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sábado, 27 de março de 2010

Defenestrada


Talvez como uma exceção, considerando grande parte da população brasileira, há muito tempo eu conhecia o sentido da palavra “defenestrar”. Culpa do Luiz Fernando Veríssimo que, em uma antiga crônica chamada “Defenestração” explicava seu sentido (...Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “Defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela. Ato de atirar alguém ou algo pela janela!). No seu humor refinado e genial, o escritor jamais imaginaria que, um dia, essa palavra se popularizasse tanto e sugerisse um ato de horror e de frieza: o ato de jogar uma criança, a própria filha, pela janela.
Como todo o Brasil, acompanhei o caso Isabelle. Desde a primeira notícia, divulgada no noticiário de forma tímida, como um caso de tentativa de assalto, onde o criminoso teria feito como vítima uma criança. No outro dia, com mais destaque, o telejornal já sugeria a possibilidade do crime em família. Acompanhei com atenção todas as manifestações de populares, de jornalistas, de peritos, de juristas, de apresentadores de programas de auditório, enfim, todo mundo sempre queria opinar sobre o caso de alguma forma.
Procurei não me manifestar, especialmente perante meus alunos, afinal, o direito penal não é minha área. Porém, hoje, após o julgamento, não resisto em fazer algumas considerações.
Esse caso, com tamanha repercussão, desde seu início foi transformado em uma grande novela da vida real. Obviamente nós, brasileiros, esperamos o final feliz em cada novela ou filme, somos doutores nisso... Nada mais natural do que esperar a condenação do casal, e com a pena máxima. Só isso explica a euforia daquele público, ávido de notícias, na porta do fórum de São Paulo. Só isso explica o foguetório, a necessidade da utilização de gás para afastar a multidão e a presença de mais de trezentos jornalistas acompanhando passo a passo o desenrolar do júri. Um evento só comparável aos finais de campeonatos futebolístico (ou o final do Big Brother?) .
Achei deprimente aquela reação popular. É assustador perceber a força da mídia na formação da opinião pública. Até o advogado de defesa foi agredido pela população! Assisti a modelo e apresentadora de TV (?) Adriane Galisteu opinando sobre o assunto com ares de jurista, afirmando que “as qualificadoras vão diminuir a pena”(sic), acho que ela imaginou que “qualificadora” se referia a qualidades do réu. Ouvi o jornalista Carlos Nascimento admirar-se com a quantidade de júris ”ganhos” pelo promotor: "mais de 1.000", comparando com a experiência do advogado de defesa “apenas 30”. Vi a defesa acirrada, até por pessoas da área jurídica, pela extinção das cláusulas pétreas da Constituição Federal, a favor da pena de morte. Enfim, tudo isso entrando nos lares brasileiros indiscriminadamente, formando opiniões, incitando a população, prestando um verdadeiro desserviço à justiça.
Sem dúvida alguma, o casal já estava condenado há muito tempo. Foi condenado previamente pela mídia e pelos seus expectadores. Espero sinceramente que essa condenação tenha sido justa. Que efetivamente essa sentença tenha representado um exemplo para prevenir atitudes semelhantes, mas desejo muito mais ainda que, pelo menos, todo esse alvoroço sirva para despertar a conscientização da necessidade da proteção a esses seres tão fragilizados que, diariamente, são agredidos física e psicologicamente dentro de seu ambiente familiar, tendo como algozes justamente aqueles que teriam o maior dever de protegê-los.

2 comentários:

  1. O julgamento dos Nardoni mais lembrou o circo de Roma quando os condenados eram jogados aos leões famintos- o povo também vibrava.

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  2. Sociedade do espetáculo, garantiu mais um capítulo. A mídia foi a grande responsável. Repugnante. Também rogo para que tenha sido feito justiça. Apesar de achar que nesse caso, justiça rimou com vingança! Aliás, com vingança, e com alívio de culpa. Parece que todos esqueceram que a menina Isabella vinha sendo negligenciada pelos pais, segundo o que consta, a bastante tempo. Digo, pais, porque segundo informaçoes da mídia, ela voltava para casa seguidamente com sinais de maus tratos, e com depoimentos de agressoes da madrasta. E eu pergunto onde estava sua mae, que nao buscou averiguar o que de fato acontecia na casa do pai...que aliás, segundo depoimento da propria mae, sempre se mostrou bastante violento!!! Julgar o casal em praça pública, nao é apenas desfavor a justiça, mas também ao que se entende por melhor interesse da criança. Ela esta morta...e tantas outras estao vivas...e recebem diariamente maus tratos. Vale lembrar que maus tratos nao sao apenas: estupro, agressao física...mas devemos considerar que maus tratos dizem respeito ao lugar que a infancia contemporanea assume: LUGAR DE REAFIRMAÇAO NARCISICA DOS PAIS. Ter filhos para que se possa ascender socialmente, ou ainda, para que se possa realizar neles, os impedimentos dos antecedentes , é grotesco, e tao violento quanto qualquer estupro. É um ato de violencia psicologica, que beira o estupro...viola o lugar de inscriçao de desejo do sujeito!!! Salve salve os realitys Shows!!!!

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