor contra todas as expectativas dos profissionais que lhe atenderam, e manteve-se viva por mais de quinze anos, para surpresa de todos que a conheciam.

 Assim era a Sacha, minha companheirinha incansável. Acostumei a tê-la do meu lado em todos os momentos: quando trabalhava no escritório, quando cozinhava, quando estava pelo pátio, e até quando ia dormir, num canto do quarto de onde ela podia me ver. Sempre a carregava com a sua caminha, seu potinho de água e ali ela permanecia inteiramente relaxada, observando atentamente a tudo, e reagindo quando algum dos outros cães se aproximava.  Quando chegavam visitas ela latia e tentava se aproximar e participar de tudo, especialmente quando era algum “conhecido”, a quem ela fazia questão de cumprimentar.

O tempo, porém a venceu. Seus olhos antes tão curiosos e atentos passaram a expressar medo e desconhecimento, como se não mais soubesse onde estava. Apesar de abraçá-la e lhe falar com carinho, não mais conseguia acalmá-la. As dores se acentuaram, ela passou a beber muita água e demonstrar uma ansiedade e uma angústia que nos fazia sofrer junto.  O câncer, que já tinha voltado a se manifestar na pele e na sua boca, passou para o pulmão. Nada mais pode ser feito a não ser permitir sua partida.

Aquela bolinha de pelo dourado e aqueles olhinhos vivos e atentos já não mais nos acompanham, pelo menos nesse plano terrestre. Desejo sinceramente que ela esteja em um lindo lugar aonde tenha conseguido voltar a correr, latir, defender seu território com a saúde e a vitalidade de quando nós a encontramos. Nós, neste lado ainda, conservaremos a lembrança de uma pequena cadelinha dourada que viveu exclusivamente para a família que a acolheu, que lhe amou e recebeu como pagamento o seu amor e devoção incondicional.