Uma das maiores polêmicas do novo Direito Civil brasileiro diz respeito ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Ele conquistou espaços merecidos corrigindo-se uma grande injustiça que havia na legislação brasileira, onde o cônjuge recebia a herança somente na ausência das classes dos descendentes e dos ascendentes. A antiga lei considerava a regra protetiva do regime de comunhão universal de bens e, nos outros regimes lhe proporcionava o chamado usufruto vidual sobre parte do patrimônio. Atualmente o cônjuge tem reservado para si o direito da concorrência com os descendentes, com o discutível critério da dependência do regime de bens, bem como a reserva mínima de ¼ do patrimônio se forem filhos comuns; a privilegiada concorrência com os ascendentes; a promoção ao status de herdeiro necessário; o direito real de habitação, independente da existência do direito sucessório; além da sucessão exclusiva na terceira classe e da evidente manutenção de seu direito de meação vinculada ao regime de bens adotado. Respeitando opiniões contrárias, acho que o legislador poderia ter sido ainda mais generoso e ter estabelecido a concorrência com os descendentes absolutamente desvinculada do critério regime de bens. Em primeiro lugar, porque este instituto integra os efeitos patrimoniais intervivos, fruto de uma opção feita pelo casal, ou por imposição legal no caso do regime de separação obrigatório, antes do casamento, para regrar as relações matrimoniais na constância do mesmo. Em segundo lugar, e considero este o principal argumento, porque a sucessão legítima tem hoje como fundamento o interesse superior da família. Considerando-se que a família em questão é aquela alçada pela Constituição Federal como local de realização e de promoção de seus membros (função instrumental), as pessoas com maior vínculo de afetividade com o hereditando são merecedoras de maior proteção. Na família nuclear o cônjuge que permaneceu com o autor da herança até seus últimos momentos, é o único componente estável e essencial, uma vez que os filhos, em um determinado momento, irão se despreender daquela entidade familiar, formando sua própria família. O absoluto privilégio da filiação, preterindo-se a figura do cônjuge era explicável pela baixa expectativa de vida dos ascendentes que, no início do século XX, faleciam em torno dos 40 ou 50 anos, deixando muitas vezes descendentes de tenra idade, o que justifica a grande incidência da figura da tutela no início do século passado. Hoje a realidade é bem outra. A regra geral é que, no momento do falecimento dos pais, os filhos já tenham seu próprio patrimônio ou meio de sustento. Se tal não ocorreu, ainda existindo a relação de dependência, existem outros meios protetivos, como os direitos previdenciários ou seguro de vida. Não estou defendendo a exclusão do direito sucessório dos filhos, mas, a exemplo de outras legislações, especialmente européias, entendo que o vínculo do matrimônio ( e da mesma forma o da união estável) condiz com o paradigma da afetividade e necessita de uma proteção qualificada.
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