A imagem congelou na minha mente e
certamente na de todos que a viram. Um menino com quatro anos de idade envolve
com seu corpo, num abraço intenso, a irmãzinha com aproximadamente dois anos de
idade. A legenda apenas os identifica como vítimas da tragédia do Nepal. Nada
mais precisaria referir, pois qualquer outra informação seria desnecessária. O
instinto de proteção e de sobrevivência bem como o afeto ali se encontra retratado,
são sentimentos que transbordam pela simples visão.
O que pode levar uma criança de
apenas quatro anos se sentir responsável pela segurança de outra criança de
dois anos? A responsabilidade e a solidariedade seriam inerentes aos seres
humanos? Se assim o forem poderiam se perder no decorrer da vida? Somente a convivência
familiar é capaz de criar essa ligação tão profunda.
As relações que se estabelecem
através da convivência diuturna faz com que essas cenas sejam possíveis.
Proteção, segurança, cuidado é que se espera entre aqueles que cultivam mútuo
afeto. Esse é o papel da família, é tudo o que se espera nas relações entre
pessoas que participam de uma comunhão de vida.
Numa ocasião, ao falar sobre a
história da adoção para meus alunos, destacava que, ao contrário da função
social que hoje ela tem, o seu objetivo prioritário era dar filhos a quem não
os podia ter, pois a preocupação com a descendência sempre foi inerente ao ser
humano, até mesmo pelo necessário amparo em sua velhice. Notei expressões de
surpresa e mesmo de repúdio no rosto daqueles jovens, como se essa necessidade
fosse algo condenável. No entanto, por que esse não pode ser um dos objetivos
de ter filhos? Por que o ser humano deve ser sempre responsável pela nova
geração e ser abandonado na sua velhice? Amar também é cuidar e proteger, e
essa proteção devem ser uma via de duas mãos. Esse é o sentido da família.
Sentido de troca, de compartilhamento, entre todas as gerações.
Envolvida com uma brincadeira com
meu neto, hoje com quatro anos de idade, ele pareceu admirado com minha participação,
e exclamou: Vovó tu és minha amiga de
mais idade... No início não entendi exatamente o que ele quis referir, e
perguntei: E você, que tipo de amigo é para
mim? Ele respondeu: Sou teu amigo de “média” idade.. se eu tivesse dois anos, seria teu amigo de “pouca “
idade”. Não sei exatamente qual o
sentido que ele dá para essa “idade”, mas percebi que o tempo entre as pessoas
que se amam é diferente, pois o afeto o relativiza. Hoje penso ser a
“protetora” de meu amigo de “média” idade, mas talvez, daqui a algum tempo, ele
passe a ser meu protetor. Assim o espero..
ter direito de integrar e participar dessa família que ajudei a formar até os
fins de meus dias, mesmo que seja para ser protegida simplesmente através de um
abraço intenso, por alguém que se sinta responsável por mim...
(publicado- Diário de Santa Maria: 20/05/2015)