Costumo nominar as ações judiciais em que trabalho com o nome de meus clientes. Neste caso, usarei um pseudônimo- caso Soraia, para relatar uma interessante ação declaratória de união estável: O casal Alfeu e Soraia estabeleceram uma intensa relação afetiva enquanto ele ainda estava legalmente casado. A diferença de idade entre ambos era superior a trinta anos, mas a constante convivência fez nascer uma verdadeira história de amor. Após seis meses de relacionamento oculto, nominado juridicamente de concubinato, o casal resolveu assumir a relação e Alfeu separou-se da esposa, e passando a coabitar com a companheira. Viveram momentos de intensa intimidade, seu relacionamento era público e a comunhão plena de vida era visível para todos os que conviveram com o casal. Apesar de Alfeu já contar com oitenta anos de vida, ele tinha uma energia inesgotável e fazia muitos planos para o futuro do casal. Aguardou ansioso o seu processo de separação judicial, pois pretendia ingressar com o pedido de divórcio e finalmente se casar com Soraia. No entanto o destino assim não o quis. Após oito meses da união estabelecida publicamente, Alfeu faleceu repentinamente. Em três meses de doença esteve unicamente sob os cuidados incansáveis de Soraia. Teve a companheira a seu lado como queria, para o resto de sua vida. Soraia, que havia mudado totalmente a sua vida apostando tudo naquele relacionamento, teve sérios prejuízos financeiros, pois como profissional liberal teve que abandonar sua fonte de renda para cuidar do companheiro. Não chegaram a adquirir patrimônio em comum. Nada para dividir, nada para ampará-la, uma vez que ele deixou uma filha, com quem não tinha um bom relacionamento e que se manteve afastada durante todo o período de doença e, como seria de imaginar, se desentendeu com o pai em virtude de tal relacionamento. O objetivo do pedido de reconhecimento da união estável diz respeito à pensão previdenciária. Quem a está recebendo é a ex-esposa, que teve o benefício da pensão alimentícia definido na separação e, portanto, teve direito à previdência. Soraia tem que lutar na justiça com preconceitos relacionados com a diferença de idade do casal; com o fato de Alfeu já ter oitenta anos quando assumiu a relação, como se isso automaticamente lhe tornasse incapaz e, principalmente e com o fato de o relacionamento público, contínuo, com objetivo de constituir família, requisitos da união estável, teve uma duração de oito meses. Se o casal tivesse tido tempo de casar, e hoje isso seria possível com o divórcio direto sem o requisito temporal, nada seria questionado com relação aos seus direitos, mesmo que o falecimento de Alfeu tivesse se dado logo após a celebração do matrimônio. O legislador foi sábio em retirar da lei o tempo definido para a caracterização da união estável (cinco anos), mas é necessário que o critério abstrato “duradouro” seja visto casuisticamente e despido de preconceitos. Sobre a questão, transcrevo as sábias palavras do ex-desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, na recentíssima obra Direito de Família Contemporâneo , quando comenta a evolução dos direitos na relação da união estável:
A finitude da vida impõe que a atividade humana esteja apegada ao tempo...daí que o debate judicial persegue em cadência ordenada, organizando-se em instantes temporais, até mesmo para manter o arranjo e preservando o direito das partes, que se movimentam confiantes em direitos e obrigações... O concubinato nasceu clandestino e por isso liberto de compromissos sanzonais, mas na medida em que ganhava dignidade jurídica e as parelhas se abrigavam em tetos comuns, erigiu-se a necessidade de fixar sua duração como pressuposto do reconhecimento. As regras que surgiram para prestigiar a concubina, oriundas de fontes previdenciárias ou para afiançar dependência ou outras vantagens, impunham o respeito a determinado tempo de vida conjunta, um limite ou termo, cuja transgressão afastava o benefício buscado. Assim aconteceu com as primeiras regulamentações infraconstitucionais a respeito da união estável. Porém a Carta Magna não estipulou tempo de duração e a prática jurídica demonstrou que a rígida observância de um tempo estipulado provocou inúmeras injustiças, em especial pela dificuldade da prova do início da relação, e muitas vezes, quando ocorria o fim da relação estável pelo fato natural da morte. A doutrina e os tribunais agem de modo pendular, ora indicando prazo, ora se abstendo de admiti-lo fixo, em vista, aqui, do engessamento temporal de uma relação amorosa, que pode subsistir durante alguns meses ou anos, consolidando-se como “definitiva enquanto dure”(...) A redação do Código, eliminada a exigência de tempo para identificar a união estável, foi aplaudida, eis que o estabelecimento de prazo afasta a tutela legal de determinadas situações que a ela fariam jus ou dariam ensejo a manobras de fraude à lei com interrupções forçadas de convivência às vésperas da consumação temporal, frustrando os seus efeitos jurídicos, como na morte do companheiro. (...) Ora, o que importa é que nessa convivência haja afeição recíproca, comunhão de interesses, conjugação de esforços em benefício do casal e da prole, se houver, respeito, assistência material e moral, companheirismo. ( José Carlos Teixeira Giorgis, 2010, p. 115)
A finitude da vida impõe que a atividade humana esteja apegada ao tempo...daí que o debate judicial persegue em cadência ordenada, organizando-se em instantes temporais, até mesmo para manter o arranjo e preservando o direito das partes, que se movimentam confiantes em direitos e obrigações... O concubinato nasceu clandestino e por isso liberto de compromissos sanzonais, mas na medida em que ganhava dignidade jurídica e as parelhas se abrigavam em tetos comuns, erigiu-se a necessidade de fixar sua duração como pressuposto do reconhecimento. As regras que surgiram para prestigiar a concubina, oriundas de fontes previdenciárias ou para afiançar dependência ou outras vantagens, impunham o respeito a determinado tempo de vida conjunta, um limite ou termo, cuja transgressão afastava o benefício buscado. Assim aconteceu com as primeiras regulamentações infraconstitucionais a respeito da união estável. Porém a Carta Magna não estipulou tempo de duração e a prática jurídica demonstrou que a rígida observância de um tempo estipulado provocou inúmeras injustiças, em especial pela dificuldade da prova do início da relação, e muitas vezes, quando ocorria o fim da relação estável pelo fato natural da morte. A doutrina e os tribunais agem de modo pendular, ora indicando prazo, ora se abstendo de admiti-lo fixo, em vista, aqui, do engessamento temporal de uma relação amorosa, que pode subsistir durante alguns meses ou anos, consolidando-se como “definitiva enquanto dure”(...) A redação do Código, eliminada a exigência de tempo para identificar a união estável, foi aplaudida, eis que o estabelecimento de prazo afasta a tutela legal de determinadas situações que a ela fariam jus ou dariam ensejo a manobras de fraude à lei com interrupções forçadas de convivência às vésperas da consumação temporal, frustrando os seus efeitos jurídicos, como na morte do companheiro. (...) Ora, o que importa é que nessa convivência haja afeição recíproca, comunhão de interesses, conjugação de esforços em benefício do casal e da prole, se houver, respeito, assistência material e moral, companheirismo. ( José Carlos Teixeira Giorgis, 2010, p. 115)
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