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domingo, 13 de março de 2011

A prisão do devedor de alimentos e a necessidade de mudar


Qualquer leigo sabe que não pagar alimentos “dá cadeia”. No Brasil nenhuma norma é mais conhecida e apoiada do que essa. Porém, o exemplo para essa situação, normalmente, é a do pai como devedor e filhos incapazes como credores. O dever de sustento originário do poder familiar é reconhecido como uma obrigação inata, popularmente referida pelo ditado quem pariu que crie. Assim, essa regra usufrui de total respaldo da sociedade, obviamente até que a pessoa sinta seus efeitos na própria pele. Ocorre que, fundamentadas no argumento de que o direito à sobrevivência do credor se sobrepõe ao direito de liberdade do credor, as decisões jurisprudenciais estão deixando de analisar casuisticamente as questões que chegam aos tribunais, acarretando muitas vezes na prática da injustiça.
A prisão civil do devedor de alimentos é inscrita na Constituição Federal Brasileira como exceção absoluta. Não tem o objetivo de punir, mas de coagir uma determinada conduta. Ou seja, trata-se de um constrangimento legal no intuito de buscar o cumprimento de uma obrigação. O artigo 5º, LXII da Lei Maior dispõe que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Repita-se: inadimplemento voluntário e inescusável.
O artigo 733 do Código de Processo Civil Brasileiro aponta a possibilidade da prisão civil determinando que o devedor seja citado para pagar a dívida em três dias, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de efetuar o pagamento. Já a chamada Lei de Alimentos, Lei 5.478, em vigor desde 1968, refere em seu artigo 19 que o juiz poderá, na instrução da causa, ou da execução da sentença ou do acordo, tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação da prisão do devedor. Assim, até mesmo o rito executório poderá ser alterado em nome da resolução do conflito.
Muitas vezes é preciso uma reavaliação da prática nas mais diversas atividades profissionais. Na área administrativa isso se chama de feedback, ou de uma forma mais popular, é preciso parar e pensar para reavaliar: Será que as decisões não estão automatizadas? Na área do direito de família, especialmente quando se tratam de direitos fundamentais, a padronização de decisões é inadmissível. No entanto, na prática jurisprudencial é o que se constata.
Ao se efetuar uma pesquisa sobre os julgados na questão da prisão por alimentos, verifica-se que a uniformidade das decisões é a regra geral. Em especial dois tipos de fundamentações são utilizadas: a de que a medida da prisão do devedor de alimentos não é medida de exceção, e a de que não cabe discutir o binômio possibilidade-necessidade em sede de execução de alimentos, devendo ser apreciada em ação revisional, exoneração ou redução de alimentos.
Ora, como entender que a prisão civil não é medida de exceção? A própria Constituição Federal assim o refere, ao usar a expressão “salvo se...”. A clássica doutrina referente à matéria sempre aconselhou a deixar como última opção a coação pessoal. No entanto, verifica-se um maior cuidado e pudor na determinação da expropriação de renda para pagamento dos valores atrasados, do que na decretação da prisão do devedor. Ainda é sentido o paradigma patrimonialista na aplicação da regra jurídica, muitas vezes em detrimento do próprio direito básico da liberdade.
Quando a situação se refere ao débito de pensão alimentícia com origem no poder familiar, especialmente envolvendo absolutamente incapazes, o nível de exigência e de pressão obviamente é maior, afinal a hipossuficiência do credor somada ao dever de sustento se fazem presente e qualificam tal obrigação. Porém, ao se tratar de situações como alimentos devidos a ex-cônjuges, parentes ou filhos maiores, quando a necessidade é relativa, ou seja, existem outras fontes de renda, ou o dever alimentar se impõe pela manutenção de estudos, a tomada da radical medida da privação da liberdade não mais se justifica. O principal argumento usado de que, no confronto do direito à liberdade do devedor e a sobrevivência do credor, deve-se optar pelo sacrifício do primeiro, neste caso não se aplica.
No entanto não é assim que os nossos tribunais entendem. A regra geral é pela não aceitação da justificativa apresentada. Não é oportunizada a análise mais apurada das questões, nem uma tentativa de conciliação das partes na busca de um acordo amigável. Muitas vezes a dívida torna-se impagável para aquele devedor, considerando-se que, além do atraso que justificou a ação, somam-se todas as prestações vincendas no decorrer dos processos. A jurisprudência é uniforme no entendimento que o pagamento parcial não afasta a prisão.
Resta então ao devedor submeter-se ao mal prometido: o cerceamento de sua liberdade, que os doutrinadores insistem em afirmar que não é uma pena, mas afinal então, qual é a natureza jurídica da prisão do devedor de alimentos quando ela passa a ser aplicada e deixa de ser mera ameaça?

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