Nova lei do divórcio pouco muda
Emenda constitucional acabou com necessidade de separação judicial, a partir de 14 de julho deste ano
A babá Franciele Silveira, 22 anos, casou-se aos 17 anos, com autorização dos pais. Três anos depois, a união naufragou. Ela e o ex decidiram se divorciar. Mas, pela lei, o casal deveria passar por um ano de separação, oficializada por um juiz, antes de chegar a essa etapa. Resultado: lá se foram quatro anos, e o casamento não foi dissolvido.
– Estamos esperando um dinheirinho para pagar os advogados para fazer o divórcio – conta a babá, que está reconstruindo a sua vida com um novo amor.
Se o casamento de Franciele tivesse terminado a partir do dia 14 de julho de 2010, um divórcio consensual poderia ser obtido em um prazo mínimo de 72 horas (já que o casal não tem filhos menores de 18 anos) e, no máximo, em duas semanas (caso houvesse partilha de bens). E eles nem precisariam passar por um juiz para formalizar o fim da união. Isso porque, nessa data, entrou em vigor a Emenda Constitucional 66, também chamada de “lei do divórcio direto”. A emenda altera o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição, que condicionava o divórcio a um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato – na qual marido e mulher vivem separados, mas são considerados casados perante a Justiça. Agora, esses prazos não existem mais.
A nova medida já completou mais de um mês em vigor e, ao contrário dos pesadelos dos mais conservadores, a aparente praticidade para extinguir o matrimônio não levou mais casais do que o costume ao Fórum ou aos tabelionatos (onde são feitos os divórcios extrajudiciais). Conforme o Cartório de Registro Civil de Santa Maria, em julho houve 50 divórcios. Desses, só dois foram fechados usando a nova disposição constitucional. Até 12 de agosto, três casamentos haviam sido dissolvidos. O tabelião substituto do 1º Tabelionato, Eduardo Fadul, já esperava que o movimento se mantivesse.
– O divórcio envolve questões internas e subjetivas. Não é uma lei que vai fazê-lo aumentar. Mas acredito que ela vá facilitar a regularização da situação de casais que já não estão mais juntos e que acham complicado se divorciar. Agora, eles devem formalizar o divórcio – acredita.
Para quem tem menor experiência conjugal, pode ser um pouco mais difícil encerrar com o casamento, pelo menos longe dos fóruns. É que alguns tabelionatos estão se recusando a fazer divórcios de casais que tenham menos de um ano de união, como o 1º e o 3º tabelionatos de Santa Maria. A justificativa é que a Emenda Constitucional não revogou os artigos do Código Civil que determinam a existência da separação judicial (veja quadro na página 11).
De acordo com o artigo 1.572, um cônjuge pode acabar com o casamento a qualquer momento, desde que prove que o outro violou os deveres matrimoniais por meio de violência, traição, abandono etc. Já o artigo 1.574 diz que uma união poderia acabar sem justificativa alguma, desde que haja um pré-requisito: um ano de casado. O Colégio Notarial e Registral tem quatro correntes diferentes de pensamento sobre o tema – desde admitir até negar a revogação dos artigos –, e cada tabelionato pode adotar uma postura diferente. No Rio de Janeiro, um casal pode se casar hoje e se divorciar com tabelião no dia seguinte. Em Santa Maria, não.
– Gostaria de ver o Poder Judiciário ou o Colégio Notarial se manifestarem sobre o tema, pondo fim à discussão – diz Fadul.
Estudiosos e juristas discutem divergências
Entre os advogados, a nova lei do divórcio é tema de debate justamente por ignorar os termos do Código Civil. O fim da separação acaba com a definição de culpa para as disputas litigiosas. A discussão de quem foi o causador do fim do casamento serviria para determinar questões de pensão e divisão de bens. O cônjuge declarado culpado perderia o direito de usar o sobrenome do outro, se fosse o desejo do inocente, por exemplo.
A professora de Direito de Família do Centro Universitário Franciscano (Unifra) Bernardete Schleder dos Santos entende que a manutenção da separação pode ser interessante para alguns casais, seja por questões de religiosidade ou possibilidade de reconciliação. Mas ela afirma que a discussão de culpa está em desuso há algum tempo, e seu reconhecimento não apresenta efeitos significativos quanto às questões a serem decididas no momento da separação. Porém, a culpabilidade de um ou de outro cônjuge pode ser relevante em alguns casos:
– Ela pode gerar o direito de uma reparação moral. Assim, entendo que os juízes que atuam na área do Direito de Família devem se conscientizar de que os litígios familiares podem, sim, ser objeto de análise em ações de indenização por dano moral. Exemplifico no caso de adultério, ciúme excessivo, violência física e moral.
Conforme Bernadete, no 2º Congresso de Direito de Família do Mercosul – promovido pelo Instituto de Direito de Família, há duas semanas, em Porto Alegre –, os estudiosos da área estavam bastante divididos. A professora acompanhou a parcela que acredita que a separação judicial permanece valendo, por não terem sido revogados os artigos referentes ao tema no Código Civil.
Constituição – O juiz da 2ª Vara de Família de Santa Maria, Rafael Pagnon Cunha, cita o princípio da supremacia da Constituição para discordar. De acordo com ele, a Constituição é a lei suprema do Estado, e nenhuma norma divergente pode existir no Estado. Cunha vê virtudes na nova emenda, que diminui a interferência do Estado na vida do cidadão, ao reduzir as etapas até a dissolução do casamento uma vez terminado o amor – mesmo em casos divórcios litigiosos.
– O divórcio não será objeto de aprofundado questionamento que não a existência do casamento em si. “Quando um não quer, dois não ficam juntos”. A expressão popular ganha guarida no atual Direito das Famílias, em que se compreende que, para o divórcio, basta o pedido de um dos integrantes do casal – diz o juiz.
Também não é possível a um dos cônjuges se recusar a dar o divórcio, conforme Cunha:
– Quem dá o divórcio é o Estado, via Poder Judiciário. Sem debate de culpa, nem investigação do porquê do desamor e sem exposição desnecessária das pessoas. Sem voyeurismo estatal, imiscuindo-se desnecessariamente na vida das famílias. O fim do amor e o pedido que o Estado o decrete são suficientes.
Censo
Segundo o IBGE, houve 153 mil divórcios no país em 2008. Em Santa Maria, foram 272
Fonte- Diário de Santa Maria- 24/08/2010- tatiana.dutra@diariosm.com.br
Emenda constitucional acabou com necessidade de separação judicial, a partir de 14 de julho deste ano
A babá Franciele Silveira, 22 anos, casou-se aos 17 anos, com autorização dos pais. Três anos depois, a união naufragou. Ela e o ex decidiram se divorciar. Mas, pela lei, o casal deveria passar por um ano de separação, oficializada por um juiz, antes de chegar a essa etapa. Resultado: lá se foram quatro anos, e o casamento não foi dissolvido.
– Estamos esperando um dinheirinho para pagar os advogados para fazer o divórcio – conta a babá, que está reconstruindo a sua vida com um novo amor.
Se o casamento de Franciele tivesse terminado a partir do dia 14 de julho de 2010, um divórcio consensual poderia ser obtido em um prazo mínimo de 72 horas (já que o casal não tem filhos menores de 18 anos) e, no máximo, em duas semanas (caso houvesse partilha de bens). E eles nem precisariam passar por um juiz para formalizar o fim da união. Isso porque, nessa data, entrou em vigor a Emenda Constitucional 66, também chamada de “lei do divórcio direto”. A emenda altera o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição, que condicionava o divórcio a um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato – na qual marido e mulher vivem separados, mas são considerados casados perante a Justiça. Agora, esses prazos não existem mais.
A nova medida já completou mais de um mês em vigor e, ao contrário dos pesadelos dos mais conservadores, a aparente praticidade para extinguir o matrimônio não levou mais casais do que o costume ao Fórum ou aos tabelionatos (onde são feitos os divórcios extrajudiciais). Conforme o Cartório de Registro Civil de Santa Maria, em julho houve 50 divórcios. Desses, só dois foram fechados usando a nova disposição constitucional. Até 12 de agosto, três casamentos haviam sido dissolvidos. O tabelião substituto do 1º Tabelionato, Eduardo Fadul, já esperava que o movimento se mantivesse.
– O divórcio envolve questões internas e subjetivas. Não é uma lei que vai fazê-lo aumentar. Mas acredito que ela vá facilitar a regularização da situação de casais que já não estão mais juntos e que acham complicado se divorciar. Agora, eles devem formalizar o divórcio – acredita.
Para quem tem menor experiência conjugal, pode ser um pouco mais difícil encerrar com o casamento, pelo menos longe dos fóruns. É que alguns tabelionatos estão se recusando a fazer divórcios de casais que tenham menos de um ano de união, como o 1º e o 3º tabelionatos de Santa Maria. A justificativa é que a Emenda Constitucional não revogou os artigos do Código Civil que determinam a existência da separação judicial (veja quadro na página 11).
De acordo com o artigo 1.572, um cônjuge pode acabar com o casamento a qualquer momento, desde que prove que o outro violou os deveres matrimoniais por meio de violência, traição, abandono etc. Já o artigo 1.574 diz que uma união poderia acabar sem justificativa alguma, desde que haja um pré-requisito: um ano de casado. O Colégio Notarial e Registral tem quatro correntes diferentes de pensamento sobre o tema – desde admitir até negar a revogação dos artigos –, e cada tabelionato pode adotar uma postura diferente. No Rio de Janeiro, um casal pode se casar hoje e se divorciar com tabelião no dia seguinte. Em Santa Maria, não.
– Gostaria de ver o Poder Judiciário ou o Colégio Notarial se manifestarem sobre o tema, pondo fim à discussão – diz Fadul.
Estudiosos e juristas discutem divergências
Entre os advogados, a nova lei do divórcio é tema de debate justamente por ignorar os termos do Código Civil. O fim da separação acaba com a definição de culpa para as disputas litigiosas. A discussão de quem foi o causador do fim do casamento serviria para determinar questões de pensão e divisão de bens. O cônjuge declarado culpado perderia o direito de usar o sobrenome do outro, se fosse o desejo do inocente, por exemplo.
A professora de Direito de Família do Centro Universitário Franciscano (Unifra) Bernardete Schleder dos Santos entende que a manutenção da separação pode ser interessante para alguns casais, seja por questões de religiosidade ou possibilidade de reconciliação. Mas ela afirma que a discussão de culpa está em desuso há algum tempo, e seu reconhecimento não apresenta efeitos significativos quanto às questões a serem decididas no momento da separação. Porém, a culpabilidade de um ou de outro cônjuge pode ser relevante em alguns casos:
– Ela pode gerar o direito de uma reparação moral. Assim, entendo que os juízes que atuam na área do Direito de Família devem se conscientizar de que os litígios familiares podem, sim, ser objeto de análise em ações de indenização por dano moral. Exemplifico no caso de adultério, ciúme excessivo, violência física e moral.
Conforme Bernadete, no 2º Congresso de Direito de Família do Mercosul – promovido pelo Instituto de Direito de Família, há duas semanas, em Porto Alegre –, os estudiosos da área estavam bastante divididos. A professora acompanhou a parcela que acredita que a separação judicial permanece valendo, por não terem sido revogados os artigos referentes ao tema no Código Civil.
Constituição – O juiz da 2ª Vara de Família de Santa Maria, Rafael Pagnon Cunha, cita o princípio da supremacia da Constituição para discordar. De acordo com ele, a Constituição é a lei suprema do Estado, e nenhuma norma divergente pode existir no Estado. Cunha vê virtudes na nova emenda, que diminui a interferência do Estado na vida do cidadão, ao reduzir as etapas até a dissolução do casamento uma vez terminado o amor – mesmo em casos divórcios litigiosos.
– O divórcio não será objeto de aprofundado questionamento que não a existência do casamento em si. “Quando um não quer, dois não ficam juntos”. A expressão popular ganha guarida no atual Direito das Famílias, em que se compreende que, para o divórcio, basta o pedido de um dos integrantes do casal – diz o juiz.
Também não é possível a um dos cônjuges se recusar a dar o divórcio, conforme Cunha:
– Quem dá o divórcio é o Estado, via Poder Judiciário. Sem debate de culpa, nem investigação do porquê do desamor e sem exposição desnecessária das pessoas. Sem voyeurismo estatal, imiscuindo-se desnecessariamente na vida das famílias. O fim do amor e o pedido que o Estado o decrete são suficientes.
Censo
Segundo o IBGE, houve 153 mil divórcios no país em 2008. Em Santa Maria, foram 272
Fonte- Diário de Santa Maria- 24/08/2010- tatiana.dutra@diariosm.com.br
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