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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Crônica de Juremir Machado da Silva sobre o STJ e a monogamia


O STJ e a monogamia
Não tem para ninguém. A manchete desta semana é: "STJ rejeita união estável entre um homem e duas mulheres e defende monogamia". E se a união, como costuma acontecer nesses casos triangulares barraquentos, fosse instável, o STJ aceitaria? Alfeu, grande pensador palomense, filho do velho Maniqueu, garante que a monogamia é apenas uma monomania que se agrava com a falta de oportunidades, que se agrava com o passar dos anos, com o surgimento da calvície ou com a falta de "capital" simbólico, que, muitas vezes, é falta de capital mesmo, especialmente nas grandes capitais, onde ter capital é capital para o sucesso da vida interior.
Em tempos hipermodernos, quando tudo se acelera, a questão que se impõe é categórica: qual é o direito do Estado em dizer com quantas mulheres deve viver um homem ou com quantos homens deve viver uma mulher? Um realista responderá assim: quem sabe a resposta, não vai perguntar. Ou seja, quem vai pedir autorização para o Estado, acaba ouvindo o que não quer. O fato julgado pelo STJ é clássico: o homem, casado, teve uma amante, com a qual viveu até o final da vida. Mesmo tendo se divorciado, continuou a frequentar sistematicamente a ex. Depois que ele morreu, certamente extenuado ou de overdose de Viagra, as duas gentis mulheres foram à Justiça pedir reconhecimento das suas uniões estáveis.
A ministra-relatora do processo rejeitou as demandas com um argumento cristalino: o Brasil é monogâmico e, na monogamia, a fidelidade é fundamental. Mas pode alguém ser mais fiel do que um homem que, mesmo divorciado, continua "casado" com a ex? Parece patológico. Claro que o problema das duas ex são os direitos: pensão, herança e outras materialidades vulgares capazes de exigir a regulação estatal. O que fazer, no entanto, com um triângulo estável e aceito por todas as partes? Bom, o Estado não vai pagar duas pensões. Poderá, quem sabe, no futuro, mandar dividir os benefícios. Uma possibilidade é fazer isso informalmente. É uma solução prática, mas limitada, pois não cobre os planos de saúde. Como diz Michel Houellebecq, em "Extensão do Domínio da Luta", o sexo é um sistema de hierarquia social. O mundo divide-se cada vez mais entre os com e os sem sexo. Um sujeito com duas mulheres pode ser visto como um egoísta antissocial, um neoliberal selvagem da sexualidade sem regulamentação.
O mesmo, claro, vale para uma mulher com dois homens. Noutra perspectiva, podem ser vistos como seres generosos que ampliam o campo da afetividade satisfeita. Alfeu, que sempre examina todos os lados de uma questão, vê apenas um ponto realmente forte na monogamia: a redução drástica do número de sogras. Uma, argumenta com uma lógica aparentemente implacável, basta. Há homens, neste universo segmentado, entre os quais eu me incluo, que nada têm contra a sogra. Alfeu, sempre lógico, contra-argumenta: isso não quer dizer que seja interessante ter mais de uma sogra. Uma coisa parece inevitável: o Estado será, cada vez mais, expulso das alcovas. Não lhe cabe dizer a adultos com quantos parceiros devem se relacionar estável e simultaneamente.
JUREMIR MACHADO DA SILVA > correio@correiodopovo.com.br

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