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A poção do amor é um dos mitos mais antigos e revisitados da ficção. Se a fantasia de um poder externo capaz de sobrepor-se às insondáveis – e indomáveis – razões do coração é tão fascinante, talvez seja porque todo mundo, um dia, já sonhou em ter à mão algumas gotinhas desse líquido fantástico.
Uma gota e a pessoa amada começaria a ver em você todas as qualidades que você vê nela. Uma gota e aquele casamento morno de 20 ou 30 anos voltaria a ficar novinho em folha, como nos tempos do namoro. Apenas uma gota e um amor que já tinha feito as malas e alugado um novo apartamento voltaria atrás e daria uma nova chance à paixão que parecia extinta. Uma gota e você se apaixonaria pela pessoa "certa" – e não por aquela que seus pais e seus amigos acham que não combina com você.
Poucas coisas se prestam tanto ao pensamento mágico quanto o amor e o desejo. Na cabeça e no coração de quem ama, a força do sentimento é tão palpável que parece quase natural que adquira a capacidade mágica de mudar o que está em volta a seu favor. Na realidade, não controlamos nem mesmo aquilo que sentimos, que dirá o que os outros sentem. A indústria farmacêutica já promete concentração, felicidade e até mesmo paz de espírito, mas ainda não se arriscou a inventar uma poção como a que fez Tristão e Isolda se apaixonarem contra a vontade e a razão. Isso porque na própria origem do desejo está o que não faz sentido, o que não se controla – ou cura. Desejo é aquilo que Chico Buarque conseguiu descrever sem precisar dar-lhe um nome: "O que não tem governo nem nunca terá/ o que não tem vergonha nem nunca terá/ o que não tem juízo".
Neste absurdo debate sobre autorizar ou não profissionais a prometerem uma "cura gay", o que mais assusta não é a homofobia intrínseca, a tentativa de patologizar a condição humana ou o fato de a lei contrariar o bom senso e a opinião de todos os especialistas sérios do mundo, mas a possibilidade de oficializar uma prática que é tão séria e honesta quanto as poções do amor da Idade Média ou aqueles anúncios que prometem trazer de volta a pessoa amada em três dias. Um mico legislativo de proporções king-kônicas.
Alguns deputados não têm qualquer vergonha ou juízo – nem nunca terão.
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