Total de visualizações de página

sábado, 17 de setembro de 2011

Desistência da adoção



Casal deve pagar R$ 80 mil e perdeu guarda após desistir de um dos filhos.
Justiça retirou a guarda do casal, que privilegiava filho biológico.
Glauco Araújo
Do G1, em São Paulo
Um casal de irmãos, de 9 e 13 anos, está recebendo apoio psicológico desde setembro do ano passado, quando voltou a morar em abrigos para crianças e adolescentes em Gaspar (SC). Eles estão separados em duas instituições após a desistência dos pais adotivos em permanecer com os dois e recebem apoio psicológico e são preparados para a possibilidade de integrarem um novo processo de adoção.
A 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou o casal de pais adotivos, que tentou devolver, seis anos depois da adoção, um dos dois irmãos que estavam sob sua guarda. A Justiça determinou que os pais perdessem a guarda das duas crianças e que também pagasse R$ 80 mil, a serem divididos entre os dois irmãos, por danos morais.
Casal deve pagar R$ 80 mil e perde guarda após desistir de um dos filhos. Segundo o processo, os irmãos foram adotados em 2004, um menino de 3 anos e uma menina de 6 anos. Em março de 2010, o casal procurou uma assistente social de Blumenau (SC) para devolver o filho, alegando dificuldades no relacionamento.
O casal disse que o próprio menino não queria conviver com eles, o que era recíproco. Sem sucesso, tentaram novamente abdicar do poder familiar em Gaspar.
Segundo Gislaine dos Santos, responsável pela Casa Lar Sementes do Amanhã, onde está a menina de 9 anos, as duas crianças adotadas e que retornaram aos abrigos recebem apoio de um psicólogo para evitar que tenham reações comportamentais em decorrência de estarem deixando uma segunda família.
"Eles vieram para o abrigo quando eram bem pequenos em decorrência de abandono e negligência dos pais biológicos. Agora, os pais adotivos os adotaram e depois quiseram voltar atrás da decisão de adoção de apenas um deles. Trabalhamos abertamente com eles e mostramos todas as etapas do processo e sobre a possibilidade de serem adotados novamente", disse Gislaine.
Ela afirmou que as crianças são avisadas sobre todas as decisões judiciais sobre o caso deles. "Claro, uma nova adoção só será feita após a finalização de todas as instâncias judiciais do caso", disse a responsável pelo abrigo.
Gislaine relatou que as duas crianças chegaram a pedir a companhia dos pais adotivos após deixarem o convívio com a família. "Isso aconteceu nos primeiros momentos, mas foi diminuindo ao longo do tempo. Hoje já estão mais acostumados com a situação, muito em conta de não escondermos nada deles. Desde a possibilidade de uma nova adoção até mesmo de poderem voltar ao convívio com a família que os havia adotado."
Testemunhas
Vizinhos ouvidos no processo também disseram que o casal, principalmente a mãe, agredia verbalmente a criança e a discriminava perante os outros. Além de ofendido, o menino era obrigado a lavar os lençóis que usava, segundo uma psicóloga do Ministério Público que avaliou o caso, pois urinava na cama. Segundo ela, isso é sinal do transtorno psicológico sofrido pela criança.
O relatório concluiu que os pais adotivos mantinham atitudes discriminatórias em relação ao menino adotado. Conforme o documento, os pais adotivos privilegiavam a irmã dele, também adotada, e o filho biológico. Enquanto o filho biológico estudava em escola particular, os adotivos cursaram escola pública.
"O menino adotivo se destacava das demais crianças de sua idade, principalmente sobre o filho biológico do casal. Por exemplo, o filho biológico do casal não é muito comunicativo e não se adapta bem a atividades esportivas. O menino adotivo é justamente o oposto dele, pois se comunica com facilidade e vai bem nos esportes", disse Gislaine.
Segundo o tribunal, a psicóloga também considerou o casal despreparado para assumir a adoção, por não possuirem um ambiente favorável ao crescimento saudável dos filhos. "A mãe é engenheira química de renome acadêmico em Santa Catarina. Ela tem boa instrução, a família tem boas condições financeiras e não há razões para essa distinção entre as crianças. O pai adotivo mora no exterior e quem costumava ficar mais com as crianças era a mãe adotiva", explicou Gislaine.
Depois que a juíza Ana Paula Amaro da Silveira, em primeira instância, resolveu retirar a guarda dos dois irmãos adotados, o casal mudou de ideia e recorreu, afirmando que ainda havia possibilidade de convivência familiar.
Ao julgar o recurso, o desembargador Joel Dias Figueira Junior não levou o pedido em consideração. “O prejuízo causado pelo casal desponta já na atitude de terem assumido o pedido de adoção do menino quando desde sempre sabiam que não o queriam. Fizeram-no apenas e tão somente para garantir a realização do seu desejo de ter a adoção da irmã”, afirmou ele na decisão.
"É fato incontroverso que o menino nunca foi desejado", escreveu o magistrado, o que é comprovado, segundo ele, pela própria fala da mãe quando foi ouvida pela equipe de psicólogos e psiquiatras do Ministério Público. "Eu me apaixonei pela menina. Deus fez ela para mim. Ela quer ser minha e eu dela", teria dito a mãe, segundo o processo. "Estava apaixonada por ela e não por ele."
"Agora, pretendem novamente repetir a ação", diz ainda o desembargador. "Ao verificarem que a menina deseja a companhia do irmão, e que, legalmente, a previsão é de manutenção dos vínculos fraternais, mudam completamente todo o discurso feito neste processo e ao longo destes seis anos, para dizer que querem e desejam os dois”, escreveu.
Para o desembargador, a falta de afetividade ao menino foi mais do que comprovada. Por unanimidade, a Câmara manteve a retirada da guarda e determinou que R$ 80 mil devem ser divididos igualmente entre os dois irmãos, com depósito dos valores em uma poupança vinculada ao juízo, até completarem a maioridade.
A decisão foi tomada em julgamento realizado em junho, mas somente foi divulgada nesta semana pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário