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domingo, 29 de março de 2015
Em nome de Bernardo...
O caso Boldrini, que chocou o Brasil, pode despertar uma grande indignação se o pai do menino for inocentado pelo crime de homicídio. Ocorre que ele é seu herdeiro direto e a legislação brasileira prevê a exclusão do direito à herança apenas em casos específicos. São eles: crime de homicídio, crimes contra a honra e contra a liberdade de testar. Essa restrição aos casos de indignidade de herdeiro é criticada pelos operadores do direito, mas somente é lembrada quando crimes que causam comoção social vêm à tona. Como exemplo, tem-se o fato ocorrido em 2002, em São Paulo, quando Suzane Von Richthofen foi condenada pelo homicídio de seus pais. Tal crime estimulou a proposta legislativa, ainda em tramitação, de que a exclusão da herança passasse a ser um efeito da sentença penal, e não ficasse na dependência da ação cível por iniciativa dos interessados, como ainda vigora.
O abandono afetivo, a indiferença e a falta de cuidados paternos, evidenciada claramente no fato, não é incluída como causa de exclusão de herança, por mais que isso traga uma grande indignação social. Nossos parlamentares devem buscar resolver essas omissões legislativas, causadoras de um sentimento de absoluta injustiça.
Deve-se ainda referir que esse caso concreto é uma exceção, pois a herança deixada por descendentes para seus ascendentes é rara. Porém, o mesmo abandono afetivo e indiferença são rotineiros quando se trata da relação inversa, ou seja, quando os pais, já idosos e vulneráveis, são abandonados pelos seus filhos. Essa realidade é muito mais comum, atingindo várias famílias. No entanto, no momento da morte, a direito à herança é pleiteado com ênfase, afinal é um direito constitucional.
Porém, mesmo que tal reforma venha a se concretizar, inserindo-se o abandono afetivo como causa de indignidade, essa mudança não atingirá a herança de Bernardo, porque a legislação aplicável será àquela em vigor no dia de sua morte. Que a lei venha então em seu nome e em sua homenagem, para que aqueles que têm o dever de cuidado com seus familiares sofram a consequência de seus atos: a perda patrimonial traduzida pela exclusão da herança.
O menino e a baleia
Dia de sol na beira da lagoa. Lugar perfeito para uma brincadeira com bola. Meu netinho, já cansado dos adultos, anseia por um companheiro de sua idade para brincar. Chega um rapaz acompanhado pelo seu filho, com quatro ou cinco anos de idade. Meu neto, imediatamente vai ao seu encontro oferecendo a bola, que o menino aceita imediatamente. As crianças começam a brincar, enquanto o pai da criança se acomoda em um banco, serve-se de um chimarrão e começa a mexer em seu celular. Enquanto escuta músicas antigas, parece telefonar ou mandar mensagens. De longe acompanhamos a brincadeira das crianças, que tem o mesmo porte físico. A brincadeira evolui, mas a habilidade futebolística do menino chama a atenção. Parece ter nascido para ser jogador de futebol. Brinca com a bola todo o tempo, dribla meu netinho, faz piruetas, e não quer soltar a bola. Sua destreza nos chama a atenção, a ponto de brincarmos que poderia ser contratado por qualquer clube desde essa idade. De forma disfarçada, observo o pai da criança. Pela minha experiência, como advogada na área de Direito de Família, imagino que seja um pai divorciado, exercendo o direito de visitas ou a partilha de férias com seu filho. Deduzo isso pela sua inexperiência, tanto pela forma de como a criança está vestida, bem como pelo seu despreparo em nada levar ao “passeio” para atender as necessidades da criança. Não tarda muito e o menino vem nos pedir água “bem geladinha”. As horas passam e esse pai em momento algum levanta seus olhos do aparelho celular. Deve ouvir os gritos e as risadas das crianças, mas não vê nenhuma das jogadas do filho, nem percebe que várias pessoas admiram o futebol do filho. Após algum tempo, guarda a cuia de chimarrão, desliga o celular e se levanta do banco. Olha ao redor e chama o filho para ir embora. A criança resiste e, então, nos aproximamos para conversar. Ao falarmos sobre o gosto pelo futebol e pelas habilidades demonstradas pela criança, o pai parece surpreso e responde que “ele nem joga muito”. Agradece e se despede. A criança vai embora de mãos dadas com o pai. Ao longe, se vira e nos acena com um sorriso no rosto. O pai segue caminhando e retoma o celular na mão. Lembrei então de uma cena que vi recentemente na INTERNET: um fotógrafo flagra um rapaz a bordo de um barco, cabeça baixa, totalmente absorto com seu aparelho celular. Ao seu lado aparece, emergindo das águas uma baleia lindíssima, seu enorme corpo negro brilha com a luz do sol, e ela desaparece novamente no mar. O rapaz não a vê, nem sequer nota que foi fotografado, continua ocupado em seu mundo virtual.
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