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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA - decisão do STJ

EMENTA
RECURSO ESPECIAL - SUCESSÕES - PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA - ALIENAÇÃO DE BEM SINGULARMENTE CONSIDERADO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO. 1. O princípio da indivisibilidade da herança, inserto no art. 1.580 do Código Civil de 1916, veda a alienação, por herdeiro, de coisa singularmente considerada do patrimônio a ser inventariado. Aberta a sucessão, a herança é considerada universitas juris, pois é deferida como um todo unitário, de modo que todos os herdeiros podem exercer sobre o acervo hereditário os direitos relativos à posse e à propriedade. Assim, uma das características marcantes do patrimônio a ser inventariado é a sua indivisibilidade, ou seja, enquanto este não for partilhado, não será permitido atribuir determinado bem a qualquer herdeiro individualmente, porquanto, tão somente após a superação das diversas etapas do inventário será viável a apuração acerca da existência positiva de haveres. 2. Irretocável o aresto hostilizado, visto que a indivisibilidade da herança, sob a égide do Código Civil de 1916, não comporta exceção, não possuindo, o cedente, a propriedade, de modo exclusivo, de qualquer bem do acervo hereditário, exercendo apenas o domínio sobre os bens em conjunto com os demais herdeiros. 3. Sem embargo, poderá ser realizada a alienação de bem específico, desde que haja concordância de todos os sucessores e autorização judicial, providência esta que viabilizará o controle de legalidade do negócio jurídico, coibindo fraudes e prejuízo aos demais herdeiros e aos credores. 4. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp nº 1072511-RS, Rel Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, pub. 30/04/2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 12 de março de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.072.511 - RS (2008/0151689-9)

RECORRENTE : C. P.

ADVOGADO : LUÍS ALBERTO ESPOSITO E OUTRO(S)

INTERES. : L. P. E OUTROS RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR): Trata-se de recurso especial interposto por C. P., com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl. 245, e-STJ): AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS PARA TRANSFERÊNCIA DE DETERMINADO BEM IMÓVEL INTEGRANTE DO ACERVO HEREDITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. A cessão de direitos hereditários não pode contemplar um bem individualmente, mas apenas o quinhão hereditário do cessionário, a parte indivisa da herança que lhe foi transmitida e, como tal, já integra seu patrimônio desde a abertura da sucessão por força da saisine . NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. Opostos aclaratórios (fls. 254 a 258, e-STJ), restaram rejeitados (fls. 262 a 266, e-STJ). Nas razões do especial, a recorrente aponta ofensa aos arts. 535 do Estatuto Processual Civil, 1.791 do Código Civil, 1.580 do Código Civil de 1916, além de dissídio jurisprudencial. Em síntese, alega negativa de prestação jurisdicional. Sustenta ser possível a cessão hereditária de um único bem da herança, não sendo oponível ao ato translativo a indivisibilidade do acervo hereditário. Afirma que "não há impedimento legal para que o herdeiro transfira por cessão parte certa da herança, pois neste caso o terceiro se submeterá aos efeitos da partilha." (fl. 278, e-STJ) Sem contrarrazões (fl. 290, e-STJ) e, após juízo de admissibilidade do recurso especial, os autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça, em razão do provimento exarado no AG n. 1.005.152/RS. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 309 a 311, e-STJ). É o breve relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.072.511 - RS (2008/0151689-9)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - SUCESSÕES - PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA - ALIENAÇÃO DE BEM SINGULARMENTE CONSIDERADO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO. 1. O princípio da indivisibilidade da herança, inserto no art. 1.580 do Código Civil de 1916, veda a alienação, por herdeiro, de coisa singularmente considerada do patrimônio a ser inventariado. Aberta a sucessão, a herança é considerada universitas juris, pois é deferida como um todo unitário, de modo que todos os herdeiros podem exercer sobre o acervo hereditário os direitos relativos à posse e à propriedade. Assim, uma das características marcantes do patrimônio a ser inventariado é a sua indivisibilidade, ou seja, enquanto este não for partilhado, não será permitido atribuir determinado bem a qualquer herdeiro individualmente, porquanto, tão somente após a superação das diversas etapas do inventário será viável a apuração acerca da existência positiva de haveres. 2. Irretocável o aresto hostilizado, visto que a indivisibilidade da herança, sob a égide do Código Civil de 1916, não comporta exceção, não possuindo, o cedente, a propriedade, de modo exclusivo, de qualquer bem do acervo hereditário, exercendo apenas o domínio sobre os bens em conjunto com os demais herdeiros. 3. Sem embargo, poderá ser realizada a alienação de bem específico, desde que haja concordância de todos os sucessores e autorização judicial, providência esta que viabilizará o controle de legalidade do negócio jurídico, coibindo fraudes e prejuízo aos demais herdeiros e aos credores. 4. Recurso especial desprovido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR): O recurso especial merece desprovimento. 1. Preliminarmente, se faz necessária a análise da alegada negativa de prestação jurisdicional. Compulsando-se os autos, não se vislumbra carência de manifestação judicial, porquanto clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte (Precedentes: AgRg no Ag 1.402.701/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp 1.264.044/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg nos EDcl no Ag 1.304.733/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe 31.08.2011; AgRg no REsp 1.245.079/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16.08.2011, DJe 19.08.2011; e AgRg no Ag 1.407.760/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 09.08.2011, DJe 22.08.2011). Deste modo, afasto a apontada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. No mérito, cinge-se a controvérsia dos autos em saber se o princípio da indivisibilidade da herança, impossibilita a cessão de bem individualizado do acervo hereditário. Ab initio, consigne-se que a sucessão foi aberta em 20.6.2000 (fl. 30, e-STJ) e a cessão de direito questionada é datada de 23.11.2000 (fl. 108 e 109, e-STJ). Em 19.12.2003 (fl. 11 a 16, e-STJ), foi requerida abertura do inventário e, no dia 27.5.2004 (fls. 92 a 98, e-STJ), foram apresentadas as primeiras declarações. Assim, sendo a abertura da sucessão e o ato translativo de direito realizados na vigência do Código Civil de 1916, conclui-se que a controvérsia dos autos deve ser dirimida sob o pálio da legislação revogada, já que a lei que regula a sucessão e seus efeitos é aquela do tempo da morte do de cujus. Após percuciente exame da questão, evidencia-se que aludido princípio, inserto no art. 1.580 do Código Civil de 1916, vedava expressamente a alienação de coisa singularmente considerada do patrimônio a ser inventariado, razão pela qual a manutenção do acórdão recorrido é medida de rigor. Ainda, sobreleva relatar que a ora recorrente, na qualidade de inventariante, peticionou ao Juiz de Direito da Comarca de Gaumara/RS, em relação a 2 (dois) imóveis que compõem o acervo hereditário, a fim de obter a regularização registral dos bens que integram o contrato particular de promessa de compra e venda, perante o cartório de registro de imóveis, com escopo de apresentar posteriormente o plano de partilha, já que os referidos bens não mais comporiam o patrimônio a ser inventariado, tendo em vista a alienação destes, em data posterior a morte do autor da herança, e sem a aquiescência de todos os herdeiros (fl. 92 a 98; 207; 222 a 225, e-STJ), O magistrado de piso indeferiu o pedido ao fundamento de que a cessão de direitos hereditários deveria ter sido feita por meio de escritura pública (fl. 228, e-STJ).
Inconformada com provimento jurisdicional, a inventariante - ora recorrente - interpôs agravo de instrumento no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, por sua vez, afastou a necessidade de que a cessão de direitos hereditários fosse realizada por instrumento público. Contudo, o egrégio Tribunal a quo, em face da indivisibilidade da herança, considerou inviável a cessão de direitos hereditários sobre um bem individualizado, razão pela qual negou provimento ao recurso. Confiram-se os seguintes excertos extraídos do acórdão impugnado (fls. 247 a 249, e-STJ): Contudo, considerando a abertura da sucessão sob a égide do Código Civil de 1916 e a jurisprudência desta corte, que se consolidou no sentido de admitir a cessão de direitos hereditários por termo nos autos, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas e como meio de assegurar a celeridade no tramitar do inventário (vide AI 70003927332), o óbice à pretensão dos agravantes não diz respeito à forma e sim ao próprio conceito de cessão de direitos hereditários, que não se presta a operar compra e venda e bem individualizado dentro do acervo hereditário. Com efeito, o conceito de herança compreende um todo indivisível, até que se opere a partilha. Logo, a cessão de direitos hereditários não pode contemplar um bem individualmente, mas apenas o quinhão hereditário do cessionário, a parte indivisa da herança que lhe foi transmitida e, como tal, já integra seu patrimônio desde a abertura da sucessão por força da saisine.
[...] Assim, a solução apontada para o caso encontra óbice na indivisibilidade da herança, questão anterior ao requisito formal da escritura pública. Ou seja, ainda que se pretendesse atender à forma prescrita na lei, a cessão de direitos hereditários sobre um bem individualizado é juridicamente impossível, pois afronta o conceito de herança como um todo único e indivisível até à partilha. E antes que se invoque o direito dos adquirentes, ressalto que ao firmar contrato de compra e venda, os compradores sabiam que se tratava de bem de herança e que, portanto, estavam sujeitos ao tempo de processamento do inventário – que inclusive envolve interesse de dois herdeiros menores – para a afetiva transcrição da propriedade. Por tais razões, nem sequer por escritura pública é viável a cessão pretendida, por abranger bens individualizados. Nesses termos, ainda que com fundamento diverso daquele lançado na decisão recorrida, nego provimento ao agravo. Daí o presente recurso especial. Com efeito, certo é que, aberta a sucessão, a herança é considerada universitas juris, pois é deferida como um todo unitário, de modo que todos os herdeiros podem exercer sobre o acervo hereditário os direitos relativos à posse e à propriedade. Assim, uma das características marcantes do patrimônio a ser inventariado é a sua indivisibilidade, ou seja, enquanto este não for partilhado, não será permitido atribuir determinado bem a qualquer herdeiro. Nessa esteira de entendimento, percebe-se que o princípio da indivisibilidade da herança veda a transmissão da res componente do acervo hereditário até se ultimar a partilha, pois no bojo do inventário, antes da divisão de cada quinhão hereditário, serão tomadas algumas medidas, que se caracterizam como consectários legais decorrentes da abertura da sucessão, dentre as quais se destacam: a) investigação sobre a existência e o real estado dos bens deixados pelo de cujus, a fim de se aferir a titularidade de seu domínio, bem como a extensão deste; b) quitação de débitos deixados pelo autor da herança, pois esta responde pelas dívidas daquele até o limite de suas forças; c) recolhimento de impostos, tanto aquele relativo à transmissão patrimonial pela sucessão (ITMCD) quanto aqueles que porventura existam, em razão da coisa (IPVA, IPTU, etc); d) solver despesas funerárias (art. 1.998 do CC); e) cumprimento de legados; e f) pagamento de despesas realizadas pelo espólio. Ora, somente após o cotejo sobre a relação dominial dos bens supostamente deixados pelo de cujus e da liquidação do passivo, é que se poderá verificar a existência de crédito, diga-se, bens a serem partilhados. O princípio da indivisibilidade da herança ao impedir a venda de bem singularmente considerado do acervo hereditário protege o interesse dos credores, como também, os direitos dos demais herdeiros, porquanto a retirada, a destempo, de coisa do monte partilhável poderá desfalcar os ativos necessários a realização do passivo, bem como vilipendiar a cota hereditária cabível a cada um dos sucessores do de cujus. Percebe-se que a aludida forma de alienação compromete a higidez das contas do espólio e, em última análise, implica a individualização antecipada dos bens destinados a cada herdeiro, circunstância que enseja a quebra da igualdade de tratamento entre os sucessores. Nota-se que a atuação do magistrado processante do inventário é destacada, pois é seu dever velar pelo bom andamento do feito, equalizando os diversos interesses contrapostos e tendo como norte a solvabilidade do espólio, já que a pratica de atos temerários, seja por parte do inventariante, seja por parte de um dos herdeiros, poderá colocar em risco os interesses dos credores da massa, bem como dos demais sucessores. Desse modo, bem procedeu o egrégio Tribunal a quo em negar o pleito da ora recorrente, visto que a indivisibilidade da herança, sob a égide do Código Civil de 1916, não comporta exceção, uma vez que o cedente não possui a propriedade, de modo exclusivo, de qualquer bem do acervo hereditário, mas exerce o domínio sobre os bens em conjunto com os demais herdeiros. Sobre o tema, segue a lição de Francisco Bertino de Almeida Prado: Assente que é alienável o direito hereditário, e de acordo com o que expusemos acerca da natureza da comunhão hereditária, o conteúdo dessa venda nada mais pode ser do que a parte ideal no todo da herança: uma parte indeterminada, por conseguinte. Se é certo que o herdeiro pode ceder o seu direito, não pode, todavia separar, para essa cessão, uma das cousas da herança; porque, sem o consentimento dos demais herdeiros, o art. 623 do Código só lhe permite vender a sua quota indivisa. Não pode alienar uma parte do imóvel determinado; porque o art. 1580 declara indivisível o direito do herdeiro à posse e ao domínio dos bens hereditários até se ultimar a partilha; e o conceito da indivisibilidade se opõe ao do fracionamento. Por conseguinte, o herdeiro só pode alhear o seu direito e ação indeterminados nos bens de uma herança.

[...] Poder-se-ia objetar que a alienação ou oneração de uma parte da herança é feita sob condição resolutiva. Ora, parece-nos sem fundamento tal objeção. Não se trata evidentemente, no caso, de venda ou oneração de propriedade resolúvel. Quando se aliena ou se onera um imóvel que se possue sob condição resolutiva, tem-se sobre esse imóvel domínio, embora resolúvel, e esse domínio recai sobre esse determinado imóvel. Há, portanto, objeto especializado para a transcrição e é preciso que assim seja, pois a especialidade é um dos princípios que regem o sistema do registro da propriedade imóvel. Ao passo, quando um herdeiro transmite ou grava um imóvel pertencente a uma herança, não tem ele domínio sobre esse imóvel, nem mesmo resolúvel; mas sim no todo da herança, no conjunto dos bens móveis e imóveis, dívida e obrigações do defundo; porquanto, se tivesse, poderia reivindicar esse imóvel à parte, para seu governo: o que lhe é permitido, pois que a posse e o domínio são indivisíveis até se ultimar a partilha (Código Civil, art. 1580). Ao próprio inventariante é vedado a reivindicação de parte determinada da herança. Considerar-se, portanto, que o herdeiro, ao vender ou gravar um imóvel da herança, faz transação sobre condição resolutiva, é uma aberração, porque, se assim fosse, deveria ter ele todos os direitos componentes do domínio, não só o de alhear ou gravar como o de reivindicar, que, como vimos, lhe é vedado; ao passo que, na verdadeira propriedade resolúvel, o seu titular exerce todos os esses direitos. (PRADO, Francisco Bertino de Almeida. Transmissão da propriedade imóvel. 1ª ed. Saraiva: São Paulo, 1934, págs. 136 a 140) (grifou-se) Não é outro o entendimento de Silvio Rodrigues: De fato, o patrimônio e a herança são coisas universais (CC, art. 57), e como tais, se pertencerem a mais de uma pessoa, cada um dos condôminos daquela universalidade é titular de uma parte ideal do todo e jamais de qualquer dos bens individualizados que compõem o acervo. As regras que se aplicam à hipótese são as regras do condomínio. Isso equivale a dizer que (com a restrição imposto pelo art. 1.139 daquele Código) o condomínio pode alienar a terceiro sua parte indivisa, ou seja, a fração ideal de que é titular; pode mesmo alienar uma parte alíquota de seu quinhão, mas não pode, jamais alienar um bem que componha o acervo patrimonial ou hereditário, pois este bem é insuscetível de ser alienado por um dos condôminos sem o assentimento dos demais. Na hipótese de todos os comproprietários desejarem fazer a venda de um bem, é a comunidade que procede à alienação, e o preço recebido, até ser dividido entre os interessados, se sub-roga no lugar da coisa vendida, pelo princípio da sub-rogação real. (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 24ª ed. Saraiva: São Paulo, 2001, v. 7, págs. 26 e 27) (grifou-se) Ainda se mostra oportuna a menção do magistério de Washington de Barros Monteiro:Em conseqüência da regra do art. 1580, torna-se por igual indivisível o direito do co-herdeiro; só com a partilha se individua e se materializa o que lhe coube por morte do autor da herança. Antes da partilha, o co-herdeiro pode alienar ou ceder sua quota ideal; não lhe assiste direito de separar do acervo parte certa e determinada, para transferi-la a terceiro. Discute-se, todavia, se para alienar ou ceder sua parte ideal depende ou não da anuência dos demais sucessores. Decisão existem em ambos os sentidos. Citado dispositivo, de natureza ampla, não comporta restrições e não distingue se os bens componentes do acervo são ou não indivisíveis. Em qualquer caso, torna-se indivisível o direito à herança. Trata-se de princípio absoluto, inspirado na universalidade dos negócios e interesses ligados à abertura da sucessão. Como algures se salientou, a indivisibilidade adere ao fundamento da universalidade, como a voz à garganta (vox faucibus adhaesit ). (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 34ª ed. Saraiva: São Paulo, v. 6, págs. 36 e 37) (grifou-se) Obiter dictum , esclareça-se que o Código Civil de 2002 traz exceção à regra da inalienabilidade de bem singularmente considerado do acervo hereditário. Confira-se o § 3° do art. 1.793 do Código Civil:
Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. Assim, evidencia-se que, inclusive sob a perspectiva do atual Código Civil, a indivisibilidade da herança é a regra, somente podendo ser excepcionada nos casos em que haja autorização judicial. Nesse passo, ao analisar o pedido de autorização, o magistrado deverá proceder com a máxima cautela, para que a alienação não fruste o bom andamento do inventário, sobretudo a solvabilidade do espólio e o princípio da igualdade de tratamento entre os herdeiros. Nessa linha intelectiva, vale a pena apontar o escólio de Carlos Roberto Gonçalves:
[...] O Coerdeiro somente pode ceder quota-parte ou parcela de quota-parte naquele complexo hereditário (universitas), mas nunca um ou mais bens determinados. Tal regra decorre da indivisibilidade da herança como um todo e da incerteza relativa aos bens que tocarão a cada coerdeiro quando ultimada a partilha. Se descriminar as coisas que pretende alienar, não obriga com isso os coerdeiros, perante os quais é ineficaz a alienação (CC, art. 1.793, § 2°).
[...] O § 3° do aludido art. 1.793, por sua vez, trata não da hipótese de o herdeiro ceder a sua cota parte, fazendo incidir sobre bem da herança considerado singularmente, mas de cessão do próprio bem, como se fosse um legado. A disposição nesse caso é ineficaz, exceto se o juiz da sucessão a tiver autorizado. Assinala Giselda Hironaka, com razão, que o valor do aludido bem deve ser descontado da quota-parte cabível ao herdeiro que teve a iniciativa de requerer a autorização judicial, demonstrando interesse em cedê-lo, ainda que para deferi-la o juiz tenha ouvido os demais coerdeiros, com deve realmente fazer. Não se confunde tal situação com a venda de determinado bem feita pelo próprio espólio, também mediante autorização judicial, como comumente se faz para pagamento de dívidas da herança, do imposto de transmissão mortis causa ou de despesas com o inventário, prevista no art. 992, I, do Código de Processo Civil. Nesse caso, o produto da venda ingressa no acervo e será válido, no lugar do bem, entre todos os herdeiros, na proporção de suas quotas. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito das sucessões. 4ª ed. Saraiva: São Paulo, 2010, v. 7, págs. 57 a 59) (grifou-se) Portanto, poderá ser realizada a alienação de bem específico, desde que haja concordância de todos os sucessores e autorização judicial, providência esta que viabilizará o controle de legalidade do negócio jurídico, coibindo fraudes e prejuízo aos demais herdeiros e aos credores. (vide Cezar Peluso. Coord. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência . 4. ed. Barueri (SP): Manole, 2010, p. 2113).
In casu, a alienação em questão não foi precedida de autorização judicial e tampouco contou com a aquiescência dos demais herdeiros, haja vista que 3 (três) deles não figuram no ato translativo de direito. Portanto, conforme a fundamentação supra, impõe-se a manutenção do acórdão hostilizado. 5. Do exposto, nego provimento ao recurso especial. É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0151689-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.072.511 / RS

Números Origem: 10300007245 200800172725 70018725630 70019207414 70020261699 PAUTA: 12/03/2013 JULGADO: 12/03/2013 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA

Secretária Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO

RECORRENTE : C. P.

ADVOGADO : LUÍS ALBERTO ESPOSITO E OUTRO(S)

INTERES. : L. P. E OUTROS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Reflexo das doações na herança

DECISÃO Excesso em doações que possa prejudicar herdeiros deve ser avaliado no momento do ato
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou ação rescisória que pretendia anular julgamento da Terceira Turma, que entendeu válidas as doações feitas ao longo da vida por falecido à sua viúva. Para o autor da rescisória, o excesso de doações deveria ser considerado no momento da abertura da sucessão.

O autor, herdeiro necessário do falecido, argumentava que as sucessivas doações teriam dilapidado o patrimônio e o quinhão a que ele teria direito. Ao final dos 30 anos de convivência e depois da doação de 19 imóveis à esposa, teria restado ao filho do falecido, na partilha, apenas 0,006% do patrimônio original.

Sem provas
Para o ministro Luis Felipe Salomão, o herdeiro não comprovou a existência de doações que ultrapassassem, no momento em que realizadas, a parcela patrimonial de que o proprietário poderia dispor livremente – isto é, que avançassem sobre a parte do patrimônio que a lei reserva aos descendentes ou ascendentes, considerados herdeiros necessários.

Na decisão da Terceira Turma, atacada pela ação rescisória, o ministro Menezes Direito afirmou que “o argumento da pobreza final, da não existência de bens para os herdeiros necessários quando da abertura da sucessão, não tem força para anular as doações se, no momento em que foram feitas, o patrimônio do doador tinha condições para desqualificar o excesso”.

Literalidade

O relator da rescisória, ministro Salomão, entendeu que tal interpretação não contraria a literalidade nem o espírito da lei quanto ao tema. Dizia o artigo 1.176 do Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 549 do atual: “Nula é também a doação quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”


O ministro ainda afirmou que, mesmo que só se pudesse conhecer o patrimônio total do doador após a abertura da sucessão, isso não afastaria a necessidade de o autor demonstrar, nesse momento, que as doações violaram o direito dos herdeiros necessários quando efetuadas.

“O argumento de que a ação apenas seria cabível após a abertura da sucessão não significa que o patrimônio a ser levado em consideração seja o existente no momento do óbito”, concluiu Salomão.

domingo, 25 de agosto de 2013

Contratos de relacionamentos

25 agosto 2013
Pensando no futuro

É preciso ter cuidado com os contratos de relacionamento

Sinal dos tempos: ao iniciar um relacionamento, o casal realiza uma romântica viagem ao cartório mais próximo e registra um documento no qual esclarece suas intenções. Em geral, as cláusulas e disposições que o casal faz constar no contrato resumem-se ao seguinte: o que é meu é meu, o que é seu é seu, e quando o relacionamento acabar, ninguém deve nada a ninguém. Carimbos e assinaturas devidamente providenciados, o casal deixa o cartório feliz da vida, com a certeza de que o patrimônio de cada um está devidamente protegido de eventuais intempéries que possam acometer o relacionamento amoroso. Será?
Não raro, quando me deparo com interlocutores ávidos por obter as melhores respostas para as dúvidas em direito de família e direito sucessório, uma delas é mesmo singular “- Dra. Ivone, o que é mais interessante para um casal: formalizar de uma vez o casamento ou manter o relacionamento como união estável?”
Difícil resposta. Cada casal, individualmente falando, traz uma história de vida, relacionamentos anteriores, filhos, algum tipo de sociedade profissional, enfim, uma série de envolvimentos passados e presentes que podem interferir e modificar tanto a trajetória profissional como a amorosa/sentimental.
Não por outro motivo observamos que a prática dos chamados contratos de relacionamento está tão disseminada que é possível encontrar, após uma rápida consulta na internet, modelos desses documentos prontos para imprimir e assinar. Contudo, é preciso ter cuidado - e uma boa orientação profissional – na hora de elaborar tais contratos. Do contrário, você pode pensar que acabou de adquirir um seguro capaz de proteger seus bens de rompimentos afetivos e de outros “sinistros” advindos de uma separação, quando, na verdade, está se expondo a uma bela e custosa briga na justiça.
Quer ver um exemplo? Certa vez um cliente me trouxe um contrato que ele havia baixado da Internet. O documento possuía uma cláusula na qual os contratantes se comprometiam a não fazer nenhuma exigência futura em relação ao patrimônio um do outro. Mais adiante, outra cláusula informava que os dois garantiam jamais, em hipótese alguma, exigir pensão alimentícia do parceiro ou parceira se o relacionamento chegasse ao fim. Tudo muito bonito no papel. Na prática, porém, as coisas não são bem assim. Se a relação vier a se tornar uma união estável – definida pelo artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro de 2002 como um relacionamento público, continuo e duradouro, estabelecido com o objetivo de constituir família (havendo ou não filhos em comum) –, o regime de bens que prevalece é o equivalente ao da comunhão parcial de bens. De acordo com esse regime, os parceiros têm direito, após a separação e o devido reconhecimento judicial da união estável, à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso durante o relacionamento. E se um dos companheiros vier a falecer, o parceiro sobrevivente poderá receber herança, em proporções que dependerão da existência de outros herdeiros e de seu grau de parentesco com o falecido. Cabe lembrar que esses direitos independem do fato de o parceiro ter ou não contribuído financeiramente para a aquisição dos bens em questão. Além disso, é bom que se deixe claro: pessoas que vivem em união estável também podem requerer o pagamento de pensão alimentícia ao fim do relacionamento.
Tendo tudo isso em mente, voltemos aos contratos. Os parceiros de uma união estável podem estabelecer, por meio de documento registrado em cartório, um acordo referente à administração e partilha de seus bens diferente das estipulações previstas pelo regime da comunhão parcial. Contudo, nada impede que, no futuro, um dos dois recorra à justiça para contestar esse acordo, alegando, por exemplo, que as circunstâncias mudaram e que agora ele ou ela necessita de amparo econômico. E, dependendo do entendimento que tiver do caso, o juiz pode lhe dar razão.
É importante ressaltar que nem mesmo um contrato elaborado por advogado, segundo parâmetros legais, está imune de ser judicialmente contestado. Porém, quanto maior for o embasamento legal do documento, maiores serão as chances de que o juiz o aceite na ocorrência de uma eventual disputa judicial. Conclusão: informe-se e consulte um advogado especializado em Direito de Família antes de baixar um contrato de relacionamento da Internet.
Gastar um pouco de tempo e de dinheiro antes pode lhe poupar de uma série de despesas e de dores de cabeça depois.

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2013

sábado, 10 de agosto de 2013

O menino que me fez pai (de PABLO MORENNO)

Artigo| O menino que me fez pai

10 de agosto de 20130
Pensei por toda a
vida tornar um
menino meu filho.
Jamais pensei que
um menino
me fizesse pai
PABLO MORENNO*
Pensei viesse no bico da cegonha, foi a assistente social quem ligou. Esperei um recém-nascido, tinha três anos. Escolhi um dia astrológico para o nascimento, veio numa segunda treze, seguinte ao dia dos pais de 2012.
Quis abraçá-lo forte, esquivou-se por uma hora. Quando se escondeu num canto, apertei suas mãos e o puxei para mim. Então me abraçou forte. Assim muitas vezes. O mesmo nascimento a fórceps.
O primeiro dia lá em casa, levamos junto um peixinho para o lago. Um kinguio branquinho no meio dos vermelhos. E o peixinho foi encontrando pai, mãe, irmãos, avós…
Num entardecer, perguntou-me quem era o homem que segurava a mão de um menino. E eu disse “seu pai”. “Sabia que eu não tenho pai, apenas tias lá da Casa da Criança?”. “Você quer um pai?”. “Sim”. “Quem seria?” “Você”.
Virei pai comprando pão. Aliás, sou o Pateta. Ele é o Mickey e a mãe a Minnie.
Simples assim. Agora fazemos bolo de estrelinhas nos sábados. Vimos cem vezes “Procurando Nemo”, todos os “Stuart Little”, “O Mágico de Oz”. Li duzentas vezes “O cachorro batatinha” do Sérgio Capparelli.
Temos uma pinta igual, no mesmo lugar, mas em pés diferentes. Adoramos cozinhar. Gostamos de frutas azedas: morango, abacaxi, physalis. Gosto de cantar, e ele pediu um violão ao Papai Noel da Aldeia de Gramado. Somos apaixonados por livros.
Pediu uma aliança, para ser igual ao papai e a mamãe. Desenhou a mãe feito princesa, com coroa e tudo. A mim me fez com asas azuis.
Todas as noites, conto a ele uma história. De um tio e uma tia que viviam sós num reino distante. Pediram a Deus que lhes desse um filho. Deus disse “esperem”. Esperaram, esperaram.
Foram até Deus outra vez. Ele reuniu os anjos, cochichou com eles. Virou-se. “Entreguei um menino para vocês a um anjo. Mas ele é distraído demais. Ficou olhando estrelas cadentes e se perdeu pelo mundo. Como já estava cansado, e no tempo de voltar, deixou o bebê na primeira casa de porta aberta que encontrou. As pessoas da casa, vendo que o menino não era da família, levaram-no à Casa da Criança. Ele está lá esperando por vocês”.
Hoje Erick diz para todo mundo: “Sabia que eu estava esperando o papai e a mamãe na Casa da Criança?”
Pensei por toda a vida tornar um menino meu filho. Jamais pensei que um menino me fizesse pai. Um pai tão feliz com asas azuis.
* Escritor
Fonte- ZH 10/08/2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Do dever da escola ao genitor não guardião


Missão



Promover o alcance ao direito de proteção integral à criança, ao adolescente e ao idoso expostos aos conflitos familiares, através da promoção do conhecimento e desenvolvimento da sociedade.

Do dever da escola ao genitor não guardião



Melissa Telles Barufi[1]
Laura Affonso da Costa Levy[2]
1. Introdução
É cediço o dever das escolas em garantir o pleno acesso e disponibilizar os dados aos genitores das crianças independentemente do vínculo da conjugalidade. Todavia, corriqueiramente, escritórios de advocacia que atuam na área familista se deparam com repetidos casos em que as instituições de ensino insistem em praticar condutas contrárias a esta ordem.
Desta forma, necessário se faz abordar o tema do amplo dever de informação das escolas para com os pais, passando pela análise legislativa que ampara este dever e os princípios constitucionais que permeiam a matéria, agrupados no Princípio do Melhor Interesse.
2. O poder parental
A tradicional expressão “Pátrio Poder” foi cedendo lugar a novas denominações, como: poder parental e poder de proteção. Este poder deve ser exercido no superior interesse do menor, deixando de ser um poder para se tornar um dever, uma responsabilidade.
Assim, o poder parental, é um conjunto incindível de poderes-deveres, que deve ser altruisticamente exercido à vista do integral desenvolvimento dos filhos, até que esses se bastem em si mesmos. Sendo pai e mãe conjunta, igualitária e simultaneamente, os sujeitos ativos do exercício do poder parental, como efeito da paternidade e da maternidade e não do matrimônio ou da união estável.
A partir da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), a questão do interesse da criança em conservar relações pessoais com ambos os pais passa a ser reconhecida como direito.
A nova Lei Civil trouxe, de forma clara, ao pai e à mãe o exercício conjunto do poder familiar, em seus artigos 1.631 e 1.634, que antes só se encontrava um respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando aos pais, na separação judicial, no divórcio e na dissolução da união estável, terem seus filhos em sua companhia.
Desta sorte, o poder familiar não se confunde com a guarda, e tampouco é afetado pela separação, divórcio ou dissolução da convivência dos pais. Este instituto tem sua origem na razão natural dos filhos necessitarem de cuidado, com a absoluta dependência desde seu nascimento e reduzindo esta na medida de seu crescimento, desligando-se os filhos da potestade dos pais quando atingem a capacidade cronológica com a maioridade civil, ou através da sua emancipação.
O artigo 229 da Constituição Federal mostra o conteúdo do poder familiar, ao prescrever como deveres inerentes aos pais os de assistir, criar e educar os filhos menores, sendo secundado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando estabelece ser incumbência dos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores.
3. A guarda material e a guarda jurídica: suas distinções
Após a ruptura conjugal há um desdobramento da guarda. Tal desdobramento enfraquece de certa forma o poder familiar do genitor que fica impedido do amplo exercício do seu direito, com a mesma intensidade e na mesma medida que o outro, o guardador.
Aquele dos genitores a quem é atribuída a guarda, como observa Orlando Gomes tem-na não apenas a material, mas também a jurídica. A primeira consiste em ter o filho em companhia, vivendo com ele sob o mesmo teto, em exercício de posse e vigilância. A segunda implica o direito de reger a pessoa dos filhos, dirigindo-lhe a educação e decidindo todas as questões do interesse superior dele, cabendo ao outro o direito e dever de fiscalizar as deliberações tomadas pelo genitor a quem a guarda foi atribuída.[3]
Assim, a guarda jurídica é exercida a distância pelo genitor não-guardião. A guarda material, ou física, prevista no artigo 33, § 1º, do ECA realiza-se pela proximidade diária do genitor que conviva com o filho.
A ruptura conjugal cria a família monoparental e a autoridade parental, até então exercida pelo pai e pela mãe, acompanha a crise e se concentra em um só dos genitores, ficando o outro muitas vezes reduzido a um papel verdadeiramente secundário (visita, alimentos, fiscalização). Quer isso dizer que um dos genitores exerce a guarda no âmbito da atuação prática, no cuidado diário e outro conserva as faculdades potenciais de atuação.
Assim, surgem os conflitos em relação à guarda de filhos de pais que não mais convivem. Cumpre ao legislador e ao Judiciário o dever de estabelecer as soluções que privilegiem a manutenção dos laços, eliminando a dissimetria dos papéis parentais.
Portanto, o fato do genitor não possuir a guarda do filho, não resta prejudicado para exercer o poder familiar que, inclusive, deixando de fazer estará praticando crime tipificado no Código Penal, como: abandono material, artigo 244; abandono intelectual artigo 245; abandono moral artigo 247; abandono de incapaz artigo. 133; abandono de recém nascido artigo. 134.
4. Do melhor interesse
A partir da Constituição de 1988, o Brasil passa a ser signatário da Doutrina da Proteção Integral. A criança, antes sujeito de necessidades, adquire a condição de sujeito de direitos. Neste sentido, vistos como detentores de dignidade subjetiva merecendo especial atenção a fim de efetivamente receber proteção e reconhecimento como “Sujeito de Direitos” de“Prioridade Absoluta”.
A respeito desses direitos fundamentais, o Estatuto traz consubstanciado no art. 4º, 7º e no caput do art. 19 o direito à vida, saúde e convivência familiar e comunitária.
5. Do dever de informação das Instituições de Ensino
Em 2009 foi promulgada a Lei 12.013, que alterou o art. 12 da Lei de Diretrizes e Bases, garantindo o direito de pais, conviventes ou não com seus filhos, receberem informações quanto a freqüência e rendimentos dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola.
Assim, assegurar ao pai não-guardião o acesso às informações escolares do filho é, antes de tudo, um direito da criança e do adolescente a garantir-lhe o desenvolvimento e preparo para o exercício da cidadania.
Os diretores das escolas que não compartilham e até proíbem o acesso às informações acerca do rendimento escolar, dia e horário de reuniões, festas comemorativas e senhas de acesso a páginas eletrônicas que constam dados do aluno, estão demonstrando confusão entre os institutos da guarda e poder familiar anteriormente abordados, além do descumprimento de ordem legal.
Desta forma, pela falta de conhecimento da legislação vigente e insensibilidade, as escolas brasileiras seguem descumprindo com o preceito maior de proteção e atenção às crianças e adolescentes. Com a alteração trazida pela Lei 12.013 de 2009, as instituições estão obrigadas a fornecer informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus filhos. Desta maneira, deveriam se posicionar a fim de contribuir para que os filhos tenham seus genitores mais próximos, em consonância com a política da paternidade responsável e garantindo o direito de convivência familiar saudável.
A escola deve ser um instrumento de efetivação de desenvolvimento sadio, oferecendo a cada um dos pais o espaço para fazer parte da escola, compartilhar e dialogar nas tomadas de decisões.
De nada nos adianta lei esquecida ou desviada do seu propósito. Conforme elucida Marcos Duarte,
Ressalta-se que, apesar de toda a preocupação em se positivar direitos relativos aos menores de idade, o que se observa na prática é a constante violação desses direitos, estando ainda essa classe da população sofrendo frontais discriminações. O Brasil, (...) em que pese possuir leis internacionais e ser signatário de todos os tratados internacionais de proteção à criança, ainda se encontra distante de, na prática, atribuir às suas crianças a qualidade de sujeitos de direito.[4]
6. Conclusão
As transformações, os questionamentos, as direções por que passam a sociedade obrigam os profissionais, instituições e grupos sociais a pesquisar, discutir, orientar-se e atualizar-se quanto aos aspectos sociais, jurídicos, psicológicos e institucionais dessas mudanças. Os ordenamentos jurídicos devem refletir a realidade social e corresponder o melhor possível às necessidades e demandas que essa sociedade impõe. Resta-nos efetivar estes direitos e possibilitar o concreto desenvolvimento da criança e adolescente.
7. Referências
DUARTE, Marcos. Alienação Parental: restituição internacional de crianças e abuso do direito de guarda. Leis & letras, 2010.

GOMES, Orlando. Direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

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[1] Advogada familista do escritório Telles e Dala Nora advogados, especializada em Direito de família e sucessões, palestrante convidada da Escola Superior de Advocacia do Estado do Rio Grande do Sul.
[2] Advogada; Mestranda em Aspectos Bioéticos e Jurídicos pela UMSA - Universidad del Museo Social Argentino; Especialista em Bioética pela PUC/RS, Especialista em Direito Civil - ênfase em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC. Membro da Sociedade Rio-Grandense de Bioética SORBI. Membro do Núcleo de Estudos de Bioética da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul AJURIS; Parecerista e Consultora Jurídica.
[3] GOMES, Orlando. Direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 281.
[4] DUARTE, Marcos. Alienação Parental: restituição internacional de crianças e abuso do direito de guarda. Leis & Letras, 2010.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

AMORES CLANDESTINOS


Saí do consultório às pressas, sem dar a menor atenção à secretária que correu atrás de mim para transmitir-me algum recado importante que julgava importante. Importante para quem?

Não para mim. Naquele momento nada era mais importante do que chegar ao local do encontro.

Mas tudo conspirava contra a minha pressa: todos os sinais de trânsito mudaram desaforadamente para vermelho à minha aproximação, todos os motoristas saíram lerdos àquela mesma hora, e se posicionaram justo no meu trajeto. Só os ponteiros do relógio andavam depressa cada vez mais, roubando os poucos minutos (eram sempre poucos!) que a vida concedia àqueles encontros arrancados das garras da impossibilidade.

- Assim não vai dar tempo para nada, não vamos nem tomar um lanche!

Ao murmurar essas palavras, dei-me conta de como a vida, em sua infinita criatividade, oferece inusitados enredos para que cada um de n[os conheça a mais ampla das sensações e das emoções, a despeito da especifica trajetória de cada ser humano. Por tive a certeza de que a  ansiedade, a aflição com os segundos perdidos, a expectativa do encontro eram sentimentos idênticos aos de uma mulher apaixonada que corre para os braços de seu amante. Com uma vantagem: não havia em mim a menor sombra de culpa

Afinal, eu corria ao encontro de minha neta de três anos )que morava em outra cidade),, para pegá-la no consultório do pediatra e ficar com ela algumas poucas horas depois da consulta, enquanto minha filha atendia a compromissos em São Paulo.  

( Lidia Aratangy , Livro dos Avós, p. 19)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Prisão do devedor de alimentos na jurisprudência

Efetividade da pena

Devedor de pensão deve ir para regime fechado, diz TJ-RS

A prisão em albergue não tem o mesmo efeito coativo da prisão civil para pais que deixam de pagar pensão alimentícia a seus filhos. Sob este argumento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou o recolhimento prisional, em regime fechado, de um pai inadimplente com o débito alimentar desde novembro de 2010. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 11 de abril.
O Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento contra decisão interlocutória, no âmbito de Ação de Execução de Alimentos, que estabeleceu o regime aberto para cumprimento da prisão civil decretada pelo juízo da comarca de São Leopoldo.
Sustentou, em síntese, que fixação do regime aberto desconsidera a situação concreta apresentada no processo, informando que o homem já cumpriu em duas oportunidades a prisão civil neste regime, sem que isso tenha resultado em coação suficiente para que ele pagasse a pensão corretamente.
A promotoria afirmou que o pai utiliza todo tipo de subterfúgio para evitar pagar suas obrigações. Em geral, alega impossibilidade econômica, fazendo pagamentos parciais às vésperas da prisão, apenas para que o mandado seja suspenso. A ação também relata que ele tenta se esconder do oficial de Justiça e inventa doenças, como tentativa para a decretação da prisão em regime domiciliar.
Brincar de prisãoO relator do recurso, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, admitiu que a solução adotada na origem termina por fazer com que o executado fique, na prática, livre do cumprimento da medida. É que a custódia está fora da disciplina penal, já que não são aplicáveis à espécie as regras executivas criminais.
Citando o jurista e desembargador aposentado do TJ-RS, Araken de Assis, disse que nenhum estímulo real sobre o devedor existiria se o meio executório não se prestasse como vis compulsiva (ameaça moral, que cause medo no agente) a obrigá-lo à observância ao julgado.
Na doutrina de Araken Assis, ‘‘é preciso deixar bem claro ao alimentante relapso que, insatisfeitas as prestações, a pena se concretizará da pior forma e duramente; caso contrário, ensina a experiência, o obrigado não se sensibilizará com a medida judicial. As experiências de colocar o executado em albergue, à margem da lei, em nome de um duvidoso garantismo, revelam que o devedor, nesta contingência, prefere cumprir a pena em lugar de pagar a dívida’’.
Em outras palavras, resumiu o desembargador-relator, a utilidade do meio processual eleito pelo credor depende, justamente, da efetiva privação de liberdade do apenado — o que não seria conseguido com a prisão-albergue.
"Enfim, no caso, em não sendo assim, brincamos de prisão civil por dívida de alimentar, enquanto o reconhecido devedor finge que paga alimentos", exemplificou o procurador de Justiça Antônio Cezar de Lima Fonseca, cujo parecer foi acrescentado pelo relator às razões de decidir.
Clique aqui para ler o acórdão.
Sustento de menores

TJ-SC nega habeas a músico que deve pensão alimentícia

A 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou pedido de Habeas Corpus a um músico preso por dever mais de R$ 32 mil em pensão alimentíca aos seus três filhos menores de idade. O músico de Florianópolis seguirá preso até o cumprimento da obrigação ou o esgotamento do prazo de segregação determinado no juízo de origem.
O relator do Habeas Corpus, desembargador Luiz Fernando Bolle, observou que, há cinco anos, o músico resiste em assistir os próprios filhos, com idades entre 11 e 14 anos. Bolle disse também em seu voto que as crianças tem seus sustento custeado, muitas vezes, por familiares e mesmo pela congregação religiosa que frenquentam, obtendo desta a doação de cestas básicas.
O desembargador afastou ainda o argumento da defesa de que a obrigação não tem sido honrada em virtude de o músico estar desempregado. A 4ª Câmara acompanhou o voto do relator por unanimidade.
“E nem se pondere que o alegado desemprego do prestador constitui motivo suficiente para afastar a coerção imposta, visto que, além de a presente via sumária não constituir meio eficiente a este tipo de cotejo, o substrato probatório encartado nos autos não confere objetividade ao alegado, absolutamente, estando bem evidenciada a atividade profissional do músico paciente na Orquestra Sinfônica de Santa Catarina e no Teatro Governador Pedro Ivo Campos”, afirmou Bolle em seu voto.http://www.conjur.com.br/2013-jun-15/tj-sc-nega-hc-musico-30-pensao-alimenticia

IBDFAM : Instituto Brasileiro de Direito de Família

IBDFAM : Instituto Brasileiro de Direito de Família

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O entendimento do STJ sobre a separação obrigatória de bens na união estável

União estável e a separação obrigatória de bens
Quando um casal desenvolve uma relação afetiva contínua e duradoura, conhecida publicamente e estabelece a vontade de constituir uma família, essa relação pode ser reconhecida como união estável, de acordo com o Código Civil de 2002 (CC/02). Esse instituto também é legitimado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, parágrafo 3o.

Por ser uma união que em muito se assemelha ao casamento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado às uniões estáveis, por extensão, alguns direitos previstos para o vínculo conjugal do casamento.

Na união estável, o regime de bens a ser seguido pelo casal, assim como no casamento, vai dispor sobre a comunicação do patrimônio dos companheiros durante a relação e também ao término dela, na hipótese de dissolução do vínculo pela separação ou pela morte de um dos parceiros. Dessa forma, há reflexos na partilha e na sucessão dos bens, ou seja, na transmissão da herança.

O artigo 1.725 do CC/02 estabelece que o regime a ser aplicado às relações patrimoniais do casal em união estável é o de comunhão parcial dos bens, salvo contrato escrito entre companheiros. Mas o que acontece no caso de um casal que adquire união estável quando um dos companheiros já possui idade superior a setenta anos?

É justamente em virtude desse dispositivo que vários recursos chegam ao STJ, para que os ministros estabeleçam teses, divulguem o pensamento e a jurisprudência dessa Corte sobre o tema da separação obrigatória de bens e se esse instituto pode ou não ser estendido à união estável.

Antes de conhecer alguns casos julgados no Tribunal, é válido lembrar que o direito de família brasileiro estabeleceu as seguintes possibilidades de regime de comunicação dos bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação obrigatória, separação voluntária e ainda participação final nos aquestos (bens adquiridos na vigência do casamento).

Obrigatoriedade

A obrigatoriedade da separação de bens foi tratada pelo Código Civil de 1916 (CC/16) em seu artigo 258, parágrafo único, inciso II. No novo código, o assunto é tratado no artigo 1.641. Para o regramento, o regime da separação de bens é obrigatório no casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de 70 anos, (redação dada pela Lei 12.344 de dezembro de 2010. Antes dessa data a redação era a seguinte: do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos) e de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

No Recurso Especial 646.259, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, entendeu que, para a união estável, à semelhança do que ocorre com o casamento, é obrigatório o regime de separação de bens de companheiro com idade superior a sessenta (60) anos. O recurso foi julgado em 2010, meses antes da alteração da redação do dispositivo que aumentou para setenta (70) o limite de idade dos cônjuges para ser estabelecido o regime de separação obrigatória.

Com o falecimento do companheiro, que iniciou a união estável quando já contava com 64 anos, sua companheira pediu em juízo a meação dos bens. O juízo de primeiro grau afirmou que o regime aplicável no caso é o da separação obrigatória de bens e concedeu a ela apenas a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, mediante comprovação do esforço comum. Inconformada com a decisão, a companheira interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

O TJRS reformou a decisão do primeiro grau e deu provimento ao recurso. Afirmou que não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens previsto no artigo 258, parágrafo único, inciso II, do CC/16, “porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionantes. E, ainda que se entendesse aplicável ao caso o regime da separação legal de bens, forçosa seria a aplicação da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF), que igualmente contempla a presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na constância da união”.

O espólio do companheiro apresentou recurso especial no STJ alegando ofensa ao artigo mencionado do CC/16 e argumentou que se aplicaria às uniões estáveis o regime obrigatório de separação de bens, quando um dos conviventes fosse sexagenário, como no caso.

Instituto menor

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a partir da leitura conjunta das normas aplicáveis ao caso, especialmente do artigo 226, parágrafo 3o, da Constituição, do CC/16 e das Leis 8.971/94 e 9.278/96, “não parece razoável imaginar que, a pretexto de se regular a união entre pessoas não casadas, o arcabouço legislativo acabou por estabelecer mais direitos aos conviventes em união estável (instituto menor) que aos cônjuges”.

Salomão, que compõe a Quarta Turma do STJ, mencionou que o próprio STF, como intérprete maior da Constituição, divulgou entendimento de que a Carta Magna, “coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele”. A tese foi expressa no Mandado de Segurança 21.449, julgado em 1995, no Tribunal Pleno do STF, sob a relatoria do ministro Octavio Gallotti.

Salomão explicou que, por força do dispositivo do CC/16, equivalente em parte ao artigo 1.641 do CC/02, “se ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens, também o deve ser às uniões estáveis que reúnam as mesmas características, sob pena de inversão da hierarquia constitucionalmente sufragada”.

Do contrário, como cita Caio Mário da Silva Pereira, respeitado jurista civil brasileiro, no volume 5 de sua coleção intitulada Instituições do Direito Civil, se aceitassem a possibilidade de os companheiros optarem pelo regime de bens quando o homem já atingiu a idade sexagenária, estariam “mais uma vez prestigiando a união estável em detrimento do casamento, o que não parece ser o objetivo do legislador constitucional, ao incentivar a conversão da união estável em casamento”. Para Caio Mario, “deve-se aplicar aos companheiros maiores de 60 anos as mesmas limitações previstas para o casamento para os maiores desta idade: deve prevalecer o regime da separação legal de bens”.

Discrepância

O entendimento dos ministros do STJ tem o intuito de evitar interpretações discrepantes da legislação que, em sentido contrário ao adotado pela Corte, estimularia a união estável entre um casal formado, por exemplo, por um homem com idade acima de 70 anos e uma jovem de 25, para burlarem o regime da separação obrigatória previsto para o casamento na mesma situação.

Ao julgar o REsp 1.090.722, o ministro Massami Uyeda, relator do recurso, trouxe à tona a possibilidade de tal discrepância. “A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus (falecido), constante do artigo 1.641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário”, analisou.

O recurso especial foi interposto pelo irmão do falecido, que pediu a remoção da companheira como inventariante, por ter sonegado informações sobre a existência de outros herdeiros: ele mesmo e seus filhos, sobrinhos do falecido, na sucessão. A união estável foi iniciada após os sessenta anos de idade do companheiro, por isso o irmão do falecido alegou ser impossível a participação da companheira na sucessão dos bens adquiridos onerosamente anteriores ao início da união estável.

No STJ a meação foi excluída. A mulher participou da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência. Período que, para o ministro Uyeda, não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência. Ela concorreu ainda com os outros parentes sucessíveis, conforme o inciso III do artigo 1.790 do CC/02.

Uyeda observou que “se para o casamento, que é o modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir uma família, há a limitação legal, esta consistente na imposição do regime da separação de bens para o indivíduo sexagenário que pretende contrair núpcias, com muito mais razão tal regramento deve ser estendido à união estável, que consubstancia-se em forma de constituição de família legal e constitucionalmente protegida, mas que carece das formalidades legais e do imediato reconhecimento da família pela sociedade”.

Interpretação da súmula

De acordo com Uyeda, é preciso ressaltar que a aplicação do regime de separação obrigatória de bens precisa ser flexibilizado com o disposto na súmula 377/STF, “pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência”.

A súmula diz que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. A interpretação aplicada por Uyeda foi firmada anteriormente na Terceira Turma pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento do REsp 736.627.

Para Menezes Direito os aquestos se comunicam não importando que hajam sido ou não adquiridos com esforço comum. “Não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união”.

De acordo com Menezes Direito, a jurisprudência evoluiu no sentido de que “o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros”.

Esforço presumido

Para a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.171.820, ocasião em que sua posição venceu a do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti, a relatora para o acórdão considerou presumido o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal.

O recurso tratava de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e pedido de pensão alimentícia pela companheira. Ela alegava ter vivido em união estável por mais de uma década com o companheiro. Este, por sua vez, negou a união estável, afirmou tratar-se apenas de namoro e garantiu que a companheira não contribuiu para a constituição do patrimônio a ser partilhado, composto apenas por bens imóveis e rendimentos dos aluguéis deles.

O tribunal de origem já havia reconhecido a união estável do casal pelo período de 12 anos, sendo que um dos companheiros era sexagenário no início do vínculo. E o STJ determinou que os autos retornassem à origem, para que se procedesse à partilha dos bens comuns do casal, declarando a presunção do esforço comum para a sua aquisição.

Como o esforço comum é presumido, a ministra Nancy Andrighi declarou não haver espaço para as afirmações do companheiro alegando que a companheira não teria contribuído para a constituição do patrimônio a ser partilhado.

Para a ministra, “do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não há diferença no que se refere à partilha dos bens com base no regime da comunhão parcial ou no da separação legal contemporizado pela súmula 377 do STF”.

Alcance da cautela

A dúvida que pode surgir diz respeito ao que efetivamente a cautela da separação obrigatória, contemporizada pela súmula, alcança. Para o ministro Menezes Direito, a súmula “admitiu, mesmo nos casos de separação legal, que fossem os aquestos partilhados”.

De acordo com ele, a lei não regula os aquestos, ou seja os bens comuns obtidos na constância da união estável. “O princípio foi o da existência de verdadeira comunhão de interesses na constituição de um patrimônio comum”, afirmou. E confirmou que a lei não dispôs que a separação alcançasse os bens adquiridos durante a convivência.

Para Menezes Direito, “a cautela imposta (separação obrigatória de bens) tem por objetivo proteger o patrimônio anterior, não abrangendo, portanto, aquele obtido a partir da união” (REsp 736.627).

sábado, 20 de julho de 2013

Divórcio ou Separação?


"Divórcio ou separação? Quando seu marido pronuncia à meia-voz, esta pequena frase, Caterine se pergunta se entendeu bem. Como imaginar que, após vinte e cinco anos de casamento, Francis não lhe permitiria outra escolhas. Se não lhe prometera ser fiel (não eram “modernos”) não lhe havia jurado que era a eleita, a alma-irmã, a preferida eternamente- sua “primeira esposa”?." (Livro "A primeira esposa"- literatura francesa, Françoise Chandernagor)

Como regularizar legalmente o final de um relacionamento? Qual a melhor forma de assegurar os direitos oriundos dos efeitos de um relacionamento amoroso? É preciso essa regularização?

Quando um casal finaliza uma relação de forma amigável ou não, há uma preocupação de como dissolver essa sociedade e os efeitos dessa extinção. A relação afetiva, na forma de matrimônio ou de união estável, envolve questões de ordem social, patrimoniais e pessoais, que estão previstas na própria legislação, mesmo que as partes envolvidas não atentem para isso. O sentimento e a busca da felicidade muitas vezes ocultam aspectos mundanos da relação. Porém, quando  ocorre o final do relacionamento, estes aspectos vêm à tona e ganham importância para os separandos.

Em primeiro lugar, ao ser tomada a decisão da separação, é preciso que o casal defina se esse rompimento é definitivo mesmo, ou se apenas existe uma necessidade de “dar um tempo para a relação”. O Direito brasileiro possibilita a dissolução legal e definitiva da sociedade conjugal, rompendo-se todos os laços desse compromisso, através do divórcio. Essa forma de extinção do matrimônio não exige nenhum requisito, a não ser na escolha de sua forma legal, extrajudicial ou judicial, pois para que se possa  optar pela mais simplificada, através de uma escritura pública (extrajudicial), é preciso o  consenso e a inexistência de filho incapaz. Assim, com a emenda constitucional 66/2010, facilitou-se muito a possibilidade do término definitivo do matrimônio, eliminando-se os requisitos temporais ou motivacionais que existiam desde o advento da Lei do Divórcio.

A despeito de alguns entendimentos contrários, entendemos que a modalidade da separação continua em vigor, eis que a emenda constitucional que eliminou os requisitos para o divórcio não expressou a revogação dessa outra forma de extinção da sociedade conjugal. Ao optar pela mera separação, o casal pode apenas desconstituir a sociedade assumida através  do casamento, mantendo o vínculo conjugal para uma eventual reconciliação.    Assim lhe é  oportunizada a regulamentação de seu estado civil, a demarcação do final do regime de bens,  pensão alimentícia ou guarda de filhos, sem impor a extinção do vínculo conjugal, o que pode ser a intenção do casal, tanto por convicções religiosas, quanto por motivos de foro íntimo. Negar essa modalidade seria atentar contra a autonomia da vontade na área familiar. A escolha de uma ou de outra modalidade deve ser preservada, eis que, se a forma de constituição de uma entidade familiar é democrática, porque não a mesma liberdade na escolha da forma de extinção do vínculo?

Por outro lado, com relação à extinção da união estável, é preciso se verificar acerca da necessidade ou não da formalização da decisão. Assim, se o casal necessita partilhar bens, regularizar questões relativas aos filhos comuns ou mesmo efeitos de dependência econômica de um em relação a outro, podem fazer um distrato de união estável , ou mover uma ação consensual de dissolução dessa  união, especialmente havendo filhos incapazes. Assim, estarão garantindo e assegurando os seus respectivos direitos e os de seus filhos comuns, além de estarem prevenindo  litígios futuros.

O direito de escolha da melhor forma de finalizar uma história de amor deve ser respeitado e deve ser encarado de forma natural, pois se esse amor não pode ser vitalício, que não tenha necessariamente um final infeliz e traumático. Isso só depende das próprias personagens da história, mas que a legislação não seja um obstáculo a mais a ser vencido.