V. casou-se com X em 1971, adotando o regime legal da época, comunhão universal de bens. Ela tinha sido criada por uma senhora que, ao falecer lhe deixou, como legado, uma casa, onde V. reside desde o início de seu casamento. Em 1977, quando o casal já tinha dois filhos, na época, com seis e dois anos, X. abandonou o lar, nunca mais dando notícias para a família. V. separou-se judicialmente em 1980, processo em que foi decretada a revelia do réu por não ter sido localizado. Em 2002, V. ingressou com uma Ação de Conversão de Separação em Divórcio. Durante todo esse período, mais de 25 anos, ela criou sozinha seus dois filhos, educando-os e sustentando-os com seu serviço de faxinas domésticas. Na ação, V. requereu o reconhecimento judicial de sua propriedade exclusiva sobre o imóvel, considerando a posse pacífica contínua sobre o bem, afastando o direito de meação do ex-cônjuge através do instituto da usucapião. O réu, neste novo processo, foi localizado através de informações de uma companhia telefônica, e veio aos autos requerendo a sua meação, justificada pelo regime da comunhão universal de bens. Ora, na visão de V., era mais do que certo de que ela ficaria com o bem imóvel, já que o havia recebido como herança e, desde o abandono do marido, sempre nele permaneceu, pagando impostos, fazendo benfeitorias e, principalmente, sustentando sozinha sua família. Ledo engano... A sentença proferida em primeira instância aceitou o parecer do Ministério Público e determinou que a discussão acerca do usucapião do imóvel deveria ser feita em demanda própria, obedecendo ao rito específico. Assim reconheceu o direito de meação do bem para o réu. Já em segunda instância, os julgadores enfrentaram a questão entendendo que não se poderia consolidar a posse de V. sobre o imóvel, pois era propriedade de ambos, em regime de condomínio pro-indiviso, tendo sido concedida (sic) pelo autor à esposa a título precário, em figura equiparada à do detentor, não se operando as regras de aquisição de posse entre as parte, muito menos da prescrição aquisitiva. O sentimento de injustiça dominou todos os que se envolveram no processo. V. e seus filhos ficaram inconsoláveis. Ao conhecer o resultado da ação de usucapião dos 190 milhões depositados indevidamente (ver publicação do dia 16/08/2009), lembrei-me deste caso que foi trabalhado no serviço de Assistência Judiciária da UFSM e que nos causou profunda decepção. A diferença no entendimento da questão é gritante, pois no primeiro caso houve um apego ao texto legal sobre o regime de bens, sem considerar a necessidade de se fazer justiça no caso prático. No segundo caso, fecha-se os olhos para um dos requisitos técnicos do usucapião (animo de dono), para entender a aquisição da propriedade unicamente pela omissão do banco em proceder a correção do erro de um depósito indevido no prazo de prescrição aquisitiva. O adágio de Cícero: ''summum jus, summa injuria'' está gravado em destaque no prédio do antigo fórum de nossa cidade. Ele significa que um excesso de justiça pode ser causa de grande injustiça, ou seja, a aplicação literal da lei pode causar um grande dano. O jurista uruguaio Juan Eduardo Couture Etcheverry, falecido em 1956, redigiu os famosos Mandamentos do Advogado, sempre lembrado nas solenidades de formaturas. Entre esses preceitos, encontra-se '“Teu Dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.” É uma pena que tal princípio muitas vezes seja somente uma retórica, pois, acima de tudo, para se fazer justiça é preciso coragem. (Maiores detalhes sobre o caso relatado- Apelação Cível- 70024014813, da Oitava Câmara Cível do TJRS, j. em 13 de junho de 2008, relator, Des. José S. Trindade) .
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ResponderExcluirE ainda o TJRS tem fama de ser o mais avançado tribunal em Dir. De Família.
ResponderExcluirSe o magistrado nunca passou por situação semelhante, ou algum de seus próximos, como esperar que tenha esse sentimento de Justiça? Além disso, a celeridade exigida do Judiciário acaba por prejudicar, em regra, a análise das peculiaridades do caso concreto - para cumprir metas, usa-se o mesmo "carimbo" de decisão para situações diversas. Isso é o Poder Judiciário, não a Justiça.
ResponderExcluirAMEI O TEXTO É DE GRANDE ENSINAMENTO!
ResponderExcluirBJS.
RAINH@
Justiça antes de tudo e uma questão de caráter, ter ou não vivido algo parecido pode não necessáriamente influenciar na decisão.
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