São poucas as situações que causam tanto desconforto quanto
a morte. Ainda que se saiba que ela é inevitável e faz parte do curso natural
da vida, ao acontecer na sua casa ou no seu grupo de amigos, não há quem fique
indiferente.
Quando a morte inverte o curso da vida, e um filho morre
antes dos seus pais, é muito comum que as pessoas não saibam o que dizer, como
lidar com a situação e muitas vezes confundem-se entre seus próprios
sentimentos e temores, sem saber como agir para ajudar as pessoas que sofrem.
No acompanhamento ao Grupo de Apoio para pais que perderam
filhos da Fundação Thiago Gonzaga, escutamos muitos relatos de pais e mães
sobre o que os ajuda na hora em que seus filhos se vão. São inúmeras as
questões que surgem diante desta situação.
01 - O que dizer para os pais que perderam seu filho?
02 - Quando falar?
03 - Quem deve falar?
04 - O que fazer com o quarto e com os pertences do filho?
05 - É possível consolar? De que forma?
06 - Dá para falar do filho?
07 - Se não falar no nome dele é mais fácil esquecer?
08 - Quanto tempo leva para que as coisas voltem ao
“normal”?
09 - O que fazer nas datas comemorativas?
10 - Como ajudar, então?
11 - Onde procurar ajuda?
12 - O que não falar?
É claro que as respostas não são unânimes e nem adequadas
para todos os casos. Porém o trabalho com estes pais nos indica o que é
possível se fazer diante da dor da perda onde, muitas vezes, o silêncio ajuda
mais que muitas palavras.
Os primeiros momentos da perda, para muitos pais são
sentidos como se estivessem num sonho ruim e daqui a pouco irão acordar. As
pessoas que os conhecem, principalmente, os familiares, que também estão
sentindo muito, buscam alternativas de consolo, que possam dar conta dos mais
variados sentimentos. E é natural que se tente fazer algo, então se oferece
medicamentos, livros espíritas, orações e muitas, muitas frases de consolo:
“Deus quis assim”, “era a hora dele”, “a vida continua”, “ele era um jovem
especial” “ele era iluminado”, e outras nem tanto, “cada um recebe a carga que
pode carregar”, “eu sei o que tu estas passando perdi minha avó”, “eu no teu
lugar também morreria”, etc.
Frases como estas num primeiro momento causam estranheza,
pois não se consegue pensar ainda na situação como algo real, e depois causam
sensações de indignação.
Primeiro por que qualquer mãe ou pai trocaria um filho
iluminado, por um filho vivo. Quando a frase invoca Deus, até os que têm mais
fé se perguntam “cadê Deus que não cuidou do meu filho”, “que Deus é esse que
permite que os filhos se vão antes dos pais”. Que a vida continua todos sabem,
e na mais dolorosa das dores, pensar nisso aumenta ainda mais o vazio de
continuar sem a presença da pessoa amada. Comparar a perda de um filho, com
qualquer outra é injusta, pois como foi falado no inicio do texto, é contra a
ordem natural. Os filhos são a continuidade dos pais, que agora se encontram
impossibilitados de se projetarem neles, e sem a chance de recuperá-los. Em
hipótese alguma queremos dizer que qualquer outra perda seja fácil ou não tenha
valor. Apenas que dor não deve ser comparada, nem medida.
01 - O que dizer para os pais que perderam um filho?
Força. Conta comigo. Estou a tua disposição. Tu não esta
sozinho. Em que posso ajudar. Dar um abraço carinhoso e silencioso.
02 - Quando falar?
Sempre que houver oportunidade.
03 - Quem deve falar?
Todas as pessoas que estiverem solidárias naquele momento,
mas principalmente os amigos e familiares
04 - O que fazer com o quarto e com os pertences do filho?
Num primeiro momento nada. Deixar a família decidir no tempo
em que eles acharem adequado. Muitas vezes os amigos querem ficar com alguma
lembrança, e na maioria delas os pais não se importam em dar. Desde que se
tenha intimidade suficiente com os amigos para isso. Outras vezes são os irmãos
que pegam as roupas para usar isto é notado, por muitos pais, como uma
homenagem, uma forma de demonstrar carinho e permite que se fale sobre a pessoa
que se foi de forma natural e real.
05 - É possível consolar? De que forma?
Uma família que perde um jovem é muito assediada, num
primeiro momento, são os amigos, familiares, vizinhos, colegas, etc. A medida
em que o tempo vai passando e as pessoas vão retomando sua rotina, “pois a vida
continua” para todos, é que para os pais e familiares mais diretos, a realidade
começa a se impor. As pessoas já não querem mais falar sobre o que aconteceu,
como se não falando ajudasse a esquecer ou a não doer.
Ao contrário de outras perdas, o tempo, no caso dos pais, no
começo não é um bom aliado, e quanto mais os dias vão passando, mais aguda fica
a dor da realidade. O tempo cronológico de perda não é o mesmo da assimilação.
Dói ver a rotina sem o filho. A vida não é mais a mesma, ela não continua, ela
recomeçou sem aquela pessoa, e com uma história interrompida. Nada é igual a
família modifica, falta um prato na mesa, tem alguém que não entra mais pela
porta dizendo “família cheguei”, ou “mãe, pai sou eu”, ou ainda “o que tem para
comer”. Não se escuta mais o mesmo barulho na casa, a chave abrindo a porta de
madrugada, nem o mesmo entra sai de amigos, não há mais musica alta, nem folia,
computador e telefone ocupados o tempo todo, festa todo o final de semana ou
porta de quarto fechada cheirando a segredo.
É esta a realidade que machuca. É essa realidade que só se
instala na casa e na vida de quem perdeu. Para os pais dói ir ao supermercado e
não comprar aquilo que estavam acostumados a fazer automaticamente, as coisas
preferidas do filho. Dói colocar na mesa a comida que ele amava comer, fazer o
caminho do colégio, chegar à hora do almoço. Anoitecer. Sim são estes os
detalhes mais delicados de se lidar, e que passam despercebidos por quem não
compartilha a rotina. Consolar talvez não seja o mais adequado, sugiro agüentar
a dor do amigo, deixá-lo falar, respeitar seu silêncio, seu tempo. Não há
consolo para esta situação. È necessário disponibilidade para estar perto sem
ser invasivo, sem exigir uma reação imediata.
6 - Dá para falar do filho?
Sempre que as pessoas da família se mostrarem dispostas a
isso. Pois nem todos têm facilidade para tocar no assunto a qualquer momento.
Outros gostam de falar no filho como se ele estivesse presente, e está, no seu
coração. Outros não gostam ou naquele momento não querem falar. É preciso
sensibilidade e sutileza diante desta situação.
7- Se não falar no nome dele é mais fácil esquecer?
Os pais não esquecem. Talvez seja complicado para as pessoas
que estão de fora tocar no assunto. Por isso deve se respeitar o momento de
cada um. E até mesmo perguntar se quer falar no assunto ou não, o que não pode
é fazer que nada aconteceu, como se a pessoa não tivesse existido ou que esta
tudo bem.
08 - Quanto tempo
leva para que as coisas voltem ao “normal”?
A normalidade almejada ou esperada e que se tinha antes, não
existe mais. Um pai esquecer seu filho, é improvável. O que acontece é um
aprender lento a viver sem a presença do filho. É um aprender a lidar com a
saudade, com os dias sem ele, com a datas comemorativas, num tempo que é
singular. É necessário que se respeite a nova configuração familiar, o tempo de
cada um, e as modificações que vão ocorrendo nas pessoas.
09 - O que fazer nas datas comemorativas?
Os pais que perdem um filho perdem também a motivação e a
empolgação para comemorar qualquer data. O seu conceito sobre comemorações,
felicitações, bem como o seu ânimo para festas fica alterado. O conceito de
felicidade modifica. Passa-se a reconhecer os momentos felizes, e estes são
muito diferentes do que já foi um dia. Não é mais a mesma coisa comemorar um
ano novo, dia das mães, dos pais, aniversário, natal, etc. É claro que se
comemora, que se sente alegria, mas falta um pedaço, nada mais é completo e por
mais que se tente, falta uma pessoa importante, amada e que não é esquecida.
O convite dos amigos e familiares é sempre bem vindo, desde
que não seja uma imposição, que não se exija felicidade plena, alegria
transbordante ou o mesmo comportamento de antes. Desde que não se negue que o
amigo convidado perdeu um filho e se possa lidar com isso de forma natural.
10 - Como ajudar,
então?
Colocando-se a disposição. Dando o tempo necessário para que
as pessoas retomem suas vidas. Ligando às vezes para saber como estão, se
precisam de alguma coisa, se querem conversar, receber visita ou visitar.
Respeitando seus altos e baixos. Não exigindo que reajam como se o que
aconteceu fosse um evento banal “já passaram três meses, a vida continua, tem
que reagir”. A memória é atemporal. Quando a lembrança volta, não importa o
tempo que passou, parece que foi hoje. Falando quando se permitir falar e
ouvindo sempre que for necessário. Não passando a mão pela cabeça como se o
sofrimento fosse a única coisa que lhes resta. Mas apontando saídas, não
duvidando da dor, mas dizendo que é sim possível se reconstruir a vida,
diferente daquela que existiu, mas nem por isso pior. Exercendo a capacidade de
acolhimento e não de pena. Tratando as pessoas não como doentes, elas não estão
doentes, estão aprendendo a viver sem o filho. Colocando-se no lugar dessas
pessoas, por mais difícil e assustador que possa parecer, e se perguntado o que
me ajudaria nesta situação?!
Cada pessoa reage diante de uma situação traumatizante, de
acordo com a sua estrutura psíquica. Contar com uma rede de apoio saudável é
muito importante. Ter espaço para expor seus sentimentos é fundamental para que
se estabeleçam as mudanças que são inerentes à perda. Mudança de valores, de
hábitos, de conceitos, de interesses, etc.
11 - Onde procurar ajuda?
Muitos pais são levados a psiquiatras, padres, centro
espíritas, psicólogos, etc. No intuito de que algo seja feito de imediato. É
claro que alguns cuidados são necessários e imediatos, cuidados com a
alimentação, com o sono, com a tristeza que pode evoluir para depressão. Porém
é necessário que se respeite o jeito de cada um de lidar com a situação, pois
nem todas gostam de utilizar medicamentos e estes devem ser usados com
orientação médica e com cautela. Luto não é doença e a dor que ele traz não
cura com analgésico. À vontade de morrer é diferente do risco de se matar, e um
profissional capacitado deverá saber diferenciar estes sentimentos. A procura
por um padre ou centro espírita, pode ser sugerida, jamais imposta. Deve se
respeitar à fé de cada um e até mesmo a falta dela.
Os psicólogos e médicos que irão trabalhar com pais, devem
saber que estão diante de um tipo de luto muito particular, e que pode não
responder da mesma forma que os outros tipos, em hipótese alguma, dizemos que
será pior, porém com outras características e tempo de reação.
12 - O que não falar?
Não importa a forma como o filho partiu, se foi em acidente,
em um assalto, por doença, etc. Falar sobre o assunto é muito delicado. Relatar
fatos e detalhes só para satisfazer a curiosidade de quem pergunta é muito
dolorido. Os questionamentos sobre os detalhes do que aconteceu, talvez sejam
os mais inconvenientes e os que mais machucam os pais, principalmente quando
parte de pessoas com as quais não se tem intimidade, nem amizade e muitas vezes
nem contato. Essa situação só pode ser pior, nos momentos em que estas mesmas
pessoas vem querer contar algum detalhe desconhecido, ou algum fato chocante
relacionado ao ocorrido. Duvida-se até das intenções dessas pessoas. Será que
estão mesmo a fim de ajudar? Será que querem apenas saber qual a reação, o grau
de comoção, ou será que lhes faz bem a tristeza do outro?
Então, antes de perguntar aos pais algum detalhe sobre o
acontecido, sugerimos que se pense para que vai lhe servir esta informação, se
for simplesmente para satisfazer a sua curiosidade, talvez seja melhor
conter-se e não perguntar; se for para ajudar a esclarecer alguma duvida ou
para contribuir com alguma colocação coerente para clarear algum fato, que se
faça com sutileza e respeito.
fonte-http://www.vidaurgente.com.br/grupoapoio_oquedizer.asp?area=3