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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sentença para corrigir texto de lei


Excelente a fundamentação do juiz em sua sentença que tenta "corrigir" absurdos na interpretação da lei:


Quando a lei não basta para proferir uma sentença Autos número: 017......0063 Impetrante: G. O.C. Impetrado: Município de Conceição do Coité Concurso público municipal para provimento de apenas uma vaga. Reserva de cinco por cento aos candidatos portadores de necessidade especial. Impossibilidade. Valorização do concurso público para aferição do mérito. Utilização dos princípios da igualdade, tratamento desigual aos desiguais e razoabilidade. Garantir direitos não significa ser piedoso ou ter compaixão. Não é disso, nem de privilégios, que necessitam os portadores de necessidades especiais. Segurança concedida. G.O.C, qualificada nos autos, requereu Mandado de Segurança contra o Município de Conceição do Coité – Ba., alegando, em síntese, que submeteu-se a concurso público municipal, foi aprovada em primeiro lugar para a única vaga oferecida, mas fora informada pelo impetrado que não poderia lhe convocar e nomear, pois a única vaga oferecida seria destinada a outra candidata portadora de deficiência física. Juntou procuração e documentos de fls. 19 a 43. A liminar foi concedia, em parte, nos termos da decisão de fls. 43-v e 44. Informações do impetrado às fls. 46 e seguintes, alegando que cumpriu o preceito legal de reservar 5% das vagas para pessoa portadora de necessidade especial e, sendo apenas uma vaga oferecida, foi a mesma reservada à candidata portadora de necessidade especial. Não juntou documentos. Nova manifestação da impetrada às fls. 52 a 58, observando que “no caso em que se disputa apenas uma vaga, a aplicação da regra implica na reserva de absurdas 0,05 vagas, não podendo, deste modo ser aplicada! Se aplicada, a reserva da única vaga para candidatos deficientes físicos implica em percentual de 100%, o que, além de absurdo, não está previsto pelo edital.” Em parecer de fls. 73, o ilustre representante do Ministério Público requereu o chamamento da candidata portadora da necessidade especial, que compareceu para integrar a lide e alegou, em petição de fls. 81 a 87, que o Edital de abertura do processo seletivo ofereceu 41 vagas para o cargo, sendo 5% dessas vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Por fim, em parecer de fls. 106 a 111, o representante do Ministério Público manifestou-se pela procedência do pedido e concessão da ordem. É o Relatório. Decido. Com relação aos fatos, a única controvérsia a ser dirimida diz respeito ao número de vagas oferecidas. Na verdade, segundo consta do Anexo II, do Edital de abertura do processo seletivo (fls. 29), para a localidade de “Casas Populares” foi oferecida apenas uma vaga para o cargo de “orientador social”. Consta ainda do Edital de fls. 37 que a impetrante obteve nota 8,65 e a litisconsorte, portadora de necessidade especial, obteve nota 5,50. Em vista dessa prova documental, portanto, não há como se acolher o argumento da litisconsorte. Tem-se evidenciado, portanto, que a impetrante foi a primeira colocada para a única vaga oferecida em concurso público municipal, mas o impetrado destinou a vaga, sob o argumento da reserva de 5% para portadores de necessidade especial, para a candidata que se enquadrou neste critério. A questão, em suma, é esta: em concurso público, havendo apenas uma vaga em disputa, é possível a aplicação da reserva de 5% das vagas para pessoas portadoras de necessidade especial? No aspecto apenas legal, a Constituição Federal dispõe que “a Lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”; o artigo 37, § 1º, do Decreto 3.298/99, que regulamentou a Lei n° 7.853/89 (Leis dos Portadores de Necessidades Especiais), dispõe que às pessoas portadoras de deficiência será reservado o mínimo de cinco por cento das vagas em face da classificação obtida. No caso concreto, no entanto, como reservar 5% de apenas uma vaga? Se a regra legal, representada pela legislação mencionada, não oferece a resposta, imperioso buscar nos princípios, aqui entendidos como espécie do gênero norma, alguma solução para o caso. Neste sentido, o artigo 5°, caput, da Constituição da República, estabelece o princípio básico da igualdade formal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. De outro lado, esta igualdade formal, em face de circunstâncias históricas relacionadas à violação das garantias fundamentais de minorias e grupos sociais, implica na aplicação, aparentemente contraditória, de tratamento desigual aos desiguais. É o caso, por exemplo, das minorias étnicas, dos discriminados por motivo da orientação sexual, por deficiência física etc. Em consequência, não se pode dispensar tratamento igual aos desiguais, sob pena de se inviabilizar o sentido maior do princípio constitucional. Com relação aos portadores de necessidades especiais, a Lei nº 7.853/89, artigo 1°, § 1°, estabelece que “na aplicação e interpretação desta lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais do direito”. Sendo assim, tem-se, de um lado, o princípio geral da igualdade formal e, de outro lado, a necessidade de submeter este princípio à realidade histórica com relação à violação das garantias fundamentais dos excluídos e, por fim, a principiologia específica inserta na Lei dos Portadores de Necessidades Especiais. Na busca de uma solução para o conflito, deve-se observar, de início, que o concurso público destinava ao preenchimento do cargo de “Orientador Social” para execução do PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, sendo exigida dos candidatos a escolaridade mínima de nível médio e nenhuma referência com relação à desenvoltura física. Sendo assim, para todos os candidatos, no momento em que realizavam a prova escrita e entrevista, exigiu-se apenas a capacidade intelectual de cada um. Ora, neste caso, garantir direitos não significa ter piedade ou compaixão de um portador de necessidade especial. Não é isso que pretende a Lei e nem é disso, nem de privilégios, que necessitam os portadores de necessidades especiais. Garantir direitos, neste caso, significa reconhecer a condição específica de um portador de necessidade especial, mas também o direito de quem se submeteu a concurso para disputar apenas uma vaga e obteve a melhor nota. Sendo assim, uma pessoa portadora de necessidade especial deve ser tratada de forma desigual e especial, mas este tratamento não pode repercutir em privilégios injustificáveis ou na violação do direito e garantias fundamentais de outra pessoa. De fato, existindo apenas uma vaga em disputa e reservar esta vaga para um portador de necessidade especial é tornar absolutamente ineficaz o concurso e aferição do mérito dos concorrentes, inclusive do portador de necessidade especial, que já entraria na disputa com a certeza de que seria beneficiado por motivo da sua condição física. De todo o exposto, ponderando os princípios da igualdade formal, do tratamento diferenciado aos portadores de necessidade especial e da razoabilidade, JULGO PROCEDENTE a ação para conceder a segurança definitiva e determinar que o impetrado promova, imediatamente, os atos administrativos necessários à convocação e nomeação da impetrante. Por exigência legal, recorro de ofício da presente decisão ao Tribunal de Justiça da Bahia. Sem custas e sem honorários. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Conceição do Coité, 06 de abril de 2011 Bel. Gerivaldo Alves Neiva fonte- genivaldoneiva.blogspot.com Juiz de Direito

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