Maurício estava separado.
Sua esposa recém abandonou a casa. Levou as
roupas e os pertences sem motivo. Um suicida seria mais educado: pelo menos,
deixaria um bilhete e uma explicação. Não foi o que ocorreu.
Para complicar, Maurício e Karen irradiavam
felicidade nas últimas semanas, o que ferrou com a cabeça do sujeito. Não houve
nenhuma discussão, nenhuma cobrança, nenhum problema pontual.
Não entendia até aquele momento uma verdade
dura dos relacionamentos: a felicidade separa mais do que a infelicidade. Poucos
suportam depender de outro. Não há maior humildade do que precisar de
alguém.
A empregada Leonice vinha sempre às 8h, e
encontrava o bancário arrumado e com a mão na maçaneta.
Naquela sexta, não foi diferente, a não ser a
esperança da reconciliação.
– Karen ficou dormindo, somente acordará ao
meio-dia. Parecia muito cansada. Assistimos a um filme e deitamos tarde.
A empregada suspirou feliz com a reaproximação
do casal. Só faltou benzer a porta fechada do quarto.
– Volto para o almoço às 14h – completou.
A empregada foi ao mercado comprar ingredientes
e preparar um empadão de palmito, prato predileto de sua patroa.
No decorrer do caminho, recebeu ligação de
Maurício.
– Não esquece a rúcula e o iogurte natural que
acabaram. Karen não abre mão.
Ao meio-dia, Maurício telefonou de novo:
– Ela levantou?
– Não, permanece quietinha lá, sonhando com os
anjos – respondeu Leonice.
– Então, deixa dormindo.
Quando Maurício regressou para o almoço, no
meio da tarde. Karen não tinha dado sinal. Ponderou, ponderou e decidiu não
despertá-la.
– Ela nunca pode dormir. Não deve ter trabalho
hoje. Não é o caso de incomodá-la. Acordará sozinha.
O tempo rodou 15h, 15h30min, 16h,
16h30min.
Maurício ligou mais uma vez:
– E Karen?
– Nada ainda.
– Compra flores na esquina e decora a sala.
Gerânios, ela adora essa palavra: gerânio. Ela costuma falar que a palavra já
tem cheiro.
Satisfeita por dentro, Leonice riu com suas
covinhas, concluiu que os dois continuavam apaixonados um pelo outro.
Quando Maurício regressou às 18h, Karen
resistia dormindo. Ele teve que pedir:
– Vai acordá-la, passou do limite, o almoço já
é janta.
Leonice ressurgiu na sala branca, esverdeada,
rosa, azul, amarelo, lilás, alternando as cores do medo.
– Não tem ninguém no quarto.
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