Jornal Zero Hora, 24/09/2014
A decisão judicial no caso de multiparentalidade de Santa
Maria vem despertando as mais diversas reações: desde as favoráveis, apoiando a
iniciativa; até as mais ferrenhamente desfavoráveis, lastreadas nos mais
diversos sentimentos. Justo, é livre a manifestação do pensamento. Existem
milhares de processos em tramitação no Judiciário brasileiro, nos quais pessoas
buscam o direito de reconhecimento de um pai, ou seja, lutam pelo direito de
ter uma identificação paterna em sua documentação.
Maria Antônia é privilegiada. Foi reconhecida
antecipadamente pelos pai e mãe biológicos e ainda ganhou uma mãe socioafetiva.
Três famílias extensas participaram de seu pré- natal, comemoraram seu
nascimento e lhe dão afeto, amparo e proteção. É uma história verdadeira
coberta de sensibilidade e humanismo. Por isso a certeza de que a decisão não
importará em qualquer reflexo negativo a Maria Antônia, que desde cedo crescerá
sabendo da verdade e recheada de carinho e afeto pelos pais.
A não aceitação neste ou naquele grupo social é um fato
social e, com certeza, não será pelo motivo de possuir uma certidão de
nascimento diferenciada que será excluída. Num país de acentuadas
desigualdades, inclusive afetivas, a possibilidade de ter três pais é mais uma
chance de o indivíduo ser feliz. Talvez aqueles que se posicionaram de forma
contrária ao caso não atentaram para o fato de que esta realidade existe.
Quantos casos de multiparentalidade que não foram reconhecidos judicialmente?
Inúmeros (quase todos)! O fato de constar dupla maternidade na certidão da
Maria Antônia é a parcela de contribuição que o Poder Judiciário pode oferecer:
segurança, valorização e status jurídico ao afeto. Rememorando a sensibilíssima
decisão do MM. Juiz, Dr. Rafael Cunha, em que muito bem ponderou: “Que afeto
demais não é o problema; o problema é a falta (infinda, abissal) de afeto, de
cuidado, de amor, de carinho”. O novo Direito de Família atende aos princípios
constitucionais, fundando um novo paradigma, no qual os sentimentos são
considerados e valorizados através de decisões como a presenteada a Maria
Antônia, seu pai, suas duas mães e seus seis avós... materializada através de
sua certidão de nascimento.
Advogada dos autores da ação
BERNADETE SCHLEDER DOS SANTOS
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