O perigoso charme do Supremo
A agenda mais importante do país vem sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal. Temas como liberdades individuais, organização do sistema político e regras definidoras das políticas públicas agora são centrais na pauta do STF. Nada de errado, a princípio, pois a Corte Constitucional de um país democrático é um lugar privilegiado do jogo político, como nos EUA e na Alemanha. O problema é que a maior repercussão política do Supremo ocorre sob o silêncio dos partidos em relação às questões mais estruturais do país.
O aumento do poder do STF tem sido interpretado, geralmente, de dois modos. De um lado, há aqueles que louvam a visão progressista de seus ministros, capazes de resolver de forma parcimoniosa problemas como o da reserva Raposa Serra do Sol ou de solucionar questões que o Congresso evita deliberar, como a união homoafetiva ou a recente decisão contra a guerra fiscal. De outro, existem os críticos a esta maior judicialização da política, uma vez que os togados não foram eleitos pelo povo e estariam usurpando funções dos que têm voto – como no caso da verticalização das eleições.
As duas interpretações contêm parcelas da verdade. Obviamente que é perigoso repassar a não eleitos atividades que deveriam ficar com os políticos, depositários últimos da soberania popular. Mas também é fato que o Supremo tem garantido espaço a uma agenda essencial ao país que não tem sido resolvida pelo Congresso Nacional. Por essa razão, a legitimidade do STF tem se fortalecido, tornando a instituição cada vez mais respeitada.
Mais ativista, o Supremo Tribunal Federal gera, a um só tempo, desequilíbrio na relação entre os Poderes e aumento da necessidade de atuação do Executivo e, sobretudo, do Legislativo em temáticas centrais para a sociedade. Em outras palavras, o STF pode se envolver nas funções dos demais, mas também incentivá-los a reagir e a atuar mais intensamente na agenda que interessa ao país. No jogo entre esses dois vetores, nem sempre a melhor resposta será obtida. Talvez somente o aprendizado cotidiano com o sistema democrático nos leve, ao longo do tempo, a melhores resultados.
O Supremo está discutindo o que deveria ser debatido pelos partidos – da marcha da maconha às cotas
O ponto mais preocupante não está numa pretensa usurpação de poderes, embora, por vezes, ministros togados exagerem no exercício de seu poder. Também não creio, em hipótese alguma, no esvaziamento do Executivo ou do Legislativo por conta do ativismo do Supremo. O Executivo continua com grande força por conta de seus instrumentos burocráticos, financeiros e políticos. A centralidade da Presidência no sistema político é evidente. O Congresso em muitas ocasiões abdica ou delega poderes, mas também é fato que assuntos fulcrais passam por sua alçada, como recentemente foram os casos do Código Florestal e do sigilo dos documentos oficiais.
O STF está discutindo aquilo que deveria ser debatido pelos partidos políticos e estes, infelizmente, não conseguem se posicionar sobre o que mais importa à sociedade brasileira. Afinal, para além dos discursos genéricos e vazios, qual é a visão de PT e PSDB sobre a reforma tributária? Alguém pode dizer que essa é uma questão muito complexa. Retruco: em relação ao Código Florestal, tão em voga e que será definido em breve pelo Congresso Nacional, o que tucanos e petistas pensam como agremiação política? Passando para o terreno dos valores, o que as duas maiores siglas do país acham da decisão do Supremo de liberar a “marcha da Maconha”? Ou sobre as cotas para negros, tema que será definido pelos ministros togados no próximo semestre?
Poderia fazer essas mesmas perguntas ao PMDB, DEM, PSB e outros. Obviamente que não as faria ao PSD, que já se disse ser de todos os espectros ideológicos. Se a resposta permanecer basicamente a mesma, fica a constatação de uma grande preocupação: os partidos não discutem e nem se definem em relação ao que é central na agenda do país. No contraste com esta situação, e diante da fragmentação da sociedade brasileira, é que se afirma o perigoso charme do STF.
* Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Fonte: Revista Época
A agenda mais importante do país vem sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal. Temas como liberdades individuais, organização do sistema político e regras definidoras das políticas públicas agora são centrais na pauta do STF. Nada de errado, a princípio, pois a Corte Constitucional de um país democrático é um lugar privilegiado do jogo político, como nos EUA e na Alemanha. O problema é que a maior repercussão política do Supremo ocorre sob o silêncio dos partidos em relação às questões mais estruturais do país.
O aumento do poder do STF tem sido interpretado, geralmente, de dois modos. De um lado, há aqueles que louvam a visão progressista de seus ministros, capazes de resolver de forma parcimoniosa problemas como o da reserva Raposa Serra do Sol ou de solucionar questões que o Congresso evita deliberar, como a união homoafetiva ou a recente decisão contra a guerra fiscal. De outro, existem os críticos a esta maior judicialização da política, uma vez que os togados não foram eleitos pelo povo e estariam usurpando funções dos que têm voto – como no caso da verticalização das eleições.
As duas interpretações contêm parcelas da verdade. Obviamente que é perigoso repassar a não eleitos atividades que deveriam ficar com os políticos, depositários últimos da soberania popular. Mas também é fato que o Supremo tem garantido espaço a uma agenda essencial ao país que não tem sido resolvida pelo Congresso Nacional. Por essa razão, a legitimidade do STF tem se fortalecido, tornando a instituição cada vez mais respeitada.
Mais ativista, o Supremo Tribunal Federal gera, a um só tempo, desequilíbrio na relação entre os Poderes e aumento da necessidade de atuação do Executivo e, sobretudo, do Legislativo em temáticas centrais para a sociedade. Em outras palavras, o STF pode se envolver nas funções dos demais, mas também incentivá-los a reagir e a atuar mais intensamente na agenda que interessa ao país. No jogo entre esses dois vetores, nem sempre a melhor resposta será obtida. Talvez somente o aprendizado cotidiano com o sistema democrático nos leve, ao longo do tempo, a melhores resultados.
O Supremo está discutindo o que deveria ser debatido pelos partidos – da marcha da maconha às cotas
O ponto mais preocupante não está numa pretensa usurpação de poderes, embora, por vezes, ministros togados exagerem no exercício de seu poder. Também não creio, em hipótese alguma, no esvaziamento do Executivo ou do Legislativo por conta do ativismo do Supremo. O Executivo continua com grande força por conta de seus instrumentos burocráticos, financeiros e políticos. A centralidade da Presidência no sistema político é evidente. O Congresso em muitas ocasiões abdica ou delega poderes, mas também é fato que assuntos fulcrais passam por sua alçada, como recentemente foram os casos do Código Florestal e do sigilo dos documentos oficiais.
O STF está discutindo aquilo que deveria ser debatido pelos partidos políticos e estes, infelizmente, não conseguem se posicionar sobre o que mais importa à sociedade brasileira. Afinal, para além dos discursos genéricos e vazios, qual é a visão de PT e PSDB sobre a reforma tributária? Alguém pode dizer que essa é uma questão muito complexa. Retruco: em relação ao Código Florestal, tão em voga e que será definido em breve pelo Congresso Nacional, o que tucanos e petistas pensam como agremiação política? Passando para o terreno dos valores, o que as duas maiores siglas do país acham da decisão do Supremo de liberar a “marcha da Maconha”? Ou sobre as cotas para negros, tema que será definido pelos ministros togados no próximo semestre?
Poderia fazer essas mesmas perguntas ao PMDB, DEM, PSB e outros. Obviamente que não as faria ao PSD, que já se disse ser de todos os espectros ideológicos. Se a resposta permanecer basicamente a mesma, fica a constatação de uma grande preocupação: os partidos não discutem e nem se definem em relação ao que é central na agenda do país. No contraste com esta situação, e diante da fragmentação da sociedade brasileira, é que se afirma o perigoso charme do STF.
* Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Fonte: Revista Época
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