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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Preservação do melhor interesse da criança no processo de adoção


Destaco essa sentença do Estado do Ceará pela excelência da análise feita ao caso, e a aplicação do princípio constitucional que prioriza o direito das crianças e dos adolescentes. Mais informações sobre a adoção e a nova lei, no site "unifra.br", página do professor- Bernadete- Texto "A adoção como efetivação do direito à convivência familiar - uma readequação do Estatuto da Criança e do Adolescente através da Lei Cléber de Matos (Lei 12.010 de 2009)"


ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE FORTALEZA
Secretaria da Quarta Vara
Processo nº xxx
Vistos.
Cuida-se de pedido de adoção, onde, em preliminar é requestada a guarda provisória do adotando, tendo o Ministério Público, por sua representante, oferecido parecer desfavorável à pretensão autoral, sob o fundamento de que a situação narrada na inicial não se enquadra nas hipóteses previstas no § 13, do art. 50, do ECA, e, assim, necessário seria o prévio cadastramento dos adotantes e da criança, bem como devida a obediência à ordem cronológica do referido cadastramento.
Foi por este juízo determinado o estudo do caso pela Equipe Interprofissional de Adoção e Manutenção de Vínculo, cujo laudo repousa às fls. 47.
Às fls. 49, os autores atravessaram petição nos autos reiterando o pedido de guarda provisória, bem ainda autorização para a lavratura do registro de nascimento do adotando.
É o breve relato. Decido.
A providência jurídica requestada, além da prudência inerente à fase inicial do feito, reclama atividade hermenêutica de cunho axiológico, notadamente quando a matéria, ademais do disciplinamento meramente legal, é albergada por princípios constitucionais, em especial o da proteção integral e o da prioridade absoluta, devendo qualquer decisão pautar-se na premissa básica de prevalência dos superiores interesses da criança.
De se notar, com isso, que questões como a que ora se cuida, não podem ser objeto unicamente de simplória ação mecanicista de se restringir o papel interpretativo à mera explicitação da lei – apanágio dos legalistas –, mas, sobretudo, devem remeter o operador do direito a uma interpretação teleológica, a fim de submetê-las a um sistema de valores e princípios estabelecidos na Constituição.
Nesse diapasão, calha à fivela a lição do jurista alencarino José de Albuquerque Rocha:
“Guia para interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico: afora sua eficácia direta e imediata, o papel de critério orientador desempenhado pelas normas constitucionais a respeito da atividade interpretativa do juiz é sem dúvida um dos mais importantes aspectos de sua eficácia.
Com efeito, a interpretação das normas ordinárias a partir dos valores e princípios constitucionais, abre perspectivas imensas para o trabalho judicial, posto que supõe o reconhecimento explícito do valor normativo da interpretação judicial, para além dos termos próprios da legislação ordinária. O juiz deixa de ter um papel passivo na sua relação com a lei e passa a atuar com relativa independência em face dela, de vez que está submetido a uma vinculação mais forte com os preceitos constitucionais”[1].
Por estas razões, o pedido em questão não deve ser apreciado unicamente pela ótica reducionista de subsumir um fato à lei, mas em comunhão com os valores e princípios constitucionais que orbitam a matéria. A própria estrutura tridimensional do direito, na irrefutável concepção realeana, não admite pensá-lo apenas em termos de fato e norma em sentido estrito. Haverá sempre a exigência da carga axiológica. Admitir o contrário seria, a título de exemplo, ter por legítimas e plausíveis as ações nefastas, todavia legais, dos réus de Nuremberg, onde o nazista Hermann Göering passou todo o julgamento afirmando que não cometera crime algum, apenas cumprira as leis alemãs.
Nesse horizonte de compreensão, exsurge evidente que toda decisão emanada deste juízo será pautada nesse contexto axiológico e epistemológico, e que a solução da demanda, seja ela procedente ou não, deverá privilegiar os interesses da criança, atendendo-se ao conjunto normativo que contempla a matéria, incluindo-se ai, sobremaneira, os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal, verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Não divergindo do preceito constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 3º, determina que "a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade".
Ao tratar especificamente da adoção, o referido diploma legal estipula, em seu artigo 43, que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".
Destacamos, por oportuno, que não se olvida a importância do cadastro de pretendentes à adoção, previsto no artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente; todavia, a obrigatoriedade da inscrição do pretendente à adoção ou sua ordem cronológica em tal cadastro deverá ser mitigada em prol do melhor interesse da criança, como, aliás, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, quando do julgamento de pedido liminar no Agravo de Instrumento nº 32751-86.2009.8.06.0000/0, cuja relatoria coube ao eminente Desembargador Francisco Lincon Araújo e Silva, cujo trecho da decisão impende transcrever, sob pena de reduzir-lhe a magnificência:
Nestas circunstâncias, há de se evidenciar o princípio da prevalência do melhor interesse ao menor como valor maior que rege o ordenamento jurídico pertinente à criança e ao adolescente, devendo todas as normas guardar consonância com este meta-princípio e devendo, ainda, na aplicação da lei, a interpretação ser feita de forma teleológica, conduzindo-se para o fim que garanta o bem-estar do infante.
A decisão ad quem se coaduna com inteireza ao entendimento emanado pelo Superior Tribunal de Justiça, intérprete máximo do ordenamento infraconstitucional, ao decidir que:
Mesmo em havendo aparente quebra na lista de adoção, é desaconselhável remover criança que se encontra, desde os primeiros dias de vida e por mais de dois anos, sob a guarda de pais afetivos. A autoridade da lista cede, em tal circunstância, ao superior interesse da criança (ECA, Art. 6º) (STJ, REsp n. 837.324/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 18-10-2007).
No caso em análise, a criança encontra-se albergada com os adotantes e, segundo revela o relatório psicossocial, nada há que desaconselhe a permanência da mesma com os requerentes durante a tramitação do feito, sendo certo que constituiria verdadeiro retrocesso a sua institucionalização, notadamente por subtrair-lhe de uma situação potencialmente favorável a um destino em seio familiar para, aos cuidados de um Estado omisso, promover-lhe um porvir incerto com mera expectativa de direito de que isso um dia venha a ocorrer.
Sem embargo da plausível concessão da guarda provisória, é de se registrar que todos os esforços devem ser empreendidos, em especial pela Equipe de Adoção e Manutenção de Vínculo, no sentido de assegurar a possibilidade de implementação de vínculos entre a mãe biológica e o adotando, inclusive no que se refere à sua família estendida, independentemente de eventual consentimento da mesma (mãe biológica) com a adoção pretendida.
Por todo o exposto, defiro o pedido de guarda provisória e, por via de conseqüência, autorizo a permanência da criança com os requerentes.
Defiro, outrossim, o pedido ministerial quanto à remessa de cópia do procedimento à DECECA, para os fins de apuração do ilícito noticiado.
Promova-se o assentamento de nascimento do adotando.
Cite-se a mãe biológica.
Int.
Exp. Nec.
Fortaleza, 15 de março de 2010.
Juiz Francisco Jaime Medeiros Neto

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