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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Formaturas

Valores desprezados, por José J. Camargo *
Uma das mais tristes subversões dos costumes é a tendência moderna de desprezo à solenidade, confundida pela geração atual como afetada perda de tempo.
Um dia desses assistindo a uma formatura foi inevitável o desconforto de ver uma cerimônia tão marcante e tão nobre, vivida com trajes do cotidiano informal e tratada com o descaso de um encontro qualquer e que, em vários momentos, para desespero dos pais, beirou a arruaça.
Os gritos, os apitos, os assobios, os cabelos desgrenhados e os jeans se completavam com a vulgaridade da cerveja, que rolava redonda, pobre e solta. Nada contra a cerveja, mas não sei de coisa nenhuma que valha a pena que se comemore com ela.
Saí de lá condoído pelos pais que vêem na formatura dos filhos um momento agudo e intenso de realização de um sonho e de cumprimento de etapas, nesta determinação que todos têm de tentar, desesperadamente, oferecer aos filhos uma vida mais feliz do que ousaram sonhar para eles próprios.
De repente cessaram os flashes. Os canudos que voavam pelo palco eram tão desrespeitosos que nem os mais liberais se animavam em fotografá-los. O constrangimento da platéia, lá pelas tantas pareceu que invadiu o palco, e tive a impressão fugaz de que a compostura voltaria. Mas logo alguém gritou uma palavra de ordem e a balbúrdia recomeçou, com seus grotescos e suados personagens.
Quando abracei alguns pais conhecidos, fiquei com vontade de pedir desculpas porque nesta pressa de viver talvez tenhamos negligenciado alguns valores básicos que não podiam ser ignorados.
Dias depois fui compensado pela descoberta que o ponto mais marcante do documentário de João Moreira Salles que conta a história de Santiago, um mordomo nascido na Itália e criado na Argentina e que serviu à sua família por mais de 30 anos, envolve isso, solenidade. Uma noite em que os pais foram jantar fora, João Moreira Salles e seus irmãos menores foram dormir cedo na velha casa na Gávea onde ficaram aos cuidados de Santiago. Lá pela meia-noite, o pequeno João foi despertado com o som de música no salão principal e curioso percorreu apressado os longos corredores até encontrar Santiago, vestido de fraque, tocando Beethoven ao piano. Não se surpreendeu com a música nem com o pianista porque estava habituado a ouvi-lo tocar, mas quando perguntou: "Por que o fraque?" ouviu dele a resposta mais comovente: "Porque é Beethoven!"
A música de Beethoven sobreviverá a todas as ameaças de suposta modernidade porque tem a genialidade das coisas definitivas e pelas mesmas razões com que nos deslumbramos hoje, ela será ouvida com encantamento no outro e nos outros séculos. Mas que bom saber que alguém, numa noite distante e solitária, vestiu fraque para homenageá-lo!
Alguém conseguiria imaginar uma latinha de cerveja , estupidamente gelada, esperando pelo concertista na borda do piano de cauda?
Solenidade é isso: dar à circunstância a dignidade que ela merece!
*Médico e professor universitário
Fonte- Zero Hora- fevereiro de 2008


Aos meus alunos da UNIFRA que hoje estão se formando meu grande abraço. Que a cerimônia de colação de grau tenha a dignidade que vocês merecem e seja uma feliz lembrança no resto de suas vidas.

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