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domingo, 18 de julho de 2010

Gina


Dez anos se passaram desde nosso último encontro. A lembrança que ficou é exatamente a que deveria ser apagada: um corpo fragilizado, uma respiração difícil, um olhar sem brilho e apático e um gemido doloroso. Uma família reunida em torno de uma tremenda dor: a dor da despedida. Tento lembrar outros tempos, dos dias mais felizes e promissores. Os detalhes que recordo são do seu uniforme de ginásio, o cabelo preso por uma tiara branca, a música antiga e romântica tocando baixinho no rádio, enquanto, sentada na poltrona da sala, bordava delicadamente. As aulas do curso noturno. O som do acordeão. A aprovação no concorrido concurso público. As primeiras compras com o primeiro salário. Os presentes, as viagens, as críticas e a constante preocupação com a família. Os planos, os eternos e incessantes planos, que mostravam um espírito aventureiro, onde a inquietude era constante. O amor pelas artes: a pintura, a música, a decoração, a dança... O gosto pelas viagens, pela novidade, pela fotografia, pela psicologia, pela leitura, pela criatividade. Hoje é possível entender a sua necessidade de rapidamente experimentar tudo: seu tempo de vida era inversamente proporcional a sua vontade de viver. Mesmo nos últimos dias, quando sabia o que lhe estava reservado, nunca deixou de fazer planos. Talvez a sua fé espírita lhe apontasse para uma nova oportunidade de vida, ou talvez entendesse que, enquanto planejasse um futuro, ainda estaria usufruindo de um viver. Foi minha mãe substituta e, para meus filhos, foi tia, madrinha e verdadeira avó. Soube me acolher e proteger quando foi necessário. Deixou-me vários ensinamentos como herança. Tivemos muitos desentendimentos, mas com nenhuma outra pessoa tive maior intimidade. Sua generosidade, inclusive com pessoas estranhas, certamente foi seu maior legado. Não tive oportunidade de lhe falar sobre a importância que teve na minha vida, mas talvez isso não tenha sido necessário. Sua mão apertando a minha nos momentos de maior sofrimento, seu pedido de companhia no momento da prece, quando sentiu a proximidade do perigo, foram suficientes para perceber que, mais do que o laço de sangue e os anos de convivência, havia entre nós uma cumplicidade fraterna e um vínculo de afetividade que ultrapassou o sentido da palavra “irmã”.

2 comentários:

  1. vc consegue colocar em palavras tudo o que sentimos no coração, obrigada vc me emocionou muito hoje!!

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  2. Vou guardar este texto tao sincero e sensivel, para que a Virginia possa ter o retrato falado da avó de quem lhe foi emprestado o nome.
    Obrigada por isso tia!
    Beijo

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